É professor do mestrado em Segurança Pública da UVV. Faz análises sobre a violência urbana e a criminalidade, explicando as causas e apontando caminhos para uma sociedade mais pacífica. Escreve aos domingos

Os governadores gritam e a PEC da Segurança Pública passa, ou não

Governadores descontentes também podem fazer pressão, assim como os integrantes das forças estaduais e municipais, então é muito possível que a PEC não seja aprovada

Publicado em 01/12/2024 às 03h05

Vimos até falando da grita de boa parte dos governadores contra a PEC da Segurança Pública, mas é tentador fazer um prognóstico de sua aprovação ou não no congresso.

De cara surge uma dificuldade: a proposta, em si mesma, é muito ruim e só tem como ponto positivo a transformação da PRF em Polícia Ostensiva Nacional, dando mais campo de ação à instituição e criando uma alternativa que permitiria extinguir a Força Nacional de Segurança Pública, uma instituição meio fantasma, já que essencialmente composta de policiais estaduais e que, portanto, nunca acrescentou policiamento, pelo contrário, atrapalhava as Polícias Militares e Civis, que atualmente cedem seu pessoal sem uma contrapartida sequer igual.

Viaturas da Polícia Rodoviária Federal em Viana, ES. Viaturas e agentes da PRF na Rodovia BR-262
Polícia Rodoviária Federal: uma das propostas da PEC é transformar a PRF em Polícia Ostensiva Nacional. Crédito: Carlos Alberto Silva

Uma proposta tão ruim fornecerá muita munição para os não poucos congressistas que, por serem de oposição ou virem de carreiras policiais estaduais, tendem a ser contrários. Os governadores descontentes também podem fazer pressão, assim como os integrantes das forças estaduais e municipais que, com toda razão, também estão bastante críticos, por se sentirem pessoalmente atingidos. Então é muito possível que a PEC não seja aprovada.

Vejam que coisa engraçada: escrevi diversas colunas defendendo o uso de câmeras corporais pelos policiais, até mesmo para protegê-los juridicamente, com provas idôneas de qualquer ocorrência. Sou francamente a favor da proposta, mas acredito que isso deva ser precedido de um trabalho prévio de convencimento, não enfiado goela abaixo dos profissionais de segurança pública, como o Governo Federal claramente quer fazer. Não que seja necessária uma concordância unânime de todos os policiais, mas ao menos, uma certa aceitação. E aqui entra uma outra figura que provavelmente levantada: a inconstitucionalidade dessa emenda.

Atualmente, só uma lei estadual ou municipal, ou uma ordem administrativa do governador de cada estado e do prefeito de cada município pode impor o uso de câmeras. Ao abrir a possibilidade de o presidente da República ou o congresso nacional ordenar essa medida ou qualquer coisa semelhante, estaria sendo gravemente rompido o Pacto Federativo, que constitui o primeiro artigo da Constituição da República. E o STF tem sido permeável à teoria de que normas constitucionais podem ser declaradas inconstitucionais, defendida por Otto Bachof há mais de 70 anos.

Alguém pode dizer que fazer isso não passou pela cabeça do presidente da República. Pois bem, então para que ele faria uma PEC concedendo-lhe poderes que ele não pretende exercer? Bem, há duas possibilidades: a primeira é a de que ele quer somente uma cortina de fumaça, algo que ele possa mostrar ao eleitor que andou fazendo respeito do problema; a segunda é a de que ele até prefira a PEC rejeitada, para ter uma desculpa para não haver resolvido problema nenhum. E claro, preferimos a hipótese de que o Governo Federal esteja completamente perdido, vendo a cobrança do eleitoral para que a União ajude um pouco mais na redução da violência e não sabendo o que fazer, mas acreditando sinceramente que essa PEC seria a solução mágica que ele busca.

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