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Publicado em 27 de junho de 2024 às 09:07
A poeta mineira Adélia Prado foi anunciada na tarde desta quarta-feira como a vencedora deste ano do prêmio Camões, o mais importante reconhecimento da literatura em língua portuguesa.
A distinção vem uma semana depois de a autora ganhar o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, que também seleciona autores pelo conjunto da obra -o que faz deste o ano de maior consagração da carreira da escritora de 88 anos.
"Agora estou duplamente em festa", diz a escritora, em comunicado enviado à reportagem. "Quero dividir minha alegria com todos os amantes da língua portuguesa, esta fonte poderosa de criação."
Prado também anunciou há pouco sua volta à literatura depois de mais de uma década do que classificou como um "deserto criativo". Publicará uma nova coletânea de inéditos, "Jardim das Oliveiras", pela Record. O livro deve sair ainda este ano.
A escolha rompe uma tradição recente do Camões: o prêmio costuma alternar entre escritores brasileiros, portugueses e de países africanos lusófonos. Desta vez, seleção da mineira vem apenas dois anos depois da seleção de um conterrâneo seu, o crítico literário Silviano Santiago.
O último ganhador foi o português João Barrento, pesquisador menos conhecido e mal editado no Brasil. No ano anterior a Santiago, a vencedora havia sido a moçambicana Paulina Chiziane, primeira africana negra distinguida com o Camões -o esperado era que esse ano outro nome do continente fosse premiado.
Em vez disso, a selecionada no aniversário de 500 anos de Luis Vaz de Camões foi uma das escritoras mais aclamadas do Brasil, marcada por uma poesia que mescla o teor espiritual do catolicismo que a acompanhou por toda a sua vida e uma refrescante liberdade para falar de temas íntimos e sexuais.
O júri ressalta Prado como "autora de uma obra muito original, que se estende ao longo de décadas, com destaque para a produção poética".
Isso porque a escritora também publicou contos, como os de "Solte os Cachorros", romances como "Cacos para um Vitral", infantis como "Quando Eu Era Pequena" e teve uma produção próxima ao teatro, dirigindo uma montagem de "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, nos anos 1980.
Desde sua estreia com o elogiado "Bagagem", de 1976, a escritora se lançou como nome incontornável da poesia brasileira e venceu o prêmio Jabuti com sua obra seguinte, "O Coração Disparado", publicada dois anos depois.
O presidente da Fundação Biblioteca Nacional, Marco Lucchesi, lembra que no começo da carreira a escritora foi apadrinhada por outro poeta mineiro, Carlos Drummond de Andrade, que se derramava em elogios à conterrânea em suas colunas de jornal.
Prado seguiu cativando leitores com publicações constantes até a coletânea "Miserere", de 2013. Desde então, sua obra ficou em silêncio.
"Fui resgatada pela própria poesia", dividiu a escritora, no ano passado, com a coluna Painel das Letras. "Encontrei, em gavetas, poemas escritos na tenra juventude e, para minha surpresa, eles estavam em sintonia com minha experiência atual e desencadearam a ideia desse livro."
O prêmio concede à autora um valor de 100 mil euros, ou cerca de R$ 590 mil reais divididos entre o governo de Portugal e a Biblioteca Nacional brasileira, e foi escolhido por um júri que compreendia dois críticos brasileiros, dois portugueses e dois moçambicanos.
Para expressar seu "profundo sentimento de gratidão" pelo Camões, a escritora enviou à reportagem o texto "O Nascimento do Poema", reproduzido abaixo.
"O que existe são coisas,
não palavras. Por isso
te ouvirei sem cansaço recitar em búlgaro
como olharei montanhas durante horas,
ou nuvens.
Sinais valem palavras,
palavras valem coisas,
coisas não valem nada.
Entender é um rapto,
é o mesmo que desentender.
Minha mãe morrendo,
não faltou a meu choro este arco-íris:
o luto irá bem com meus cabelos claros.
Granito, lápide, crepe,
são belas coisas ou palavras belas?
Mármore, sol, lixívia.
Entender me sequestra de palavra e de coisa,
arremessa-me ao coração da poesia.
Por isso escrevo os poemas
pra velar o que ameaça minha fraqueza mortal.
Recuso-me a acreditar que homens inventam as línguas,
é o Espírito quem me impele,
quer ser adorado
e sopra no meu ouvido este hino litúrgico:
baldes, vassouras, dívidas e medo,
desejo de ver Jonathan e ser condenada ao inferno.
Não construí as pirâmides. Sou Deus."
SAIBA QUEM FORAM TODOS OS VENCEDORES DO CAMÕES:
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