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Publicado em 21 de outubro de 2022 às 15:00
“Uma banda que se faz presente quando necessário”. Assim o próprio Planet Hemp define sua trajetória de quase 30 anos. Entre idas e vindas, o grupo formado em 1992 inicialmente por Marcelo D2, Skunk - falecido em 1994 -, Rafael Crespo, BNegão, Formigão e Bacalhau ficou marcado pelas letras marcadas pelas fortes críticas ao sistema e em defesa da legalização da maconha. Após 22 anos, desde o álbum “A Invasão do Sagaz Homem Fumaça” (2000), a banda lança nesta sexta-feira (21), um disco inédito chamado “Jardineiros”.
Contendo 15 faixas, o álbum traz reflexões acerca de temas como a política sobre drogas (como em “Remedinho” e “Jardineiro”) e questões sociais (presente em “Eles Sentem Também” e “Veias Abertas”, entre outras), ao mesmo tempo em que expande o leque de sonoridades, se unindo à nomes como MC Carol de Niterói (que aparece como sample em “Onda Forte”) e o jovem trapper argentino Trueno (feat em “Meu Barrio”).
Com formação atual composta por Marcelo D2, BNegão, Formigão, Pedro Garcia e Nobru, neste aguardado novo trabalho, o Planet Hemp usa como referências a sua própria caminhada e o momento atual do país para escrever este novo capítulo da sua história. Em bate-papo com HZ, D2 abriu o jogo sobre a construção do álbum.
“O Planet Hemp tem muito a ver com a nossa necessidade pessoal de se expressar. Achamos que nunca mais íamos fazer um disco até o Brasil nos ‘obrigar’. Saímos mais uma vez da zona de conforto. Esse disco foi muito dolorido, mais do que todos os outros. Fizemos no meio de uma pandemia, muita gente morrendo, achávamos que isso não iria existir. Ver que tem milícia, política e religião se misturando no Brasil é muito louco. Esse lugar é meio triste, poderíamos estar falando de outros problemas e não dos velhos. Estamos vendo um país partido. Estamos distópicos e o Planet Hemp é uma utopia”, disse D2.
Para BNegão, a necessidade em dar asas ao novo álbum partiu de uma cobrança do público em virtude da política no país. “A situação política do Brasil impulsionou esse novo disco. Muita gente nos cobrava nesse momento, nós furamos uma bolha. Não estamos mais no underground, nossa música chegou para muita gente. O Planet é uma banda de uma opinião forte e não falar nada seria quase uma omissão”, ressaltou o músico.
Basta dar o "play" para ir do hardcore ao samba, passando pelo reggae e chegando até ao drill, gênero musical do fim da década de 2000. De acordo com D2, a diversidade musical trabalhada nesse disco fez com que o resultado ficasse ainda mais rico.
“Não valeria uma música sem a outra. É uma banda que abraça a porrada na hora de ter porrada e a piada na hora que tem que ter piada. Esse disco, mais do que todos, representa muito isso, não só pelas letras, mas pelos estilos musicais que nos propomos a tocar. Quero que as pessoas entendam o cuidado que a gente teve em cada música, cada finalização” afirmou.
Ao decorrer do disco, a banda tenta resgatar a luta de classe, trazendo a consciência de que é preciso combater os desafios impostos pela desigualdade social e econômica. Sobre esse assunto, D2 diz que essas lutas “nos pertencem” e que, por isso, é nosso dever plantar a mudança nos tempos de hoje para conseguir colher um futuro melhor.
“Como nós viemos dessa arte de combate, com punk rock e rap, ainda não sabemos o quanto vai ter de melhora no país. Somos um país ‘do atraso’. Todas essas lutas nos pertencem. A ideia deste disco pode ser uma utopia, mas também é a ideia de cuidarmos e semearmos para colhermos lá na frente o melhor para todos. O Planet Hemp é uma válvula de escape”, frisou D2.
Uma das faixas de destaque do álbum é “Taca Fogo”, um punk trap que não se furta a fazer críticas ao cenário político atual brasileiro e que começa com a chamada “Está no ar a Rádio Libertadora”, em referência ao pronunciamento do revolucionário Carlos Marighella durante a tomada da Rádio Nacional.
Nomes como Black Alien, Apollo 9, Negalê, Daniel Ganjaman, Seu Jorge, Zé Gonzales, Rafael Crespo e Jacksom já passaram pelo Planet Hemp. E para a alegria dos fãs, Gustavo Ribeiro, o Black Alien está presente na música “O Ritmo e a Raiva”. O disco ainda conta com feats de peso como o rapper Criolo - feat do primeiro single desta nova leva lançado pelo grupo, “Distopia”, e Tropkillaz, em “Ainda”.
“Tem muita gente legal e querida. Até brinco que se não tivesse o Gustavo, não teria sentido. Essas parcerias acrescentam na diversidade e ajudam a chegar no som ideal. Todo mundo que participou tem a ver com a história do Planet. O disco é sobre gente que tem sintonia, ligação e coletividade. Digo, por exemplo, que o Criolo é praticamente da banda (risos)”, ressalta BNegão.
Ao longo de três décadas de carreira, com direito a dois discos de platina e uma indicação ao Grammy Latino como Melhor Álbum de Música Urbana, o Planet Hemp colocou inúmeras pautas progressistas “em cima da mesa”. Com um olhar crítico e particular, o novo disco causa a impressão de que ainda falta muito para chegar em um Brasil ideal. Apesar disso, D2 pontua que houve avanço em vários debates nesse tempo.
“Eu acho que esses assuntos acabam sendo uma pauta eterna. Eu não sei o quanto de melhora significativa a gente vai ter no Brasil, se vamos conseguir ver. Eu até falei com o Gustavo (Black Alien) sobre como nós fomos sobreviventes de muita coisa. Esse é um disco muito mais maduro musicalmente por conta disso tudo. É óbvio que estamos mais velhos, mas a ideia de que nunca sou ‘eu’ e sempre somos ‘nós’, ainda prevalece”, ressalta Marcelo D2.
Durante uma participação no programa Altas Horas, da Rede Globo, em fevereiro de 2019, D2 disse que não foi fácil fazer o Planet Hemp por causa das fortes opiniões dos integrantes. Com o novo trabalho pronto em 2022, o músico frisou que as diferenças não só fazem parte do processo, como acabaram sendo fundamentais para a entrega do produto final.
“Esse foi um trabalho muito importante para o grupo. Estamos vivendo um momento com tantas opiniões diferentes no mundo, por isso vimos que é preciso semear e compartilhar opiniões. Aprendemos bastante a lidar com essas diferenças no processo de gravação. Ninguém está abrindo mão de uma opinião. Na verdade, nós passamos a admirar ainda mais um ao outro” reforça D2. Em seguida, BNegão brincou: “A gente fica pensando muito se a moqueca veio da Bahia ou do Espírito Santo (risos)”.
Não é de hoje que o Planet Hemp traz à tona a luta pela legalização da maconha. Em 1995, o disco “Usuário” veio com a faixa "Legalize Já", que se transformou em hit, apesar do videoclipe ter sofrido censura. Vinte e sete anos depois, a pauta segue sendo a mesma no novo trabalho da banda.
“Apesar de tudo, o Brasil avançou nessa questão da legalização. A planta é democrática, mas hoje em dia nós estamos vendo o agronegócio querendo tomar conta desse negócio e até elitizar. A galera que sempre combateu está querendo dominar esse ramo. O disco também vem para trazer essa luta. Fiz questão de abordar nesse novo álbum a frase ‘não compre, plante’”, pontuou BNegão.
D2 ainda lembrou sobre a prisão dos membros do Planet em 1997 por suposta apologia às drogas durante um concerto em Brasília. “Nossa prisão ainda marca muito as nossas letras. Às vezes, eu escrevo mais para o público que não é do Planet Hemp do que para as pessoas que nos acompanham. É para alfinetar. Tem tanto absurdo no país que a gente até esquece que nós passamos oito dias na cadeia”, finalizou.
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