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Publicado em 3 de dezembro de 2022 às 14:16
O escultor e pintor Raphael Galvez não é tão conhecido como deveria, mas milhares de paulistanos passam diante de suas obras com frequência: ele é autor do monumento a Cervantes instalado atrás da Biblioteca Mário de Andrade, do São João Batista da igreja Nossa Senhora do Brasil, da Primavera na Pinacoteca do Estado e do operário na capela do Cemitério do Araçá, quatro exemplos de sua reverência aos ideais de beleza e harmonia do Renascimento.
O artista tem publicada sua autobiografia por iniciativa do colecionador Orandi Momesso, guardião de sua obra, que compreende esculturas, desenhos e pinturas.
Momesso foi amigo e incentivador de Galvez, que se considerava um operário da escultura. Humilde, não fez fortuna, trabalhou em oficinas de marmoraria esculpindo obras para túmulos, conseguiu erguer um modesto ateliê na Barra Funda e, avesso à agitação da vida social, seguiu fiel ao conceito clássico da escultura que aprendeu com o mestre Nicola Rollo, com o qual trabalhou no estúdio do Palácio das Indústrias, no parque Dom Pedro II, antiga Prefeitura de São Paulo e hoje Museu Catavento.
Esse espírito conservador não impediu que ele ousasse um pouco mais na pintura, de tendência expressionista. Ou que tenha sido um dos criadores do Sindicato dos Artistas Plásticos no Palacete Santa Helena, onde se tornou amigo de Volpi e outros pintores do Grupo Santa Helena - o sociólogo José de Souza Martins, no prefácio do livro, lembra que o próprio Galvez identificava-se como integrante da segunda geração de modernistas e que os artistas do grupo "tinham a dupla personalidade de artista e operário".
Enfim, o fato é que ele nunca foi mencionado como integrante do Grupo Santa Helena (Volpi, Rebolo, Zanini e outros). Obviamente, a mágoa ficou e morreu com ele. Galvez não falava do assunto, nem mesmo em entrevistas. Seu temperamento não permitia manifestações de vaidade.
Na autobiografia, ele prefere falar com humor de encontros como o dia em que conheceu a modernista Tarsila, em 1929. A pintora fazia uma exposição na Rua Barão de Itapetininga, no centro de São Paulo. Ele, Aldo Malagoli e outros amigos resolveram comparecer e toparam com Tarsila vestida com uma roupa mais justa que a necessidade. Passado o primeiro choque, sua pintura parecia ainda mais exótica.
Galvez e os amigos foram instruídos pela pintora para "não parar" diante de suas pinturas. Elas deveriam ser vistas "de um lance". E foi o que fizeram. Voltaram, fizeram uma fila indiana e passaram pela mostra em "passo de maratona", vingando-se de Tarsila, que imaginava estar diante de "matutos".
Galvez ficava bravo quando alguém ousava criticar seus ídolos como "ultrapassados", como fez o pintor Vittorio Gobbis a respeito de Michelangelo diante de uma plateia num café formada por Volpi, Sérgio Milliet e outros notáveis. "Gobbis, você é capaz de modelar um dedo como ele fez?", perguntou, arriscando-se, pois Gobbis era gigantesco - e forte como Pantagruel. O silêncio foi a resposta.
Outro episódio anedótico deu-se na exposição de uma réplica do David de Michelangelo na pinacoteca do Liceu de Artes e Ofícios. Um puritano diretor da instituição mandou moldar uma folha de figueira para cobrir sua nudez e, ao visitar a mostra, o engenheiro Ramos de Azevedo perguntou em alto e bom som: "Quem foi esse cretino que teve a petulância de mutilar Michelangelo?" O apavorado diretor, diante do construtor do Teatro Municipal e do Mercado Municipal, nem teve tempo de assumir a culpa. Retirou de imediato a folhinha que cobria o micropênis de David.
Ao final da autobiografia, Galvez lembra todos os que frequentaram seu ateliê na rua Lopes de Almeida, na Barra Funda, prestando homenagem, entre outros, a mestres como o gravador Evandro Carlos Jardim, ao editor Waldir Martins Fontes (1934-2000), fundador da editora que publicou o livro, e a Mayra Laudanna, autora de tese sobre seu trabalho.
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