Milhares de pessoas, portadoras de deficiências visuais, são privadas do acesso a informações comezinhas. Poder adentrar um estabelecimento comercial, saber o que está à venda, qual o preço, características e quantitativo de determinado produto. A maioria das pessoas não conseguirá, jamais, mensurar o que representa passar toda uma vida sem acesso a tais informações. E depender sempre do auxílio de alguém para fazer algo tão simples como uma pequena compra de mercearia.
Não há, portanto, como se achar ruim, maléfica ou inadequada a determinação de que todos os estabelecimentos comerciais varejistas do Espírito Santo mantenham obrigatoriamente “a apresentação de informações básicas sobre os produtos expostos à venda, em sistema braile, em placas próprias, nas respectivas prateleiras ou gôndolas de exposição”, tal como determinado pela Lei Estadual 11.606/2022, publicada no Diário Oficial da última terça-feira, 10 de maio.
Isso, todavia, não significa que a lei não apresente grave problema. Querer regular a sociedade, por melhores que sejam as intenções, deve sempre ser antecedido de um estudo sério sobre os impactos da regulação.
Perguntas básicas que deveriam ter sido formuladas. Quantos estabelecimentos varejistas existem no Espírito Santo? Qual é o faturamento mensal médio destes estabelecimentos? Quanto custa manter um sistema em braile, a ser atualizado todas as vezes que os produtos são alterados nas prateleiras? Existem empresas ou prestadores de serviços capazes de orientar essa alteração e permitir que, em seis meses, todas pequenas mercearias, padarias, pequenos e grandes comércios do Estado estejam perfeitamente adaptados? Existem fiscais suficientes para fiscalizar essa atividade e apenar quem descumpre a lei? Existem servidores suficientes para processarem todas essas autuações e recursos decorrentes do descumprimento dessas normas? O Judiciário deve receber quantas ações a questionarem as multas aplicadas? Quanto vai custar adicionalmente a estrutura burocrática para colocar em prática tais medidas?
Tenho um palpite. Essas perguntas provavelmente nem foram adequadamente formuladas durante o processo legislativo, de modo que a existência de uma pesquisa séria a respeito do impacto regulatório dessa excelente intenção legislativa é coisa que fica apenas na nossa imaginação.
Tenho ainda outro palpite. Talvez as grandes redes de supermercado – com algumas prorrogações de prazo – tenham condições financeiras, e capacidade organizacional, para se adequarem a tal exigência, contratando empresas especializadas e arcando com os custos da implementação de tais medidas, os quais, obviamente, serão repassados para os custos dos produtos vendidos nas prateleiras e pagos pelo consumidor.
Os pequenos varejistas, donos de pequenas lojas e mercearias, os quais sofrem com a crise, inflação, retração de mercado, têm suas margens apertadas, e nunca, infelizmente, terão condições de cumprir a lei. Não consigo imaginar como o dono da mercearia de bairro poderia atualizar inscritos em cada um de seus produtos, todas as vezes que substituídos, com linguagem em braile que descreva as “informações básicas do produto”.
E isso é um grande problema. Fazer uma lei que não poderá ser adequadamente cumprida pela maioria dos seus destinatários é uma forma de retirar legitimidade do Estado, de sua organização e autoridade, e proliferar a ideia nefasta de que há no Brasil “leis que não pegam”. Deslegitimando o modo de ser de nossa organização política.
Toda boa ação tem um custo, e se pensarmos apenas nos excelentes fins que visa a atender, sem pensarmos no caminho necessário para sua plena consecução, corremos um risco de geramos em outros quadrantes um mal maior, quiçá ainda maior do que o bem somado das boas ações efetivamente atingidas com a regulação que propomos.
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