Edital prevê a pintura com grafite e muralismo de 2.560 metros quadrados, no Centro de Vitória. Crédito: Shutterstock
O edital 004/2021 de Seleção de Proposta Artístico Urbana, da Lei Aldir Blanc, aberto pela Prefeitura de Vitória está sendo motivo de polêmica. Através das redes sociais, artistas de uma das entidades concorrentes apontam problemas no processo licitatório, além de intervenção no resultado final por parte do secretário Municipal de Cultura, Luciano Picoli Gagno.
O edital, publicado no dia 3 de setembro de 2021, prevê a pintura com grafite e muralismo de 2.560 metros quadrados, no Centro de Vitória. O valor do prêmio corresponde a R$ 192 mil e os interessados tinham até o dia 25 de setembro para enviar as propostas.
O resultado foi publicado no dia 18 de outubro. No documento, a entidade "Iá Estúdio Ltda" - formada por um coletivo com 39 artistas - foi a vencedora, obtendo uma pontuação de 78,48 contra 71,65 da empresa concorrente. As médias atribuídas foram julgadas por uma comissão avaliadora da prefeitura composta por três jurados, que são servidores do órgão.
Após a decisão do edital, ambas entidades apresentaram recursos à Secretaria Municipal de Cultura (Semc). A empresa que perdeu a primeira fase pediu revisão da nota de dois artistas que tiveram seus portfolios zerados pela banca. Já a "Iá Estúdio Ltda" questionou pontos de irregularidades da concorrente, incluindo uma suposta violação no prazo de inscrição. Segundo a Iá, a concorrente enviou a proposta dois dias após o término das inscrições.
Procurada pela reportagem, a entidade afirmou ter tentado realizar a inscrição dentro do prazo, mas não conseguiu por instabilidade do sistema da prefeitura. Segundo Renata Nunes, advogada da empresa, os erros no site de inscrição foram documentados.
"Nós fizemos na data, mas houve problema no sistema. Como não foi possível protocolar no sistema, fizemos a comunicação nos órgãos competentes. Tiramos prints de telas mostrando os erros para documentar. Nenhum munícipe poderá ser prejudicado, não é benefício", relatou Nunes.
Com os recursos em mãos, a comissão avaliadora manteve a decisão original e os documentos seguiram para avaliação do secretário Municipal de Cultura. No resultado publicado no Diário Oficial, no dia 16 de novembro, a empresa concorrente passava a ter 80 pontos, vencendo o edital. Em nota, a Prefeitura de Vitória disse que não houve irregularidade no edital mencionado.
"O aumento da pontuação atribuída a um dos proponentes do certame foi fruto do recurso apresentado por ele, com o objetivo de rever a decisão de um dos avaliadores que havia zerado a pontuação de dois dos artistas indicados em sua proposta. Por se tratar de artistas com experiência, inclusive internacional, uma nova pontuação foi atribuída com base na pontuação do outro avaliador, sendo dois servidores que compõem a comissão de avaliação", diz a nota.
À reportagem, Renata disse que a entidade cumpriu o que está previsto na lei de licitação. E revelou ainda que a empresa vem sofrendo ataques desde a divulgação do resultado final do edital.
"A entidade exerceu o legítimo direito de interpor recurso. Quando protocola um recurso, ele não é julgado por quem deu a palavra, é pela instância maior. Estão tentando transformar uma conduta legal em outra coisa obscura. As pessoas precisam ser responsáveis pelo que dizem", disse a advogada.
O QUE HOUVE
O secretário de Cultura reconsiderou a pontuação de alguns quesitos do recurso da concorrente após a comissão julgadora manter o resultado anterior aos pedidos de revisão. Segundo o documento apresentado pela Prefeitura de Vitória, Gagno avaliou não parecer adequado tamanho rigor em relação às notas atribuídas aos artistas da empresa que perdeu a primeira fase. O documento com o parecer final foi assinado pelo secretário Municipal de Cultura no dia 11 de novembro.
"Nesse cenário, o que chamou mais atenção em relação aos artistas, foi que tiveram nota zero por parte de um dos avaliadores, não nos parecendo adequado tamanho rigor, que desconsiderou por completo as atividades artísticas já desempenhadas por eles”, avaliou o secretário no parecer dos processos nº 6115899/2021 e 6155182/2021, da Prefeitura de Vitória.
A mudança no resultado acabou levantando questionamentos por parte da ‘Iá Estúdio’, que perdeu o certame com a decisão de Gagno. “Por algum motivo, os dois projetos foram para o gabinete do secretário. Ele julgou pertinente modificar a pontuação da nossa concorrente, que teve portfólios zerados pela banca. O nosso questionamento é, por qual motivo isso aconteceu? O secretário tem prerrogativa técnica para fazer isso? Com quais critérios técnicos ele elevou as notas?", questiona Starley Bonfim, diretor executivo do Iá Estúdio.
Diante disso, a ‘Iá Estúdio’ e o Conselho Municipal de Cultura de Vitória cobraram uma posição da prefeitura sobre a intervenção de Luciano Gagno. Em resposta, o secretário disse que as mudanças são legítimas e embasadas no Art. 109, parágrafo 4, da Lei Federal 8666.
§ 4º - O recurso será dirigido à autoridade superior, por intermédio da que praticou o ato recorrido, a qual poderá reconsiderar sua decisão, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, ou, nesse mesmo prazo, fazê-lo subir, devidamente informado, devendo, neste caso, a decisão ser proferida dentro do prazo de 5 (cinco) dias úteis, contado do recebimento do recurso, sob pena de responsabilidade.
O QUE DIZ O CONSELHO DE CULTURA
O Conselho Municipal de Cultura de Vitória acredita que intervenções como a deste edital abre precedentes para futuros processos licitatórios. Segundo o conselheiro, Vitor Taveira, não deveria ser de competência do secretário fazer mudanças após a decisão da banca avaliadora.
“É uma intervenção estranha. Os responsáveis por fazer mudanças são os jurados, e não o secretário. Nesse caso, os jurados negaram os recursos e reafirmaram a posição. Foi então que o secretário decidiu reavaliar as notas por conta própria. Esse tipo de caso abre um precedente, ainda que exista na lei, é problemático. É um fato bastante raro”, disse Vitor Taveira.
Sobre o episódio da inscrição feita após o prazo pela empresa concorrente, a prefeitura deu explicações no documento, dizendo que o sistema de cadastro apresentou problemas. “Foi comprovado o problema no sistema da Prefeitura para a realização do cadastro e envio da proposta, no fim de semana em que se escoou o prazo, motivo pelo qual o munícipe não pode ser prejudicado”, consta no documento da SEMC, afirmando que, por essa razão, a inscrição da entidade além do prazo estipulado foi permitida.
Parecer do secretário sobre os processos 6115899/2021 e 6155182/2021 do edital 004/2021 da Seleção de Proposta Artístico Urbana, da Lei Aldir Blanc, em Vitória
Documento apresenta a resposta da Prefeitura de Vitória quanto aos questionamentos da intervenção do secretário municipal de Cultura
A ‘Iá Estúdio Ltda’, alegou não ter sido divulgada nenhuma nota da SEMC, PMV e Diário Oficial prorrogando os prazos ou atestando falhas técnicas. "O prazo vigente do edital era até o dia 25 de setembro. A concorrente se inscreveu no dia 27, ou seja, dois dias depois do prazo ter encerrado. Só isso já é o suficiente para inabilitar o projeto da concorrente, porém foi acatado. Se houve algum problema técnico que inviabilizou a inscrição de qualquer empresa, a prefeitura não notificou isso nas suas redes, nem prorrogaram no Diário Oficial. Não foi justo", reclama Starley.
Enquanto isso, a concorrente segue como vencedora do edital e disse que tomará as providências cabíveis quanto aos ataques sofridos.
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