Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Viana, tem as duas torres em formatos diferentes
Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Viana, tem as duas torres em formatos diferentes. Crédito: Vitor Jubini

A curiosa história da igreja de Viana com torres em formatos diferentes

Igreja de Nossa Senhora da Conceição, na sede de Viana, foi inaugurada no início do século XIX e quase foi destruída em um incêndio em 1848, tendo ajuda de Dom Pedro II para ser reerguida

Tempo de leitura: 7min
Vitória
Publicado em 14/10/2022 às 08h14

Marco histórico, cultural e religioso de Viana, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição é uma das construções mais emblemáticas do Espírito Santo. Datada do início do século XIX e erguida por imigrantes do Arquipélago de Açores – complexo de ilhas no meio do Oceano Atlântico que é território autônomo de Portugal –, a estrutura é marcada por traços arquitetônicos bem característicos da época da edificação. Há um aspecto do tempo, porém, que mesmo quem passa bem perto dele por vezes não percebe: as duas torres têm formatos distintos.

As explicações para que uma torre seja côncava – com a estrutura voltada para dentro – enquanto a outra é convexa, ou abaulada, acompanham a pluralidade das histórias e do folclore do município. O que se sabe é que um incêndio quase destruiu a igreja em 1848, trinta anos após a inauguração, o que fez com que uma das torres tivesse de ser reconstruída.

Alguns dizem que o incêndio foi criminoso, outros que foi causado por uma vela acesa no momento errado. Há quem acredite ainda que um raio atingiu uma das torres e provocou as chamas. No fim das contas, o fogo consumiu grande parte da igreja. Em meio ao fogo, uma moradora do município salvou um dos pedaços mais importantes da história de Viana: uma imagem de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da paróquia, trazida de Portugal.

A igreja passou por anos de restauro e recuperação da estrutura e, quando a obra foi concluída, ganhou o traço mais marcante. A torre destruída no incêndio foi reconstruída diferente da original. Uma história que marca uma cidade e um povo, celebrando o orgulho das origens açorianas e a demonstração de fé de uma heroína local.

RECONSTRUÇÃO CONTOU COM AJUDA DE DOM PEDRO II

A construção da Igreja de Nossa Senhora da Conceição foi motivada principalmente porque, naquela época, era necessário que houvesse uma paróquia para que uma vila fosse considerada oficialmente como uma cidade. Como Viana já contava com uma população de pouco mais de 400 habitantes, faltava apenas um templo católico para que o vilarejo, digamos, subisse de patamar.

Igreja Nossa Senhora da Conceição em Viana Sede
Padre Zaelton da Costa na Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Viana Sede. Crédito: Vitor Jubini

Imigrantes do Arquipélago de Açores, então, empenharam-se em erguer a igreja. A vinda deles para o Brasil, como conta o padre Zaelton da Costa, aconteceu no momento de transição entre mão de obra de africanos escravizados para imigrantes.

"A construção da igreja de Viana se deu com a imigração açoriana para esse vilarejo de Santo Agostinho. Os açorianos foram um dos primeiros povos a virem para o Brasil para fazer essa mudança na época em que o Brasil lidava muito com os escravos e a mão de obra agora seria pela imigração", narrou o padre.

Igreja Nossa Senhora da Conceição em Viana Sede
Igreja Nossa Senhora da Conceição, em Viana Sede. Crédito: Vitor Jubini

Zaelton explicou que a igreja foi construída entre os anos de 1815 e 1817, mas teve a primeira missa celebrada ainda em 1816, antes do fim da obra. Cerca de 30 anos após ser inaugurada, porém, houve o grande incêndio que acometeu a construção e quase a destruiu. A tragédia poderia ser ainda maior, não fosse por uma heroína do povo vianense: Luísa Aurélia da Conceição.

"Alguns dizem que foi um raio que caiu sobre a torre, outros dizem que foi alguém que acendeu uma vela, ou que foi maldosamente incendiada. Nesse incêndio, uma senhora entrou na igreja, tirou a imagem de Nossa Senhora da Conceição, que veio de Portugal, com algumas outras imagens que estavam pegando fogo. Duas delas nós não sabemos que fim deu, principalmente uma de Santa Cecília", disse Zaelton.

Mesmo com a ajuda de Luísa e dos escravizados, o fogo acabou se espalhando rápido, principalmente porque o teto da igreja era de palha. O estrago foi grande e a igreja passou por 30 anos de restauração. A obra contou com a ajuda de Dom Pedro II para ser concluída.

"Pegou fogo na igreja porque o telhado não era de telha, era de palha. Depois veio o restauro da igreja, passou 30 anos tentando reformar. Depois, quando Dom Pedro segundo passou navegando pelo rio Santo Agostinho, que era navegável - hoje em dia não é mais -, ele deixou 300 mil contos de réis para terminar de restaurar as torres e a igreja também", contou o padre Zaelton.

TORRES DIFERENTES: QUAL É A ORIGINAL E QUAL FOI RECONSTRUÍDA?

Não há registros escritos sobre o incêndio, o que ressalta a importância da tradição de histórias contadas boca a boca, mas que ajudam a preservar o patrimônio cultural de Viana. Para saber, portanto, qual das torres tem o formato original e qual delas foi reconstruída, é preciso uma análise mais aprofundada de aspectos arquitetônicos.

"Com uma análise de arquitetura da construção da igreja, que é predominantemente barroca, a gente observa esses aspectos das colunas gregas e nós temos os arcos que apresentam o mesmo formato de coluna grega. Na torre da esquerda, nós temos um espaço para iluminação e outro para respiração da igreja e mais detalhes, então, dentro da arquitetura, a torre da direita é a que foi reconstruída. Mas isso é um entendimento com base na arquitetura. A gente tem registros orais que falam que a torre da direita que é a original e que a da esquerda foi reconstruída", analisa a Secretária de Esportes, Cultura e Turismo de Viana, Renata Rosa Weixter.

Renata Rosa Weixter

Secretária de Esportes, Cultura e Turismo de Viana

"Mas isso é muito bacana, porque, na história, a oralidade faz parte desse processo. Então, a gente tem que considerar todas essas fontes como históricas, que são fontes primárias"

Renata ressaltou a importância da igreja não apenas como um templo religioso, mas como um monumento que, aliás, é tombado como histórico pelo governo do Estado. Além disso, a secretária destacou a ligação com Açores. Viana chegou a receber, em 2021, um representante do governo açoriano, dada a estreita relação do município com o arquipélago português.

"É um monumento histórico, cultural, religioso, para a expressão da fé das pessoas. Para as pessoas que querem conhecer um pouco da história da imigração açoriana, porque é um barroco característico do que era feito no Arquipélago dos Açores. Viana recebeu essa imigração, aqui no Espírito Santo foi o município que mais recebeu famílias açorianas, então a gente pode ver a característica da cultura desse povo nos casarios, na igreja, nos modos, saberes e fazeres, que a gente reporta ao patrimônio imaterial que também é muito importante", frisou a secretária.

Igreja Nossa Senhora da Conceição em Viana Sede
Torres têm características arquitetônicas diferentes, o que pode apontar qual delas foi destruída no incêndio. Crédito: Vitor Jubini

Mas não foram apenas os açorianos que ocuparam o território que hoje abrange Viana. Renata destacou a miscigenação de vários povos como um fator característico da consolidação da cidade e reforçou a importância de a população conhecer as raízes históricas que compõem o município.

"A gente está, cada vez mais, estreitando esses laços como uma das principais formações étnicas que Viana recebeu: os portugueses e as comunidades açorianas. É muito importante que a população vianense conheça essa história, entenda esses processos, veja como foi essa imigração açoriana, veja também como foi a chegada dos africanos na condição de escravizados. Imigração alemã, italiana, os indígenas Puris que habitavam essa terra e também fazem parte dessa história. Conhecer essa história significa valorizar e pertencer ainda mais a esse município", finalizou a secretária.

FESTAS DA IGREJA SÃO MARCO DA CULTURA DE VIANA

A tradição religiosa também passa por festas, que celebram os santos padroeiros de cada igreja. Em Viana não é diferente: as comemorações para Nossa Senhora da Conceição e outras datas importantes do calendário católico agitam toda a comunidade e levam vários moradores do município às ruas.

"Nós temos três festas ou três momentos importantes na comunidade paroquial de Nossa Senhora da Conceição, mas também cultural do povo vianense. Nós temos a festa do Divino Espírito Santo, já entrando na Páscoa. Na semana santa, temos o tradicional teatro da paixão de Cristo, que reúne de sete mil a 10 mil pessoas. E tem a festa da padroeira, em 8 de dezembro, quando celebramos Nossa Senhora da Conceição", elencou o padre Zaelton.

Igreja Nossa Senhora da Conceição em Viana Sede
A Igreja Nossa Senhora da Conceição fica na Sede de Viana e as festas unem a comunidade. Crédito: Vitor Jubini

Zaelton apontou também o envolvimento da comunidade com as celebrações promovidas pela igreja, reforçando as festas como uma forma de engajar os moradores e valorizar a cultura da cidade.

"A comunidade é toda envolvida. Quando se fala de festa, principalmente cultural religiosa, todos se envolvem. Por que nós temos o lado religioso, mas também temos o lado para dançar um forrozinho que todo mundo gosta, né? Quem não gosta de forró? Todo mundo gosta. Ai o povo se envolve!", disse o padre.

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