Nas ruas e praças das periferias, onde as palavras muitas vezes não são ouvidas, nasce uma revolução que utiliza a voz como sua principal arma. O ritmo das palmas sincronizam com batidas de corações ansiosos e as vozes que ecoam histórias, dores e alegrias. É o Slam, um movimento que transcende o simples ato de recitar poesias, transformando versos em armas poderosas de resistência e identidade.
No Espírito Santo, essa febre cultural tem ganhado cada vez mais espaço, revelando talentos e proporcionando um palco onde cada palavra tem peso e cada rima, um propósito. Recentemente, no Museu Capixaba do Negro (Mucane), a jovem Adrielly Franklin, de 21 anos, foi campeã do Slam ES, maior competição de poesia falada do Espírito Santo. Ela irá representar o Estado na competição nacional Slam BR, que neste ano acontecerá no município de Camaçari, na Bahia.
O evento, realizado pelo coletivo Xamego com recursos do Governo do Estado, reafirmou a cena da poesia falada no Espírito Santo, destacando a força e a representatividade dos poetas locais. A cultura Slam chegou de mansinho no Brasil e está se tornando uma das grandes formas de expressão e resistência da cultura urbana.
Final Slam ES 2024, no Mucane. Crédito: Pedro Franco e Gabriella Richa / Divulgação
O que é Slam?
Para entender mais sobre essa cultura, HZ entrevistou Monyque Assis Suzano, que é especialista em oralidades e cultura Slam. Monyque é natural de Cariacica, é graduada em Letras, mestra em Linguística e, atualmente, cursa doutorado em Curriculum and Instruction na University of Minnesota, em Minnesota, nos Estados Unidos.
“O Slam é uma competição de poesia falada criada nos Estados Unidos por Marc Smith na década de 80, em Chicago. A ideia era simples: poetas declamavam suas poesias autorais em até três minutos, sem o uso de adereços ou instrumentos, e eram avaliados por pessoas aleatórias da plateia”
Monyque Assis Suzano
A simplicidade das regras e a informalidade do evento permitiram que diversas vozes, especialmente de comunidades marginalizadas, encontrassem um espaço de expressão. O nome "Slam" remete à batida, simbolizando o impacto que essas poesias têm sobre o público, desafiando as normas tradicionais da literatura.
Monyque conta que, no Brasil, o Slam foi trazido pela pesquisadora Roberta Estrela D’Alva em 2008, através do "ZAP! Slam", que promovia encontros mensais em São Paulo. “Com sua chegada no Brasil, esta modalidade se expande à comunidades de periferia, demonstrando aspectos de uma cultura resistente e que prestigia as experiências de vida dos participantes e nela reescreve narrativas que, por muito tempo, tentaram não evidenciar, como a da ancestralidade dos povos africanos no Brasil”, afirma.
A modalidade se espalhou pelo país, chegando ao Espírito Santo em 2015 com a criação do Slam Botocudos, organizado por John Conceito. Esse coletivo homenageia os povos indígenas Botocudos, os primeiros habitantes legítimos do território capixaba. Monyque conta que o Slam é um evento comunicativo que se dá pela competição, mas, acima disso, devido a seus temas, trata-se também de transmissão de saberes e manutenção de heranças culturais afro-diaspóricas e indígenas.
Regras da batalha
A batalha de Slam segue algumas regras: primeiramente, cada poeta tem um tempo limitado, geralmente de três minutos, para apresentar seu poema. O respeito a esse tempo é crucial, pois poemas que excedem o limite podem receber penalidades na forma de dedução de pontos, o que incentiva os participantes a serem concisos e impactantes em suas performances.
Competição de poesia falada, o Slam ES . Crédito: Wagner Vitor
A originalidade é outra regra fundamental. Os poemas apresentados devem ser criações próprias, refletindo a autenticidade e a voz única de cada poeta. Isso assegura que o Slam seja um espaço de expressão pessoal e criativa, onde os participantes compartilham suas experiências e visões de mundo.
Para manter o foco na performance verbal e corporal, o uso de acessórios, figurinos ou objetos de cena é proibido. Da mesma forma, não é permitido o uso de instrumentos musicais ou música de fundo, fazendo com que os poetas dependam exclusivamente de sua voz para transmitir suas mensagens. Isso ressalta a pureza da arte do Slam, onde a habilidade de cativar o público está na força das palavras e na expressividade do poeta.
O julgamento das performances é feito por um painel de jurados, frequentemente composto por membros do público, que avalia cada apresentação com base em critérios como conteúdo, entrega e impacto emocional. As notas geralmente variam de 0 a 10, e a média das notas dos jurados determina a pontuação final de cada poeta. Esta avaliação democrática e participativa ajuda a refletir a diversidade de opiniões e gostos do público.
Cena capixaba
Nos últimos anos, a cena do Slam no Espírito Santo tem crescido e se diversificado. O Slam Xamego, um dos maiores coletivos de Slam capixaba, começou com um público pequeno e agora atrai mais de 120 pessoas por evento. Filipe Soul, um dos organizadores do Xamego, acredita que o crescimento do movimento está relacionado à identificação das pessoas e ao espaço acolhedor que se tem em uma batalha.
Filipe Soul, um dos organizadores do Xamego. Crédito: Acervo Pessoal
“Como o Slam tem o intuito de dar voz às minorias, seu crescimento foi inevitável. Todas as pessoas que tinham algo a dizer encontraram um espaço onde elas seriam ouvidas. E como cada pessoa tem sua perspectiva, os pontos trazidos agregaram ao movimento, transformando-o em algo grande e plural”, contou.
O Slam tem alcançados outros espaços para além das ruas, como teatros, escolas e museus. Para Filipe, isso é um sonho realizado. “Estar em diversos espaços é um grande passo para todos que desfrutamos do movimento. É quebrar uma enorme barreira, pois deixamos de ser um movimento marginalizado e ocupamos espaços que nos fizeram acreditar que não eram para nós”, afirmou.
Mas, nem tudo são flores no Slam capixaba. Adrielly Franklin, campeã estadual, destacou alguns desafios enfrentados pela cena no Espírito Santo. “Como mulher preta, vejo que há uma escassez de mulheres, o que gera uma trajetória muitas vezes solitária”, Porém, segundo ela, o principal desafio é a falta de investimentos na cultura. “Isso faz com que em muitos momentos a cena fique prejudicada por não conseguir continuar promovendo edições com qualidade. Com isso, muitos coletivos acabam sendo desativados e os organizadores se sentem totalmente abandonados pela cultura”, completa.
Adrielly Franklin, campeã estadual de Slam. Crédito: Gabriella Richa
O futuro do Slam no ES
Filipe Soul enxerga um futuro promissor para a cena de Slam no estado. “O próximo passo é alcançar um maior nível de profissionalização. Com mais editais e projetos voltados para a cultura, o movimento pode crescer ainda mais, atingindo novos espaços e públicos”
Adrielly Franklin, com grande alegria e responsabilidade, se prepara para representar o Espírito Santo na competição nacional. “O meu desejo é levar a potência, a cumplicidade e o sorriso que os poetas do ES sempre carregam consigo. Espero poder atravessar as pessoas com tudo o que aprendi no meu estado. Que através de mim as pessoas possam conhecer um pouco do talento que os nossos carregam! E que esse momento seja memorável para tantos rostos, processos e sonhos sendo vividos”, completou.
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