Autor(a) Convidado(a)
É advogado especialista em direito empresarial com foco em recuperação judicial e falência, e sócio do escritório Finamore Simoni Advogados

Por que recuperações judiciais disparam no Brasil, mesmo com economia em crescimento?

De janeiro a setembro deste ano,  1,7 mil empresas solicitaram recuperação judicial, uma alta de 73% em comparação ao mesmo período de 2023, segundo a Serasa Experian

  • Felipe Finamore É advogado especialista em direito empresarial com foco em recuperação judicial e falência, e sócio do escritório Finamore Simoni Advogados
Publicado em 27/11/2024 às 14h02

O Brasil vive uma situação paradoxal, reflexo de uma combinação de fatores estruturais e conjunturais que afetam profundamente a saúde financeira das empresas. Enquanto a economia registra crescimento acima das expectativas, os pedidos de recuperação judicial atingem níveis recordes.

Nos primeiros nove meses deste ano, 1,7 mil empresas solicitaram recuperação judicial, uma alta de 73% em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo a Serasa Experian. Esse volume de processos é comparável a 2016, período marcado por uma grave crise econômica e política no Brasil. Mas quais são as razões para esse fenômeno em tempos de crescimento econômico?

Um dos principais fatores é a alta expressiva da taxa básica de juros (Selic). A Selic saltou de 2% para 13,75% em menos de dois anos, aumentando de forma expressiva o custo do capital de giro utilizado pelas empresas para sustentar suas operações. Essa elevação elevou os custos financeiros de dívidas pré-existentes e encareceu novas linhas de crédito, gerando uma pressão adicional sobre o fluxo de caixa das empresas. Assim,para muitas empresas, especialmente as de pequeno e médio porte, essa alta de juros se traduziu em uma situação insustentável, na qual a escalada dos custos financeiros se chocou diretamente com suas margens de lucro.

Taxa Selic
Selic foi de 2% para 13,75% em menos de dois anos, elevando custo do capital de giro utilizado por empresas. Crédito: Shutterstock

A alta dos juros, porém, não é o único fator a explicar esse cenário. O impacto da pandemia de Covid-19 segue como um agravante relevante para a situação econômica das empresas. Durante a pandemia, muitas empresas acumularam dívidas e compromissos em meio à redução da atividade econômica. Agora, mesmo com a economia em fase de recuperação, elas enfrentam um cenário de custos operacionais elevados, especialmente pelo aumento nos preços de matérias-primas, que, em alguns casos, praticamente dobraram. A necessidade de mais capital de giro para arcar com esses custos, em um contexto de crédito caro, colocou várias empresas em uma posição vulnerável, levando muitas delas a recorrerem à recuperação judicial como instrumento para preservarem sua atividade econômica.

A elevação dos preços de matérias-primas e insumos trouxe um efeito cascata que impactou diversas cadeias produtivas. O aumento abrupto no custo das mercadorias afetou tanto a produção quanto a distribuição dos produtos, fazendo com que empresas precisassem recorrer ao crédito mais frequentemente para manter suas atividades operacionais e sustentar a produção. Esse cenário gera um ciclo de dependência de crédito bancário e antecipações de recebíveis, o que, em um ambiente de juros elevados, amplifica o risco de inadimplência e de desequilíbrio financeiro.

Outro fator relevante é a perda do poder de compra do consumidor. Com a inflação elevada, o orçamento das famílias brasileiras foi impactado, reduzindo o consumo de bens e serviços. Empresas do varejo e de serviços, por exemplo, têm visto suas margens de lucro encolherem devido à redução da demanda. Esse cenário de menor consumo afeta diretamente a receita das empresas, que enfrentam dificuldades para repassar custos e, ao mesmo tempo, manter a competitividade no mercado.

Em perspectiva, especialistas alertam para uma elevação no número de insolvências no Brasil. Um relatório da Allianz Trade projeta para 2025 e 2026 que os casos de insolvência no Brasil continuem elevados atingindo, respectivamente, 3,4 mil e 3,2 mil casos.

Embora o Brasil já tenha enfrentado momentos de insolvência mais severos, como na década de 1990, o contexto atual expõe a vulnerabilidade de empresas que não conseguem se manter competitivas em um ambiente financeiro adverso. A continuidade deste cenário depende de medidas que facilitem o acesso ao crédito e de políticas que promovam a estabilidade econômica.

Para muitas empresas, a recuperação judicial se mostra como uma ferramenta essencial para evitar a falência, mas sua frequência recorde aponta a necessidade da construção de um ambiente econômico mais equilibrado, menos suscetível a crises de endividamento e que estimule a atividade empreendedora no Brasil.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.