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Publicado em 16 de dezembro de 2021 às 15:56
Entramos no Teatro Copacabana Palace pelos fundos do hotel, como quem dá as costas para o mar. Numa tardinha no início desta semana, o "foyer", ainda exalando um cheiro de tinta fresca, estava com as luzes apagadas. Ultrapassando a penumbra, era possível ver a sala de espetáculos, precedida por uma escadaria de mármore de Carrara.
No palco, delimitado por cortinas de veludo verde, o elenco de "Copacabana Palace, O Musical" alongava o corpo e exercitava a voz. Da plateia, a atriz Suely Franco, de 82 anos, esperava o início do ensaio, fazendo palavras cruzadas numa revistinha Coquetel. "É um recomeço. Todo trabalho é uma novidade, uma experiência nova", diz ela, na 90ª peça da carreira.
É também um recomeço para o teatro, que reabrirá suas portas com o musical neste fim de semana. Em 1994, a casa fechou as portas devido a problemas administrativos. Há três anos, 600 profissionais se engajaram numa obra de revitalização do espaço, idealizada pelo Grupo Louis Vuitton, administrador do Copacabana Palace, e projetada pelo arquiteto Ivan Rezende. "O grande desafio foi dotar o teatro de tecnologias novas, buscando um caminho estético que valorizasse artífices que marcaram a época da construção do hotel", ele afirma.
Construído em 1949, num salão próximo ao antigo cassino, o teatro foi palco dos anos dourados da dramaturgia brasileira, tendo recebido nomes como Paulo Autran, Tônia Carreiro e Nathalia Timberg. Fernanda Montenegro foi outra que estreou no Teatro Copacabana, como era chamado, em 1950, aos 21 anos, fazendo parte do elenco de "Alegres Canções na Montanha". Três anos depois, um incêndio destruiria parcialmente o local, reaberto em 1954, com "O Diálogo das Carmelitas". No proscênio, pisaram as principais companhias do país, como a Teatro do Brasil e Os Artistas Unidos.
Sob o escrutínio do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, a reforma instalou 44 arandelas de cristal, oito lustres -cinco deles restaurados- e empregou 1.945 metros de tecido para o revestimento do estofado. Evocando a natureza idílica da mata atlântica, o carpete com estampas botânicas foi importado da Turquia. E, para o alívio dos cariocas, a caixa acústica da sala se mostra eficiente, com um revestimento de lâminas de pau-ferro trazidas do Paraná.
No projeto, foram acrescentados seis camarotes, quatro frisas e um café. O valor de obra tão luxuosa não é revelado pelo hotel.
Dirigido por Gustavo Wabner e Sergio Módena, "Copacabana Palace, O Musical" não foi concebido para a reabertura do teatro. É fruto de um sonho antigo. "Eu sou gaúcho. Quando cheguei ao Rio, em 1997, fui chamado para um trabalho no 'Copa'. Nunca tinha entrado aqui. Fiquei fascinado e me perguntei qual era a história desse lugar", lembrou Wabner. O musical, ele afirma, preenche uma lacuna ao percorrer quase um século de funcionamento do hotel mais famoso do Rio de Janeiro.
Em cartaz até fevereiro, a peça se inicia num momento de decadência do Copacabana Palace, quando Maria Izabel Guinle, vivida por Suely Franco, recebe uma oferta de compra feita por James Sherwood, fundador da rede Orient-Express -mais tarde, Belmond.
A morte de Octávio Guinle, interpretado por Claudio Lins, em 1968, deixara um punhado de problemas administrativos para a sua mulher, cuja gestão se notabilizou pela política de corte de gastos. Mariazinha, como era mais conhecida, resistiu enquanto pôde. Em 1989, entrou num acordo com Sherwood, que incluía a permissão de morar no sexto andar do hotel, onde viveu durante 40 anos.
Assinado por Vera Novello e Ana Velloso, o texto tem na memória de Mariazinha seu fio condutor. Não à toa, Vannessa Gerbelli dá vida à personagem quando jovem, em cenas que remontam à fundação do edifício, numa época em que Copacabana se resumia à areia e mar.
Em 1919, atendendo a uma solicitação do presidente Epitácio Pessoa, Octávio Guinle idealizou a construção de um grande hotel para abrigar turistas que participariam da "Exposição do Centenário da Independência". "É interessante ver como o Octávio tinha ligação com a cultura brasileira. A partir da construção do hotel, o povo passa a olhar para o mar e frequenta a praia", diz Lins.
Inspirado nos luxuosos Negresco, de Nice, e Carlton, de Cannes, na França, o arquiteto francês Joseph Gire desenhou um prédio de estilo clássico com toques mediterrâneos para atender os anseios da elite da época.
Desde então, a lista de hóspedes ilustres --e seus respectivos bafafás-- começou a ser moldada. Com um elenco de 20 atores, "Copacabana Palace, O Musical" lembra a noite em que o ébrio Benjamim Vargas, irmão de Getúlio, sacou um revólver no meio do cassino para garantir um resultado favorável à sua aposta. A peça também reproduz o escândalo conjugal em que o ex-presidente Washington Luís foi baleado pela amante, em 1928, durante uma briga num dos quartos.
O balneário atrairia ainda figuras como Thomas Mann, Santos Dumont, Igor Stravinsky e Lady Di. Para contar tantas histórias, a montagem ostenta um palco de dois níveis e exibe, num telão de LED, fotos de diferentes épocas do hotel.
Ao término dos alongamentos, as cortinas se abriram para o ensaio daquela tarde. Franco só largou a revistinha Coquetel pouco antes da primeira fala. Abarcando diferentes gêneros musicais, a peça, de quase duas horas de duração, privilegia números de hóspedes famosos. Carmen Miranda se requebra em "South American Way", Marlene dança ao ritmo de "Samba Rasgado" e Bibi Ferreira canta "Non, Je Ne Regrette Rien".
No final do ensaio, Franco roubou a cena ao interpretar "Fascinação", sucesso de Cauby Peixoto, com dramaticidade --e afinação-- dignas dos anos dourados do teatro musical brasileiro. "A reabertura do teatro num momento em que a situação está tão ruim, com tanta gente desempregada, me dá a sensação, pelo menos eu torço, de que as coisas vão melhorar no Rio", diz ela, sentada num degrau da escadaria do teatro.
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