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Bebê ovelha aterroriza casal que atravessa o luto em "Lamb", premiado em Cannes

Filme islandês com Noomi Rapace - que estreia no streaming MUBI - gira em torno de cordeiro antropomórfico fofo e grotesco na mesma medida

Publicado em 24 de fevereiro de 2022 às 16:05

Uma pequena silhueta se aproxima da mesa da cozinha, vestindo um casaquinho, e atrai a atenção de um dos dois homens sentados à sua frente. "Ela não está acostumada com estranhos", diz um deles sobre a sua filha, que logo dá um balido. "Mééé", faz a pequena figura, se revelando um cordeiro antropomórfico.

De pé sobre suas duas pernas, desfilando modelitos rurais que vão de um suéter amarelo a uma jardineira azul, a criança em torno da qual gira o filme "Lamb é fofa e grotesca na mesma medida. Com seu rostinho coberto de lã branca e macia, ajudou o diretor Valdimar Jóhannsson a levar o prêmio de originalidade da mostra Um Certo Olhar do Festival de Cannes.

Escolha da Islândia para o Oscar de Melhor Filme Internacional - lista da qual acabou ficando de fora -, "Lamb" chega nesta semana ao Brasil pelo streaming MUBI, que fez a rapa no festival francês do ano passado e comprou os direitos de exibição de diversos premiados, como "Titane", vencedor da Palma de Ouro.

Em "Lamb", acompanhamos um casal sem filhos que mora numa fazenda de ovelhas em meio ao frio da Islândia. Quando um dos animais dá à luz, Maria e Ingvar decidem tomar o filhote para si e o criam como se fosse uma criança. Aos poucos, ele vai ganhando características humanas e suscitando a fúria das ovelhas ao redor.

Em seu primeiro longa-metragem, Jóhannsson conta que queria abordar temas como luto, paternidade e aceitação na história e escolheu o cenário para ela com base em suas experiências de infância, quando passava os verões com os avós numa fazenda de ovelhas.

DRAMA INDIE

É curioso que "Lamb", um filme islandês independente, seja o longa de estreia dele, que fez carreira em Hollywood criando os efeitos especiais extravagantes de filmes milionários como "Transformers: A Era da Extinção", "Rogue One: Uma História Star Wars" e o recente "A Guerra do Amanhã", passando ainda pela popular série infantil "LazyTown".

"Eu já estive em quase todo tipo de departamento na indústria cinematográfica, então aprendi algo e tive ideias nos mais variados projetos, com as mais variadas pessoas", afirma o cineasta. Essa diversidade no currículo se reflete em "Lamb", filme que começa como um grande drama e aos poucos vai flertando com a fantasia e o suspense até abraçar totalmente a sua vocação de terror folk.

Para levar a história às telas, ele precisou da ajuda, em dose dupla, de Noomi Rapace, atriz que é produtora e protagonista de "Lamb". Conhecida por "Os Homens que Não Amavam as Mulheres" e "Prometheus", a sueca também compartilha das memórias pastoris de Jóhannsson, já que foi criada numa fazenda. No novo filme, ela põe tudo o que aprendeu na infância em cena, e até ajuda uma ovelha a parir o filhote da história.

"Eu não sou avessa ao trabalho duro", brinca ela. "Eu cresci em estábulos, trabalhando com os animais. Nós não tínhamos cordeiros, mas eu estive próxima da natureza durante boa parte da minha infância, então 'Lamb' foi um convite para eu voltar para as minhas raízes", diz Rapace, que numa sexta estava em Hollywood gravando e, no domingo seguinte, estava nos confins da Islândia, fazendo as vezes de parteira para uma ovelha.

Cena do filme islandês
Cena do filme islandês "Lamb", em cartaz no MUBI Crédito: MUBI

A escolha pelo animal não deixa de ser curiosa, dado o simbolismo que ele carrega em diversas culturas e religiões. Jóhannsson, no entanto, conta que a escalação de uma criança-ovelha teve intenção estética, já que o bicho é reconhecidamente fofo, e demográfica, já que a população de ovelhas na Islândia é consideravelmente maior que a de humanos.

"Mas é curioso, porque nós temos participado de muitas entrevistas e normalmente os jornalistas de países como Itália e Espanha ou da América do Sul veem um tipo de simbolismo totalmente diferente na trama. Então é um filme com muitas possibilidades e interpretações", diz Rapace. "Se as pessoas podem fazer leituras diferentes, ótimo, porque não fiz esse filme para ter um certo ou errado", acrescenta Jóhannsson.

Para além de lidar, acidentalmente, com religiosidade e com temas paternais e de luto -este por causa do passado trágico do casal protagonista, sobre o qual não é difícil tirar suas próprias conclusões-, "Lamb" também se propõe a debater a nossa relação com a natureza. Isso fica claro mais para o final da história, sanguinolento, que o público terá de ver para entender.

Rapace diz que o filme representa um grito da "mãe natureza", como se ela estivesse revidando e tomando de volta o que é seu. "Nós, humanos, só pegamos, pegamos e pegamos. É desastroso como nossos líderes políticos estão lidando com isso, ignorando o fato que estamos abusando do planeta."

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