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Arquitetos do ES tentam evitar que Cais das Artes seja ocupado por "startups"

Em dezembro do ano passado, Renato Casagrande (PSB) afirmou que empresas de tecnologia poderiam terminar as obras no local; a ideia seria utilizar o espaço revezando com atividades culturais

Publicado em 23 de janeiro de 2022 às 10:00

Esqueleto de concreto do Cais das Artes está inacabado na Enseada do Suá, em 2018
Esqueleto de concreto do Cais das Artes está inacabado na Enseada do Suá, em Vitória Crédito: Vitor Jubini

O Instituto de Arquitetos do Brasil no Espírito Santo (IAB-ES) utilizou as redes sociais para se manifestar contra a utilização do Cais das Artes para outros fins que não sejam artísticos e culturais.

Um vídeo publicado no Instagram cria um cenário onde as artes estariam presentes na estrutura que começou a ser construída em 2010. "Imagine tudo isso acontecendo aqui", diz. As obras em Vitória estão paradas desde 2015, e uma das alternativas, segundo o governador Renato Casagrande, é que um grupo de empresas de tecnologia termine a construção e comece a utilizar o espaço. A ideia não repercute de maneira positiva entre os membros do IAB-ES, que apontam um local já existente para o desenvolvimento da área tecnológica.

Em uma das publicações, a organização de arquitetos lista três motivos para manter o uso original do projeto. Ressaltando a importância do local como um "grande museu", o post aponta que a mudança na utilização poderia afetar o turismo e diminuir o espaço de desenvolvimento de artistas locais.

"O Espírito Santo é o único Estado do Sudeste que não possui um museu ou teatro e grande porte. Inviabilizando o acesso e a permanência de obras de arte e peças internacionais", aponta a publicação.

Para o arquiteto Eduardo Pasquinelli Rocio, mudar a concepção do Cais das Artes poderia descaracterizar um espaço idealizado para ser um museu. Na opinião do membro e conselheiro do instituto, é contraditório perder a "vocação" criada pela estrutura na Enseada do Suá, em Vitória.

A alternativa de concessão do espaço como saída para destravar as obras foi divulgada por Renato Casagrande em dezembro de 2021, em entrevista à Rádio CBN Vitória. O governador afirmou que um grupo de empresas dialoga com o Estado para organizar a concessão.

ESTRUTURA

O chefe do Executivo estadual, disse, porém, que a ideia é preservar a atividade cultural, que poderia dividir o espaço com a atividade de tecnologia. "Esse grupo de empresas poderia entrar concluindo as obras", afirmou à CBN Vitória.

No entanto, membros do IAB-ES apontam que a finalidade sugerida pelo governador já possui um local adequado, o Parque Tecnológico, também na capital.

"Já existe o Parque Tecnológico para receber essas empresas, estudado por muito tempo e com investimento da prefeitura", afirmou Eduardo Pasquinelli.

Vista aérea do Cais das Artes, na Enseada do Suá, em Vitória
Vista aérea do Cais das Artes, na Enseada do Suá, em Vitória Crédito: CLEFERSON COMARELA/VIXFLY DRONES

O membro do IAB-ES lembrou ainda que o Cais das Artes é a última obra de Paulo Mendes da Rocha, arquiteto capixaba que faleceu em maio de 2021.

Segundo Pasquinelli, o manifesto do instituto é uma forma de ajudar e contribuir. Uma maneira de alertar os capixabas, considerando a dimensão e o potencial da estrutura localizada na capital do Espírito Santo. À reportagem de HZ, o arquiteto afirmou que o instituto ainda não foi chamado para uma conversa desde a divulgação do manifesto.

O QUE DIZ A SECULT/ES

Procurada pela reportagem, a Secretaria Estadual de Cultura (Secult/ES) respondeu, por meio de nota. "A Secretaria de Cultura informa que não recebeu oficialmente o manifesto, mas acompanha as discussões e tem bom diálogo com o Instituto de Arquitetos do Brasil no Espírito Santo, que tem cadeira em nosso Conselho Estadual de Cultura. Inclusive, tendo autorizado a gravação do vídeo e recebido visitas de arquitetos na obra, desta e de outras instituições que representam arquitetos no Estado".

O informativo também dá detalhes sobre os "novos passos" do Cais das Artes. "Esta semana, o Departamento de Edificações e de Rodovias do Espírito Santo (DER-ES) apresentou ao Ministério Público, juntamente com a empresa vencedora do certame, um novo projeto de retomada da obra, cuja retomada é de interesse urgente do Governo do Estado".

A nota também detalhou sobre as atividades a serem desenvolvidas no aparelho cultural. "Sobre o uso, as alternativas serão debatidas com a sociedade em tempo oportuno. A ideia sempre foi integrar a cultura com outras áreas, como educação, inovação, gastronomia, turismo e economia criativa, por exemplo. Mantendo as diretrizes iniciais do projeto como um espaço cultural, que já previa espaços e ativações além do Museu e do Teatro, como restaurantes e café. O intuito é que Cais das Artes receba exposições, encontros e espetáculos de todos os portes, priorizando a produção artística e a diversidade cultural capixaba".

O CAIS DAS ARTES ANO A ANO

  • 2010
  • Oficialmente as obras começaram em 2010, no fim do segundo mandato do governador Paulo Hartung. O investimento total seria de R$ 115 milhões.

  • 2012
  • A previsão de entrega do empreendimento era 2012, mas a Santa Bárbara, construtora que executava os serviços, faliu e, com isso, o contrato foi reincidido.

  • 2013
  • Neste ano, as obras foram retomadas após uma nova licitação que contratou o Consórcio Andrade Valladares - Topus.

  • 2015
  • As obras foram realizadas até maio de 2015, quando sofreram nova paralisação. Depois disso, no começo de junho, voltaram a prosseguir, mas, no mesmo mês, pararam novamente. Ainda em 2015, o governo anunciou que teria que contratar uma nova empresa, a terceira, para finalizar a construção. A entrega ficaria para 2018.

  • 2016
  • Em agosto foi feita uma nova licitação, mas para contratar uma consultoria de engenharia, que faria uma avaliação da obra e um balanço do que ainda precisaria ser feito. Neste ponto, o governo do Estado já previa gastar entre R$ 80 milhões e R$ 100 milhões a mais no orçamento.
  • Neste ponto, desde 2010, o que foi construído nem chegou a ser utilizado e já precisou de reparos devido à ação do tempo e abandono do empreendimento.

  • 2018
  • Já em 2018, em abril, o Instituto de Obras Públicas do Estado do Espírito Santo (Iopes) licitou uma nova empresa para gerenciar a obra. A Planesp Engenharia ganhou a chamada no valor de R$ 3,8 milhões para executar o serviço.
  • Em julho deste ano, Paulo Hartung e a Secretaria de Estado dos Transportes e Obras Públicas (Setop) anunciaram que as obras seriam retomadas em dezembro de 2018 e deveriam ser entregues até 2020. Até então, já havia sido gasto, ao todo, mais de R$ 129 milhões com o que era para ser o maior espaço cultural do Espírito Santo, inicialmente, com entrega prevista para 2012. Com a previsão de gastos divulgada naquela época, o valor total chegaria à casa dos R$ 229 milhões.
  • Em setembro, o governo lançou edital para licitar a empresa que terminaria as obras do empreendimento. Mas, em outubro, suspendeu o edital sem data para republicá-lo.

  • 2019
  • Em março, o governo decidiu retirar mais de R$ 14 milhões que custeariam parte das obras de finalização do Cais das Artes para abrir um crédito suplementar à Secretaria de Estado de Saneamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano. Ainda em março, o Iopes garantiu que iniciou um processo de levantamento do equipamento cultural para ver o saldo da obra e retomar a execução do projeto com a empresa Andrade Valladares - Topus, a mesma que cuidava do canteiro de obras em 2015.

  • 2020
  • Em janeiro, o governo esperava retomar as obras ainda em 2020. Em entrevista à A Gazeta, o secretário de Estado da Cultura, Fabrício Noronha, disse que iria, também, intensificar um debate com a sociedade artística para falar sobre o futuro uso do local. Sobre as obras, na ocasião, o titular da pasta reiterou a necessidade de o processo na Justiça se resolver. 

  • 2021
  • Em janeiro, o secretário de Cultura disse que o governo pretendia retomar a construção do Cais das Artes no primeiro semestre do ano. Na época, o governo estava em discussão para entrar em acordo com a empresa que processou o Estado na Justiça. 
  • Em maio, o DER-ES disse que estava finalizando um acordo internamente com a empresa responsável pela obra. Porém, a resposta que viria em poucos dias nunca chegou
  • Ainda sem acordo, o governador Renato Casagrande anunciou em dezembro que pensa em duas alternativas para ter o espaço finalizado: regulamentar um contrato de gestão, com ajuda do Tribunal de Contas, para se ter um acordo e resolver o problema jurídico; ou conceder um espaço do Cais das Artes para empresas de tecnologia fazerem um hub de startups e custeiem a finalização da obra.

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