O Brasil vive uma situação paradoxal, reflexo de uma combinação de fatores estruturais e conjunturais que afetam profundamente a saúde financeira das empresas. Enquanto a economia registra crescimento acima das expectativas, os pedidos de recuperação judicial atingem níveis recordes.
Nos primeiros nove meses deste ano, 1,7 mil empresas solicitaram recuperação judicial, uma alta de 73% em comparação ao mesmo período do ano anterior, segundo a Serasa Experian. Esse volume de processos é comparável a 2016, período marcado por uma grave crise econômica e política no Brasil. Mas quais são as razões para esse fenômeno em tempos de crescimento econômico?
Um dos principais fatores é a alta expressiva da taxa básica de juros (Selic). A Selic saltou de 2% para 13,75% em menos de dois anos, aumentando de forma expressiva o custo do capital de giro utilizado pelas empresas para sustentar suas operações. Essa elevação elevou os custos financeiros de dívidas pré-existentes e encareceu novas linhas de crédito, gerando uma pressão adicional sobre o fluxo de caixa das empresas. Assim,para muitas empresas, especialmente as de pequeno e médio porte, essa alta de juros se traduziu em uma situação insustentável, na qual a escalada dos custos financeiros se chocou diretamente com suas margens de lucro.
A alta dos juros, porém, não é o único fator a explicar esse cenário. O impacto da pandemia de Covid-19 segue como um agravante relevante para a situação econômica das empresas. Durante a pandemia, muitas empresas acumularam dívidas e compromissos em meio à redução da atividade econômica. Agora, mesmo com a economia em fase de recuperação, elas enfrentam um cenário de custos operacionais elevados, especialmente pelo aumento nos preços de matérias-primas, que, em alguns casos, praticamente dobraram. A necessidade de mais capital de giro para arcar com esses custos, em um contexto de crédito caro, colocou várias empresas em uma posição vulnerável, levando muitas delas a recorrerem à recuperação judicial como instrumento para preservarem sua atividade econômica.
A elevação dos preços de matérias-primas e insumos trouxe um efeito cascata que impactou diversas cadeias produtivas. O aumento abrupto no custo das mercadorias afetou tanto a produção quanto a distribuição dos produtos, fazendo com que empresas precisassem recorrer ao crédito mais frequentemente para manter suas atividades operacionais e sustentar a produção. Esse cenário gera um ciclo de dependência de crédito bancário e antecipações de recebíveis, o que, em um ambiente de juros elevados, amplifica o risco de inadimplência e de desequilíbrio financeiro.
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Outro fator relevante é a perda do poder de compra do consumidor. Com a inflação elevada, o orçamento das famílias brasileiras foi impactado, reduzindo o consumo de bens e serviços. Empresas do varejo e de serviços, por exemplo, têm visto suas margens de lucro encolherem devido à redução da demanda. Esse cenário de menor consumo afeta diretamente a receita das empresas, que enfrentam dificuldades para repassar custos e, ao mesmo tempo, manter a competitividade no mercado.
Em perspectiva, especialistas alertam para uma elevação no número de insolvências no Brasil. Um relatório da Allianz Trade projeta para 2025 e 2026 que os casos de insolvência no Brasil continuem elevados atingindo, respectivamente, 3,4 mil e 3,2 mil casos.
Embora o Brasil já tenha enfrentado momentos de insolvência mais severos, como na década de 1990, o contexto atual expõe a vulnerabilidade de empresas que não conseguem se manter competitivas em um ambiente financeiro adverso. A continuidade deste cenário depende de medidas que facilitem o acesso ao crédito e de políticas que promovam a estabilidade econômica.
Para muitas empresas, a recuperação judicial se mostra como uma ferramenta essencial para evitar a falência, mas sua frequência recorde aponta a necessidade da construção de um ambiente econômico mais equilibrado, menos suscetível a crises de endividamento e que estimule a atividade empreendedora no Brasil.
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