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Em livro, Alvaro Abreu esmiúça o prazer de confeccionar suas famosas colheres de bambu

Autor, que também é colunista de "A Gazeta", está lançando "Viva a Produção Prazerosa - Histórias das Colheres de Bambu" pela editora Mandacaru

Publicado em 24 de outubro de 2022 às 10:56

As famosas colheres de bambu de Alvaro Abreu são instrumento para o livro
As famosas colheres de bambu de Alvaro Abreu são instrumento para o livro "Viva a Produção Prazerosa" Crédito: Diana Abreu

Para a milenar sabedoria chinesa, o bambu representa prosperidade, sorte, fortuna e energia positiva. Um símbolo de generosidade e multiplicação. Do outro lado do mundo, mais precisamente nas mãos do capixaba Alvaro Abreu, a planta também significa paz, paixão, arte e culinária.   

Usando pedaços do vegetal, Abreu ganhou fama por suas cultuadas colheres há cerca de 30 anos. Hoje, são em torno de cinco mil delas, de vários tipos, formatos e feitas de maneira artesanal, bem longe da frieza do mundo industrializado. Essa arte, produzida com foices, faquinhas, lixas e cacos de vidro, além de muito calor e afeto, é destaque do livro "Viva a Produção Prazerosa - Histórias das Colheres de Bambu", que o escritor cachoeirense está lançando pela editora Mandacaru.

Em 264 páginas, Alvaro Abreu conta, em seu segundo livro de memórias, a rica experiência como fazedor de colheres de bambu, compartilhando ideias e vivências, métodos de trabalho e paixão pelas ferramentas e pela planta.

Também colunista de "A Gazeta", um de seus muitos ofícios multifacetados, o escritor, que prefere ser conhecido como colhereiro, usa a obra como uma espécie de divã, ressaltando que cada peça que confecciona é única e seu formato resulta da sucessão de golpes e das restrições e especificidades de cada pedaço do vegetal.

Além disso, a obra mostra o fascínio que as colheres exercem em seus admiradores (ele garante que não as vende, somente as presenteia), além de ressaltar as experiências de expor o utensílio em cidades brasileiras e em países como Suíça, Áustria e Alemanha, incluindo o fato de ter ministrado oficinas e palestras sobre o prazer de produzir arte com as mãos. 

Em bate-papo com "HZ", Alvaro Abreu, sobrinho de Rubem Braga, confidenciou como nasceu a ideia do livro. "Surgiu do desejo de fazer um ensaio fotográfico sobre as fibras do bambu, durante a pandemia. Foram elas que me encantaram, lá nos idos de 1995, e me instigaram a sair cortando bambu com minha foicinha paraibana, num período de muitas reflexões sobre a vida", suspira, complementando sua ideia inicial.

"Ao tentar escrever sobre as fibras (do bambu), as lembranças que me vieram à mente foram se desdobrando e fui incluindo o que havia passado pela minha cabeça de pós-infartado, aos 46 anos. O texto foi crescendo, a ponto de virar o rascunho do primeiro capítulo do livro. Algumas das fotos estão no capítulo sobre bambu. O ensaio ficou pra depois", relembra.

Impossível conversar com Abreu e não querer saber de onde vem os bambus para confeccionar as colheres. "Eles são parte muito relevante da brincadeira. Tenho por princípio o dever de usar todo e qualquer pedaço que me chegue às mãos. Não escolho e nem faço qualquer restrição ao que vou cortar. No começo, recolhia os que encontrava em sítios de amigos e por onde passava. Depois, comecei a ganhar de presente, de pessoas que se lembravam de mim diante de uma touceira. Confesso que já andei cortando bambus de jardins de museus e afins", afirma, sem cerimônia.

INSPIRAÇÃO E FORMA

E a prosa foi se estendendo (só faltou a xícara de café), com Abreu revelando que não gosta de pensar que o trabalho de fabricar colheres seja movido por inspiração. "Nunca idealizo ou desenho o que vou fazer. Jamais fiz sequer um croqui. Não persigo formas idealizadas e nunca sei (nem me interessa saber) onde vou chegar. A forma final é a que resulta dos meus erros e acertos ao retirar partes cada vez menores do bambu. Trabalhando dessa forma, me livrei das preocupações, das pretensões, das incertezas, das decepções e tudo mais que pode acontecer com quem define previamente aonde quer chegar", detalha.

Questionamos se o artesão recebe muitos pedidos de (ávidos) colecionadores ou mesmo se gosta de presentear pessoas com suas obras de arte. "Adoro que me peçam! Entendo como uma demonstração de carinho, uma declaração de que quem pede também gosta de colher. A cobrança, a reclamação e o tamanho da fila são motivos de muita satisfação", aponta, para, depois de pensar, seguir sua linha de raciocínio.

Alvaro já expos suas colheres em vários países da Europa. Na foto, uma exposição na Alemanha, em 2002
Alvaro já expos suas colheres em vários países da Europa. Na foto, uma exposição na Alemanha, em 2002 Crédito: bambuzau.com.br

"Entendi que faço dois tipos de colheres: as para alguém e as pra ninguém. Prefiro fazer para alguém, porque é uma ótima oportunidade de ficar pensando na pessoa enquanto durar o serviço. As feitas pra ninguém, estão todas aqui em casa, à espera de um bom destino. Que me lembre, nunca dei uma delas para alguém", detalha, dizendo que lugar de colher é na cozinha, ao lado de panelas e travessas.

"Acho graça quando alguém usa as colheres que ganhou como peça de decoração, mesmo sabendo que muitas delas têm aspecto 'simpático'. Levamos umas 30 das que usamos aqui em casa para mostrar no lançamento do livro em Cachoeiro (que aconteceu no dia 10 de outubro), todas apresentando as marcas do uso e do tempo. Carol (esposa de Álvaro) fez um arranjo muito simpático com elas".

"TERROR"

Ah, as brocas! O terror de qualquer artesão de objetos de madeira também "atormenta" a vida de Alvaro. "Devo ter perdido umas 800 a mil colheres para as brocas, que adoram comer a parte branca do bambu, que é mais macia. Por princípio, não uso qualquer tipo de defensivo ou veneno para proteger as peças. Pode parecer um despropósito, mas não tomo qualquer providência para conter as brocas nas peças que tenha feito, a não ser utilizar bambus cortados em época adequada. É um desapego convicto".

Perguntamos como a paixão por confeccionar colheres influencia em outra paixão do cachoeirense, a literatura e a escrita. Seriam artes que se comunicam? "Gosto de escrever pra saber o que estou pensando ou sentindo. É prática que adoto desde a juventude, como um exercício. Fazer colher é momento pra pensar na vida ou em uma pessoa", enfatiza.

"Os métodos são bem similares, aplicáveis a qualquer tipo de atividade produtiva. Fazer bem feito resulta da atitude de tentar identificar os defeitos para tentar acabar com eles. É como uma espécie de brincadeira de pique-esconde, ou seja, descobrir onde está um dos moleques sem que ele consiga chegar ao poste antes de você. Os defeitos vão diminuindo de expressão e há que encontrá-los antes que se tornem públicos e prejudiquem sua 'fama'. Uma vírgula fora do lugar pode prejudicar o entendimento do texto", responde, em forma de metáfora.

Alvaro Abreu durante a confecção artesanal de suas colheres de bambu
Alvaro Abreu durante a confecção artesanal de suas colheres de bambu Crédito: bambuzau.com.br

Como é fazer um trabalho manual, de arte e sensibilidade apurada, em um mundo (ou seria uma indústria?) cada vez mais automatizada, perdido na frieza da praticidade moderna? Seria um ato de resistência? Álvaro responde sem pestanejar.

"Ao escrever o livro pensei muito a esse respeito, tanto que, mais do que falar em colheres, preferi escrever sobre bambu, ferramentas manuais, métodos e processos de trabalho, a casa como um lugar de trabalho, divulgação, exposições e assim por diante. Mais do que tudo, ao escrever, ficou claro que o trabalho pode e deve ser uma atividade prazerosa, fonte de boas emoções e de realização pessoal", dialoga, sem perder o fôlego.

"O homem é um ser dotado de enorme capacidade de produzir. Fazer com as mãos demanda alguma habilidade e, sobretudo, determinação em querer aprender e disposição para experimentar. Confesso que tenho alguma expectativa de que o livro possa comprovar que fazer com as mãos é muito bom e que fazer bem feito é possível e mais do que tudo, compensa", complementa.

Ah, sim! Depois de tanta prosa, quase íamos esquecendo... Após o lançamento de Cachoeiro de Itapemirim, "Viva a Produção Prazerosa - Histórias das Colheres de Bambu" também foi apresentado em São Paulo, no dia 15 de outubro. No calendário, ainda há lançamentos em Vitória (nesta quarta, dia 26), no Rio de Janeiro, Brasília e Pirenópolis (GO), em datas ainda a serem definidas. Que venham mais lugares...

"VIVA A PRODUÇÃO PRAZEROSA - HISTÓRIAS DAS COLHERES DE BAMBU"

  • O QUE É: Livro de Alvaro Abreu sobre sua produção de colheres de bambu
  • ONDE COMPRAR: São 264 páginas, com preço de capa custando R$ 95. Vendas on-line com frete grátis até 26 de outubro pela internet 
  • LANÇAMENTO EM VITÓRIA: A obra tem lançamento em Vitória previsto para 26 de outubro, a partir das 17h, no Kiosque do Alemão, Curva da Jurema  

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