SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - O procurador-geral da República, Paulo Gonet, prepara uma denúncia conjunta ao STF (Supremo Tribunal Federal) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de modo a reunir os casos da trama golpista, das joias sauditas e do cartão de vacina. Advogados ouvidos pela Folha divergem sobre a viabilidade da estratégia.
A Polícia Federal indiciou Bolsonaro por suspeita de envolvimento em plano para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2022. A imputação criminal se soma a outras contra o capitão da reserva.
Além de suspeito na investigação da trama golpista, o ex-presidente também já foi indiciado pela PF em apuração sobre a venda de joias sauditas recebidas de presente pelo governo brasileiro e de falsificação de certificados de vacinas contra a Covid-19.
Bolsonaro não é réu em nenhum dos casos nem formalmente acusado. A PGR (Procuradoria-Geral da República) vai analisá-los e definir os próximos passos conforme os elementos colhidos nas investigações. O órgão pode oferecer a denúncia, pedir o arquivamento do inquérito ou solicitar mais diligências.
A Procuradoria confirma já ter recebido o relatório da PF sobre a trama golpista. A lei estabelece um prazo de 15 dias para ela se manifestar, mas, na prática, o prazo pode ser flexibilizado se for necessário mais tempo. A instituição não perde o direito de oferecer a denúncia caso ele seja descumprido.
O procurador-geral cogita apresentar uma acusação conjunta contra o ex-presidente, agregando os casos. A estratégia fica a critério do Ministério Público, dizem especialistas ouvidos pela reportagem.
Ao oferecer a acusação, a PGR deve observar se há prova da materialidade do crime e indícios de autoria, ou seja, elementos concretos que comprovem a existência de um delito e evidências de que ele está relacionado a um autor.
O conteúdo do relatório será analisado pelo Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos do MPF (Ministério Público Federal).
Segundo a coluna da Mônica Bergamo, Gonet só deve apresentar uma denúncia contra Bolsonaro em 2025. Ministros do STF, por sua vez, avaliam que o julgamento deve ocorrer no primeiro semestre do ano que vem, para evitar o calendário eleitoral de 2026.
A advogada criminalista Carolina Amorim, doutora em processo penal, avalia que o correto seria o PGR oferecer três denúncias, por serem investigações distintas. "A investigação sobre as vacinas e sobre as joias não detêm conexão com as acusações da suposta trama golpista", afirma, dizendo que seriam necessárias circunstâncias similares e de tempo e lugar comuns para uma peça única.
O argumento tem origem nas hipóteses do artigo 76 do Código de Processo de Penal, que estabelece as situações que motivam a junção das acusações, como quando as provas de uma infração interferem nas de outras ou quando as condutas forem praticadas pelas mesmas pessoas de forma conjunta, ao mesmo tempo e no mesmo lugar.
De acordo com Jacinto Coutinho, professor titular de direito processual penal da UFPR (Universidade Federal do Paraná), não há um impedimento legal para a união dos casos em uma mesma denúncia, embora seja "um tanto arriscado, pela complexidade do processo e por eventual dificuldade para a defesa".
Coutinho sustenta que, apesar de haver "remotamente uma conexão" entre os casos, são situações diferentes e estruturas diferentes, de modo que o ideal seria fazer uma denúncia para cada fato e delas resultarem os respectivos processos.
"O risco que se tem de embaralhar muito e dar complexidade para o processo é se cometer algum vício. Em face de um vício, aconteceu o que aconteceu na Lava Jato", diz o professor.
Maurício Zanoide de Moraes, professor de processo penal da USP (Universidade de São Paulo), por outro lado, considera haver mais lógica em se construir uma narrativa com começo, meio e fim, mesmo que se divida por grupos, do que fazer de maneira isolada.
Segundo ele, a Procuraria poderia oferecer uma denúncia conjunta se julgasse que faz sentido do ponto de vista da eficiência, da utilidade e da melhor apuração global das condutas.
Mas o advogado cita obstáculos, como, por exemplo, o fato de a acusação e a defesa poderem arrolar cada uma até oito testemunhas para cada conduta imputada. Se forem quatro imputações, já seriam 64 testemunhas no limite fixado em lei.
"Imagine a complexidade que isso não leva", diz ele. "Não adianta para a Procuradoria oferecer uma denúncia que demore anos a fio para ser posta ao fim."
Outra questão é a diferença nas etapas de cada investigação. A necessidade de novas diligências em uma delas pode atrasar o oferecimento da denúncia única. Uma vantagem de apresentar três seria permitir que cada caso amadurecesse no seu tempo.
Raquel Scalcon, consultora e professora de direito penal da FGV-SP, afirma que, se a PGR identificar com clareza conexões entre as investigações, apresentar uma denúncia conjunta faz sentido. Para isso, seria necessário haver uma narrativa que costure um ato único com várias etapas, afirma a advogada.
"Essa denúncia precisa ser muito bem construída para que se sustente e para que efetivamente tenha uma viabilidade, porque ela envolve um ex-presidente, envolve uma discussão sobre tentativa de golpe. É um caso muito, muito sensível. Espero e imagino que a PGR vai ser muito cautelosa. Não vai ser uma denúncia feita às pressas", afirma Scalcon.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta