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Publicado em 25 de janeiro de 2022 às 08:49
O peso do corpo desequilibrava Diogo Moncorvo na postura da árvore. "Fique firme", insistia seu pai, mestre de tai chi chuan, ao perceber seu desconforto. Aos sete anos, ele perdeu o pai e guardou o conselho, repetido a si mesmo cada vez que temia se desviar no mundo.
Diogo passou a se chamar Baco Exu do Blues em 2015. Aos 26 anos, o rapper treina boxe e sente o peso do corpo em uma das pernas, na postura de combate. Move a cintura, lança cruzados e tem os olhos rútilos. Depois de crises depressivas, parou de despejar sua raiva no sparring e aceitou o jogo mental da luta.
"Pra mim boxe é uma partida de xadrez. Você tem as mesmas peças, regras e movimentações que o outro. A pessoa que for mais inteligente e souber ler o adversário vai acabar ganhando", diz o rapper, sentado num banco de seu prédio, em Salvador.
Seu novo disco, "Quantas Vezes Você Já Foi Amado?", que chega na quarta-feira às plataformas de streaming, está em sintonia com a desconstrução de sua raiva no boxe. Pouco a pouco, Baco passou a ter consciência de seus golpes no ar. E de seus ressentimentos. "Como eu podia ter o corpo todo ocupado por raiva, por ódio, e ao mesmo tempo querer amar e ser amado? Estou nesse processo de desconstrução da raiva, de entender de onde ela vem", explica.
"Eu sinto tanta raiva que amar parece errado", afirma o rapper baiano na abertura do disco. A natureza de sua ira foi revelada ao encerrar o ciclo de três anos em São Paulo e regressar a Salvador, no meio da pandemia. "Tive um encontro feroz com minha infância e adolescência." Andando nas ruas, relembrou dores familiares e histórias de sua formação.
"Eu era uma criança extremamente afetiva, amorosa. Adolescente, eu era um cara fechado, arisco. E sempre me culparam por isso. 'Você é agressivo. Você é violento.' Me questionei muito sobre a passagem de uma criança amorosa para esse homem que todo mundo chama de violento. Cheguei à conclusão de que, na realidade, foi falta de afeto, de abraço. Eu reagi."
"Sou de uma família mista. A de minha mãe era de classe média, e a do meu pai, não. Vivi em dois mundos diferentes. Quando fui para o convívio de minha mãe, acabou que, sendo uma família branca, por diversas questões que não vêm ao caso, acabei me afastando muito desse âmbito familiar. É pesado falar isso. É muito difícil você considerar como lar um lugar que não tem pessoas parecidas com você. Não tem como ser afetivo quando você parece ser um intruso."
Há seis anos, Baco empurrou a porta do hip-hop nacional com sua sensibilidade negro-nordestina. Os álbuns "Esú", de 2017, e "Bluesman", de 2018, o elevaram à posição de artista de reconhecimento crítico e comercial. Sua marra cresceu com a vitória do clipe de "Bluesman" no festival de publicidade de Cannes, onde derrotou, sem pedir desculpas, os americanos Beyoncé e Jay-Z.
Seu aguardado álbum "Bacanal" ainda segue arquivado -em 2020, trancado em casa, lançou "Não Tem Bacanal na Quarentena". O vigor dos discos iniciais, porém, retorna em "Quantas Vezes Você Já Foi Amado?", com feats e samples de Gloria Groove ("Samba in Paris"), Muse Maya ("Sei Partir"), Gal Costa ("Lágrimas") e Vinicius de Moraes ("Imortais e Fatais 2"). Nele, temos um Baco rude, amoroso, iracundo e sexualizado, mas também um Baco explorador de sonoridades do samba, pop, blues, jazz e pontos de candomblé e umbanda.
"Inimigos", faixa colérica, sampleia a música "Tenha Fé, Pois Amanhã um Lindo Dia Vai Nascer", gravada pelo grupo Originais do Samba, e assume o confronto com o racismo em versos como "Atacaram meu povo primeiro/ Eu sou a resposta/ Seu novo inimigo") e a violência política em "Acham que me cercaram/ Mas não sinto o perigo/ Só cheiro de medo e de inimigos mortos".
"É muito doido, porque o refrão dessa música veio de um quadrinho de Darth Vader. Ele está num planeta e é cercado pela república. A galera fala para ele: 'Se renda, você está cercado'. E ele: 'Cercado? Eu só estou cercado de medo e homens mortos'", descreve o rapper. "Foi muito impactante. É exatamente assim que me sinto. O racismo está impregnado no mundo de uma forma muito bizarra. É como se você estivesse cercado por isso o tempo todo."
O olhar racista não balança mais sua autoimagem de homem desejável. Baco, bem Narciso Exu do blues, me mostra o corpo malhado e se revela feliz com o emagrecimento. O sinal de alerta máximo veio na pandemia, ao se ver em vários grupos de risco da Covid-19.
"Sendo um jovem homem negro, é difícil olhar para dentro, para o que está sentindo de fato. Nos meus outros álbuns, sempre externei meus sentimentos do momento. Nunca tive tempo de revisar esses sentimentos. Foi muito terapêutico fazer esse disco, ter conversas longas comigo mesmo e entender direito o que é o amor."
"Mulheres Grandes" expressa sua estranheza e instabilidade com a segurança do desejo feminino. "Em todos os meus relacionamentos, as mulheres sempre estavam mais preparadas psicológica e emocionalmente do que eu. É uma parada que de fato me assustava."
Na capital baiana, seus mergulhos no mar são breves. Ele mantém a vivência caseira no bairro da Barra. "Salvador é o meu lar. É a minha vida. Eu me sinto melhor, escrevo melhor quando estou aqui. Sinto que fico longe de todo o glamour de ser Baco Exu do Blues quando estou em Salvador. A maioria dos meus amigos nem lembra que eu canto", diz.
Dois meses antes de nosso encontro, no estúdio montado em seu apartamento, ele me contou seu anseio de esticar as pesquisas musicais para além do rap. Naquela tarde, pediu um instante e botou Justin Bieber cantando "Peaches". Ficou firme, não teve medo de pensarem mal de seu gosto. "Para mim, Bieber é um cara que vai ser entendido lá para frente. Acho ele muito bom", explicou.
"Quantas Vezes..." caminha para fusões musicais em que tudo, mesmo Bieber, pode valer como referência. "Sinto que cada vez mais eu faço parte da cultura hip-hop de uma forma direta, mas, ao mesmo tempo, meu trabalho caminha para vários outros lugares. Não necessariamente estou 100% na cena do hip-hop. Cada vez mais quero fazer minha música. Não quero sair do rap, mas não faço só isso."
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