Repórter especial do Fantástico, Valmir Salaro participa do bate-papo "O jornalismo diante da realidade", no próximo sábado (5), no Crias.lab. Crédito: Arquivo Rede Globo
Nesta sexta (4) e sábado (5), a segunda edição do festival Crias.Lab desembarca na quadra da Mocidade Unida da Glória (MUG), em Vila Velha, com uma programação recheada de bate-papo, mostras, exibições de filmes e documentários, lançamento de clipe e muito rap. Tudo pensado para proporcionar um evento que discuta a comunicação digital e a produção audiovisual a partir de diferentes manifestações artísticas da juventude.
Entre os convidados mais do que especiais, está o repórter Valmir Salaro, que participa do bate-papo "O jornalismo diante da realidade", após a exibição do documentário "Escola Base: Um Repórter Enfrenta o Passado", no segundo dia de evento. Na oportunidade, o repórter revisita a cobertura de um dos casos mais marcantes da imprensa brasileira.
"Gosto mais de ouvir as pessoas do que falar. Para mim, é importante ouvir a opinião das pessoas e também saber a sensação que elas tiveram em relação ao documentário, que é difícil, pesado e emociona. Também recebi muitas críticas. Quer dizer, sou aberto à qualquer tipo de conversa. Pode falar, discordar, criticar... acho legal isso porque aprendo bastante", detalhou Salaro à HZ.
Outros destaques do evento são shows das rappers Azzy e Lourena, um bate-papo com o diretor Gabriel Martins e o lançamento do clipe "Todas Elas", de Beth MC, que tem como base o premiado projeto de A Gazeta.
Os interessados em vivenciar as mais de 30h de programação podem garantir seus ingressos por meio da plataforma Sympla, de forma gratuita. Nos dias do evento, basta apresentar a entrada e entregar 1 kg de alimento não perecível.
MARCADO PARA SEMPRE
Em 45 anos de carreira, o repórter Valmir Salaro foi responsável por grandes coberturas jornalísticas. De sequestros e execuções em periferias paulistanas à polêmica morte de Isabella Nardoni.
Recentemente, Valmir deu voz a Helena Gomes, primeira vítima que expôs Thiago Brennand, o que fez com outras vítimas também se manifestassem. Nelas todas, os cabelos grisalhos e a voz marcante do repórter se alinharam perfeitamente com o peso e responsabilidade de tratar episódios que mexem tanto com a sociedade brasileira.
A trajetória na cobertura de polícia e segurança, que começou em 1978 e o levou até as telinhas da Rede Globo aos domingos, no Fantástico, tem uma ferida ainda aberta: a cobertura do caso Escola Base.
Em 1994, Valmir Salaro foi o primeiro jornalista a noticiar um caso de abuso e exploração infantil em uma escola de São Paulo. O furo jornalístico, porém, não era verdadeiro, o que causou prejuízo irreparável à vida de seis envolvidos diretos (o casal proprietário, uma professora, o motorista da kombi que levava as crianças e os pais de um dos alunos).
"Machuca e vai machucar para sempre. Tenho uma cicatriz dentro de mim que não me faz esquecer o caso da Escola Base. Também não quero esquecer que faz parte da minha vida profissional e pessoal. Comecei a ver o jornalismo de outra forma. Vai ficar sempre presente na minha vida e também na da sociedade brasileira", compartilhou.
Em 2022, o documentário "Escola Base - Um Repórter Enfrenta o Passado" foi lançado na Globoplay, o que reacendeu o debate acerca do caso. Desde então, Valmir Salaro tem participado com mais frequência de rodas de conversas e palestras acerca das reflexões que tirou desse caso. É na motivação em querer que uma cobertura como essa não se repita que o traz ao Espírito Santo, no próximo sábado (5).
"As pessoas muitas vezes me pedem conselhos. Eu não tenho conselho. Não consigo nem dar conselho para mim. O que faço é um alerta especialmente para jornalistas: desconfiar sempre de uma informação que chega a sua mão (...) Alerto: tome cuidado ao receber uma informação e divulgar", advertiu Salaro.
Em conversa com HZ, o jornalista compartilhou que a principal incorreção na época foi ter se precipitado em dar a notícia. "Há cerca de 30 anos ninguém falava em violência sexual contra criança. Hoje, infelizmente, de uma forma trágica, esses casos se repetem quase que diariamente. Era uma história muito nova e acreditei na versão das mães e do delegado. Poderia ter esperado mais um pouco e não ter me precipitado", explicou.
Dói porque queria voltar 30 anos atrás e não ter feito a reportagem e dói porque queria ter checado, checado outra vez e esperado. Essa cicatriz está marcada para sempre pois o caso está presente. Nunca vai se apagar
IMPACTO NO TRABALHO
Durante o bate-papo com HZ, Valmir compartilhou que a cobertura do caso o impactou tanto que chegou a pensar em desistir da profissão. Felizmente, acabou seguindo em frente, sempre tendo em mente a importância de checar a veracidade dos fatos e ter cuidado ao retratar uma notícia.
Não vou ser hipócrita, vivo do furo jornalístico. Principalmente na área que cubro há 45 anos. Como jornalista, ter uma informação em primeira mão é importante para a carreira. O furo é o 'sal da profissão', desde que esse furo seja verdadeiro. Se tivesse que desistir, teria que ter desistido na época do caso. Mas sigo sempre com essa preocupação de checar, e checar, cada informação
"Pensar, repensar, desconfiar e continuar desconfiando. Ter uma informação em primeira mão é importante, valoriza o trabalho do repórter se for de interesse público. Hoje, checo a informação várias vezes e tenho o auxílio de uma equipe de produção, que é um companheirismo, uma parceria", completou.
Com relação ao avanço da tecnologia na área de comunicação, problema que não era comum em 1994, Salaro ressaltou que a facilidade de acesso à informação também traz desafios, como a maior necessidade de checar a veracidade das notícias antes de divulgá-las, uma responsabilidade que os jornalistas profissionais têm e que não é compartilhada por qualquer pessoa que publica uma informação.
"A tecnologia facilitou muito nosso trabalho, a começar pelo celular. Sou de uma geração e tive que aprender essa técnica. Hoje, vem tudo para praticamente você. Não lido muito com Instagram, mas chegaram várias denúncias de casos parecidos com a Escola Base, em que a polícia era suspeita de ter feito um erro ou que a imprensa era suspeita, e estamos sempre checando esses casos. Qualquer pessoa pode publicar uma notícia e ela não tem a responsabilidade que nós jornalistas profissionais temos de checar várias vezes antes de mostrar a informação", comentou.
Desse cuidado com a checagem e apuração nasceu também o reconhecimento do trabalho em equipe. Seja em reportagens "bem" ou "malsucedidas", Salaro reconhece que é o trabalho de uma equipe formada por produtor, repórter, cinegrafista, editor e tantos outros profissionais que permite uma reportagem ir ao ar na TV.
"Me sinto mais tranquilo e seguro sabendo que tenho outros jornalistas apurando comigo. A chance de errar diminuiu bastante. Na TV Globo, vejo isso no Fantástico, um cuidado extremo. A gente lê linha por linha, checa uma hora antes do programa entrar no ar. Mas há risco do erro. Nós não somos heróis", enfatiza.
"Cobrir casos de muita repercussão, mas sempre com trabalho em equipe, me traz tranquilidade. Para mim, o produtor é o coração de uma reportagem. O repórter aparecer no ar, no caso da televisão, mas o produtor tem um papel importantíssimo, assim como o editor de texto, aqueles profissionais que não saem para as ruas, mas vão dividindo o trabalho", complementa.
Mesmo com o erro marcante em sua caminhada, fato que faz o jornalista exercer bastante sua autocrítica, os aprendizados fizeram com que Valmir Salaro tivesse ainda mais sensibilidade na hora de tratar a notícia e os envolvidos, condutas importantes para que pudesse continuar cumprindo a missão que acredita ter: amplificar a voz de quem precisa ser ouvido.
"No meu caso, [a missão do jornalismo em 1994] era fiscalizar a polícia e a justiça. Dar voz aos que não poderiam falar, aos que sofriam com violência policial. Negros, pobres, com idade entre 18 e 25. Procurava da voz para essas pessoas. O meu papel era esse. Hoje, continua sendo fiscalizar e prestar um serviço público. Durante esses 45 anos, tirando e destacando o caso da Escola Base como um erro que cometi, tive orgulho do meu papel como jornalista", finalizou.
PROGRAMAÇÃO
- SEXTA (4)
- 14h às 16h: Exibição do filme MARTE UM. Direção - Gabriel Martins, Brasil, 2022. O longa-metragem representou o Brasil na disputa do Oscar de Melhor Filme Internacional em 2023
- 16h às 17h: Bate-papo. MARTE UM: O poder do imaginário e da produção audiovisual independente para alcançar novos mundos. Com Gabriel Martins (Diretor de Marte Um). Mediação: Rafael Braz (Jornalista de A Gazeta)
- 17h10 às 18h10: Bate-papo. Trap 360º: criação, vivência e representatividade, com PTK (Cantor e Compositor), Tibery (Produtor Musical) e Jeffão(Publicitário e produtor audiovisua). Mediação: A.F.A.R.I (Cantora e compositora)
- 18h20 às 19h20: Lançamento do videoclipe “Todas Elas”, de Beth MC. A produção, criada coletivamente em uma semana da oficina Lab.Clipe, em junho deste ano, através do CriasLab, foi a materialização audiovisual da música de Beth Mc, inspirada em depoimentos de mulheres que participaram do projeto "Todas Elas", de A Gazeta. A iniciativa pretende encorajar na luta feminina por direitos em um dos Estados com maior índice de violência contra a mulher. A seguir, acontece um bate-papo sobre o processo criativo do clipe, com Beth Mc (artista capixaba), Tati Rabelo (Direção e Edição), Thamires Amon (Produção), Felipe Dall’Orto (Criação de Roteiro), Zanete Dadalto (Coordenadora pedagógica) e alunos participantes. Mediação: Elaine Silva (Editora-chefe Jornal A Gazeta)
- 19h30 às 20h30: Bate-papo Sons da Perifa: Estratégias para descentralização das narrativas e valorização cultural das periferias. Com Jairo Malta (Pesquisador e jornalista) Mediação: Natália Dornelas (Cineasta)
- 20h40 às 22h: Mostra CO.LIGA.
- 22h às 23h: DJ Negana
- 23h à meia-noite: Azzy (RJ)
- A partir de meia-noite: Festa Trap 360º, com DJ Tibery, DJ Gegeo, DJ Barol e DJ Jone BL
- SÁBADO (15)
- 14h às 16h: Exibição do documentário "Escola Base - Um Repórter Enfrenta o Passado". Direção: Caio Cavechini, Eliane Scardovelli
- 16h às 17h: Bate-papo O jornalismo diante da realidade: reflexões a partir do Caso Escola Base. Com Valmir Salaro (Repórter especial Fantástico TV Globo). Mediação: Rafaele Gasparini (Editora de Jornalismo da TV Gazeta)
- 17h10 às 18h10: Bate-papo Cena, Música e Identidade: A Importância da Direção de Arte na Produção de Videoclipes. Com Flora Fiorio (Diretora de Arte e arquiteta), Rômulo Corrêa (Diretor de arte e arquiteto) e João Schiavo (Diretor de arte e publicitário). Mediação: Elis Carvalho (Repórter e apresentadora do programa Em Movimento TV Gazeta)
- 18h20 às 19h20: Bate-papo Corpos e Lugares: Conexões e Narrativas na criação de imagens. Com Ana Luzes (Fotógrafa artística e documental), Ratão Diniz (Coordenador técnico Escola Popular/Imagens do Povo, na favela da Maré - RJ) e Márvila Araújo (Fotógrafa e artista visual). Mediação: Thais Gobbo (Fotógrafa, comunicadora popular, influencer e modelo)
- 19h30 às 20h30: Bate-papo Arte e Design: Comunicando Identidades e Impulsionando Transformações, com Kika Carvalho (Artista Visual), Juliana Lisboa (designer interdisciplinar, gestora cultural e diretora criativa) e Rayan Casagrande (Designer, sócio e cofundador do Comboio Art Studio). Mediação: Amanda Lobos (Ilustradora e designer)
- 20h40 às 22h: Mostra CRIAS DA QUEBRADA
- 22h às 23h00: DJ Negana
- 23h à meia-noite: Lourena (RJ)
- A partir da meia-noite: Festa Treme u Baile, com DJ Madeusa, DJ Scooby e DJ Rare Boy
SERVIÇO
- QUANDO: 4 (sexta) e 5 (sábado) de agosto
- ONDE: Quadra da Mocidade Unida da Glória (MUG), na Rua Mourisco, s/n, na Glória, em Vila Velha
- CLASSIFICAÇÃO: 18 anos
- ENTRADA: Gratuita, mediante a retirada dos ingressos para cada dia, no site criaslab.com. Nos dias, é necessário apresentar o ticket e levar 1kg de alimento não perecível.
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