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Publicado em 1 de agosto de 2023 às 10:00
Nesta sexta (4) e sábado (5), a segunda edição do festival Crias.Lab desembarca na quadra da Mocidade Unida da Glória (MUG), em Vila Velha, com uma programação recheada de bate-papo, mostras, exibições de filmes e documentários, lançamento de clipe e muito rap. Tudo pensado para proporcionar um evento que discuta a comunicação digital e a produção audiovisual a partir de diferentes manifestações artísticas da juventude.
Entre os convidados mais do que especiais, está o repórter Valmir Salaro, que participa do bate-papo "O jornalismo diante da realidade", após a exibição do documentário "Escola Base: Um Repórter Enfrenta o Passado", no segundo dia de evento. Na oportunidade, o repórter revisita a cobertura de um dos casos mais marcantes da imprensa brasileira.
"Gosto mais de ouvir as pessoas do que falar. Para mim, é importante ouvir a opinião das pessoas e também saber a sensação que elas tiveram em relação ao documentário, que é difícil, pesado e emociona. Também recebi muitas críticas. Quer dizer, sou aberto à qualquer tipo de conversa. Pode falar, discordar, criticar... acho legal isso porque aprendo bastante", detalhou Salaro à HZ.
Outros destaques do evento são shows das rappers Azzy e Lourena, um bate-papo com o diretor Gabriel Martins e o lançamento do clipe "Todas Elas", de Beth MC, que tem como base o premiado projeto de A Gazeta.
Os interessados em vivenciar as mais de 30h de programação podem garantir seus ingressos por meio da plataforma Sympla, de forma gratuita. Nos dias do evento, basta apresentar a entrada e entregar 1 kg de alimento não perecível.
Em 45 anos de carreira, o repórter Valmir Salaro foi responsável por grandes coberturas jornalísticas. De sequestros e execuções em periferias paulistanas à polêmica morte de Isabella Nardoni.
Recentemente, Valmir deu voz a Helena Gomes, primeira vítima que expôs Thiago Brennand, o que fez com outras vítimas também se manifestassem. Nelas todas, os cabelos grisalhos e a voz marcante do repórter se alinharam perfeitamente com o peso e responsabilidade de tratar episódios que mexem tanto com a sociedade brasileira.
A trajetória na cobertura de polícia e segurança, que começou em 1978 e o levou até as telinhas da Rede Globo aos domingos, no Fantástico, tem uma ferida ainda aberta: a cobertura do caso Escola Base.
Em 1994, Valmir Salaro foi o primeiro jornalista a noticiar um caso de abuso e exploração infantil em uma escola de São Paulo. O furo jornalístico, porém, não era verdadeiro, o que causou prejuízo irreparável à vida de seis envolvidos diretos (o casal proprietário, uma professora, o motorista da kombi que levava as crianças e os pais de um dos alunos).
"Machuca e vai machucar para sempre. Tenho uma cicatriz dentro de mim que não me faz esquecer o caso da Escola Base. Também não quero esquecer que faz parte da minha vida profissional e pessoal. Comecei a ver o jornalismo de outra forma. Vai ficar sempre presente na minha vida e também na da sociedade brasileira", compartilhou.
Em 2022, o documentário "Escola Base - Um Repórter Enfrenta o Passado" foi lançado na Globoplay, o que reacendeu o debate acerca do caso. Desde então, Valmir Salaro tem participado com mais frequência de rodas de conversas e palestras acerca das reflexões que tirou desse caso. É na motivação em querer que uma cobertura como essa não se repita que o traz ao Espírito Santo, no próximo sábado (5).
"As pessoas muitas vezes me pedem conselhos. Eu não tenho conselho. Não consigo nem dar conselho para mim. O que faço é um alerta especialmente para jornalistas: desconfiar sempre de uma informação que chega a sua mão (...) Alerto: tome cuidado ao receber uma informação e divulgar", advertiu Salaro.
Em conversa com HZ, o jornalista compartilhou que a principal incorreção na época foi ter se precipitado em dar a notícia. "Há cerca de 30 anos ninguém falava em violência sexual contra criança. Hoje, infelizmente, de uma forma trágica, esses casos se repetem quase que diariamente. Era uma história muito nova e acreditei na versão das mães e do delegado. Poderia ter esperado mais um pouco e não ter me precipitado", explicou.
Durante o bate-papo com HZ, Valmir compartilhou que a cobertura do caso o impactou tanto que chegou a pensar em desistir da profissão. Felizmente, acabou seguindo em frente, sempre tendo em mente a importância de checar a veracidade dos fatos e ter cuidado ao retratar uma notícia.
"Pensar, repensar, desconfiar e continuar desconfiando. Ter uma informação em primeira mão é importante, valoriza o trabalho do repórter se for de interesse público. Hoje, checo a informação várias vezes e tenho o auxílio de uma equipe de produção, que é um companheirismo, uma parceria", completou.
Com relação ao avanço da tecnologia na área de comunicação, problema que não era comum em 1994, Salaro ressaltou que a facilidade de acesso à informação também traz desafios, como a maior necessidade de checar a veracidade das notícias antes de divulgá-las, uma responsabilidade que os jornalistas profissionais têm e que não é compartilhada por qualquer pessoa que publica uma informação.
"A tecnologia facilitou muito nosso trabalho, a começar pelo celular. Sou de uma geração e tive que aprender essa técnica. Hoje, vem tudo para praticamente você. Não lido muito com Instagram, mas chegaram várias denúncias de casos parecidos com a Escola Base, em que a polícia era suspeita de ter feito um erro ou que a imprensa era suspeita, e estamos sempre checando esses casos. Qualquer pessoa pode publicar uma notícia e ela não tem a responsabilidade que nós jornalistas profissionais temos de checar várias vezes antes de mostrar a informação", comentou.
Desse cuidado com a checagem e apuração nasceu também o reconhecimento do trabalho em equipe. Seja em reportagens "bem" ou "malsucedidas", Salaro reconhece que é o trabalho de uma equipe formada por produtor, repórter, cinegrafista, editor e tantos outros profissionais que permite uma reportagem ir ao ar na TV.
"Me sinto mais tranquilo e seguro sabendo que tenho outros jornalistas apurando comigo. A chance de errar diminuiu bastante. Na TV Globo, vejo isso no Fantástico, um cuidado extremo. A gente lê linha por linha, checa uma hora antes do programa entrar no ar. Mas há risco do erro. Nós não somos heróis", enfatiza.
"Cobrir casos de muita repercussão, mas sempre com trabalho em equipe, me traz tranquilidade. Para mim, o produtor é o coração de uma reportagem. O repórter aparecer no ar, no caso da televisão, mas o produtor tem um papel importantíssimo, assim como o editor de texto, aqueles profissionais que não saem para as ruas, mas vão dividindo o trabalho", complementa.
Mesmo com o erro marcante em sua caminhada, fato que faz o jornalista exercer bastante sua autocrítica, os aprendizados fizeram com que Valmir Salaro tivesse ainda mais sensibilidade na hora de tratar a notícia e os envolvidos, condutas importantes para que pudesse continuar cumprindo a missão que acredita ter: amplificar a voz de quem precisa ser ouvido.
"No meu caso, [a missão do jornalismo em 1994] era fiscalizar a polícia e a justiça. Dar voz aos que não poderiam falar, aos que sofriam com violência policial. Negros, pobres, com idade entre 18 e 25. Procurava da voz para essas pessoas. O meu papel era esse. Hoje, continua sendo fiscalizar e prestar um serviço público. Durante esses 45 anos, tirando e destacando o caso da Escola Base como um erro que cometi, tive orgulho do meu papel como jornalista", finalizou.
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