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"Ficou 10 anos sem se comunicar", diz mãe após morte do cantor Alexandre Lima

Vera Lima conta como tem sido a vida nesses primeiros dias sem o filho, que faleceu em março. Ela ainda disse que nunca foi uma mãe rígida e que após anos voltou a molhar os pés no mar de Vitória

Publicado em 12 de abril de 2024 às 16:54

Vera Lima, artesã, mãe do músico Alexandre Lima
Vera Lima, mãe de Alexandre Lima: "Acho que ele foi embora de um jeito tão bonito" Crédito: Vitor Jubini

Vera Lima abre a porta do apartamento sorrindo. São 14h30 de uma quinta-feira, sete dias após o filho Alexandre Lima falecer. O músico do grupo Manimal, morreu na madrugada de 28 de março, aos 54 anos. O artista estava em coma desde 2013, quando teve um aneurisma da aorta, uma das mais importantes artérias do corpo. "Eu ainda penso muito nele", conta.

Alexandre passou os últimos nove dias de vida no hospital. E Vera, na última década, fez rifas, camisetas, latinhas e shows para arcar com o tratamento do filho. "Eu me sinto muito amada pelas pessoas, e isso emana uma energia muito grande para seguir em frente. Isso que me movia para fazer as coisas. Eu jamais vou esquecer, é uma fase da minha vida que não tem como passar uma esponja. Durante todos esses anos o povo capixaba deu um banho de solidariedade e simpatia", conta. Agora, ela volta a viver. E após alguns anos, pôde novamente molhar os pés no mar de Vitória. 

Usando um vestido colorido, brincos laranja e um colar, ela recebeu HZ. A dentista e artesã dá uma longa entrevista desde o falecimento do filho mais velho. Ela se ajeita na poltrona da sala, decorada com mesa de madeira, plantas e um enorme quadro com a pintura de São Jorge, que ela deu de presente para o filho quando foi nomeado Secretário de Cultura de Vitória. "Ele gostou tanto, que não tive coragem de dar. Essa lembrança quero para mim". 

Ainda bastante emotiva, mas se permitindo sorrir em alguns momentos, ela falou. Durante quase uma hora conversamos a respeito de vida, da sua maior perda pessoal, futuro e, claro, lembranças. Confira os melhores momentos. 

Você perdeu um filho há menos de um mês. Como tem sido esses primeiros dias?

Eu sinto saudade, mas em momento nenhum me desesperei. Eu não penso: "Alexandre morreu". Ele descansou, e fiquei feliz que tenha conseguido se livrar desse corpo. Imagina ficar 10 anos sem poder se comunicar e se relacionar com ninguém. E as pessoas fazendo uma coisa ou outra por você, sendo que talvez você nem quisesse. Ele cumpriu tudo que tinha para cumprir e se libertou.

Você tem pensado muito nele?

Eu penso muito nele. É realmente um buraco que ficou, e acho que por enquanto ele anda por aqui. Eu acredito nisso.

Houve uma comoção no velório. Muitos amigos, fãs e colegas da música estiveram presentes. Vocês esperavam isso?

Esperava porque eu vejo pelas nossas campanhas que encabecei. Era uma coisa impressionante a solidariedade das pessoas. Elas não só compravam as coisas, elas sempre mandavam um recado com palavras lindas para mim. Pessoas que eu nunca vi, que não são do meu círculo de relacionamento. Pessoas que gostavam dele. Durante todos esses anos o povo capixaba deu um banho de solidariedade e simpatia.

Em dezembro de 2013, Alexandre passou por cirurgia para tratar um aneurisma na aorta e entrou em coma. Como foi aquele dia?

Ele estava no Centro de Terapia Intensivo (CTI), depois da cirurgia, e seria extubado e tirar totalmente a sedação no dia seguinte. Às 16h era a visita, eu e a Kátia, que na época era a namorada dele, fomos no hospital e conversamos com ele. Alex estava ouvindo, entendendo tudo, a gente segurava na mão e ele respondia às coisas apertando a mão. Na saída encontramos o médico que ia fazer o plantão naquela noite, que disse: "Podem ir embora que hoje ele está comigo". Durante a madrugada ele se extubou e não conseguiram intubar novamente. E ele ficou mais de uma hora sem oxigênio e o hospital não nos avisou.

Quem era a Vera antes daquele ano de 2013?

Sempre fui essa mãe amorosa. Meus filhos saíram de casa muito cedo. Os meninos vinham aqui casa, eu ia à casa deles, mas eu não era tão família como eu sou hoje. Eu abdiquei de tudo e o meu motivo era ver se a pessoa tava bem. E quando vi já tinha passado esses 10 anos.

Em uma entrevista para A Gazeta, em 2016, você disse que não estava sendo fácil conviver dia a dia com o seu filho, um homem lindo, talentoso, amoroso e pai de três meninas maravilhosas, inerte em uma cama e cada vez mais frágil. Qual foi o pior momento desses últimos 10 anos?

Foi quando eu tive a notícia da irreversibilidade do coma, foi muito difícil. Logo no início, na internação, ele teve uma pneumonia e descobriram uma mancha atrás do rim que era difícil de ver por imagem e eu fiquei assustada. Eu sempre achava que ia acontecer alguma coisa, passava meses assim, mas não falava nada com ninguém. E no último ano, quando ele foi para a clínica, também foi difícil porque estava acostumado a ficar com ele durante nove anos de mãos dadas. Ver o apartamento que morávamos ir desmanchando e tirando tudo, foi duro para mim.

Por que depois de 9 anos vocês optaram por levá-lo para uma clínica?

Foi por falta de dinheiro, era perto de 20 mil reais que gastávamos mensalmente. Porque para manter uma casa como a do Alexandre era muito caro. A gente pagava condomínio, quatro cuidadores com carteira assinada, fisioterapeuta, fonoaudiólogo e a manutenção do apartamento. Chegamos a vender dois apartamentos para custear o tratamento.

Alexandre Lima por Arquivo AG

Cada um resolve a morte de uma maneira muito particular, não?

Para mim eu tenho uma sensação de alívio e de dever cumprido, de saber assim que o que eu queria para Alexandre era que ele ficasse confortável e não sofresse. Ultimamente eu ficava pensando por que uma pessoa tem que bater o coração e não fazer nada, ficar com aquele corpo inerte. Com o cabeção do jeito que ele era, que fervilhava de ideias e ficar preso assim, parecia que ele tava trancado no corpo. Acho que ele foi embora de um jeito tão bonito.

Mas como mãe você sofreu...

Eu sofria pelo sofrimento dele, mas depois que ele conseguiu fazer a passagem, eu fiquei aliviada. Eu me preparei para isso e eu pedi muito misericórdia de Deus para ele. Ele cumpriu a missão e merecia transcender.

É possível ser realmente feliz depois da perda do tamanho da que você enfrenta?

Acho que sim. Só de saber que o meu filho é tão amado, eu acho que ele vai fazer um caminho de luz e evoluir bastante como espírito. E que vai nos ajudar como humanos.

E como era a sua relação com Alexandre?

Na minha casa você vê que ninguém me trata de rígida. Sempre tivemos uma relação aberta e franca. Nunca tolimos nenhum deles. 

Você costumava ir aos shows dele?

No início a gente tinha um ônibus que íamos onde eles se apresentavam. Eu parei de ir aos shows deles, quando começaram a ser muitos numa única semana e eu tinha que trabalhar. Eles ensaiavam dentro da minha casa. A gente sempre deu força e eu fazia figurinos para ele no início da carreira. 

Como estão os outros filhos, Gabi King e Amaro Lima?

Gabi eu achei um pouco tensa, de todos a que mais deu uma baqueada foi ela. Porque Gabriela ficou cinco anos fora, ela chegou em dezembro, então viveu esse restinho com o Alexandre. E ela era muito colada com ele, viveram tudo juntos. Eles aprontavam muito juntos. Acho que ela esperava que ele fosse viver mais, porém entendeu que ele tinha que fazer a passagem.

Amaro é aquela coisa maravilhosa, ele deve ter sentido muito, porque o irmão que ensinou tudo para ele. Eles tinham projeto de voltar juntos. Mas Amaro é bem espiritualizado e é nesse momento que a gente acha forças para continuar.

Qual música você sempre vai lembrar quando pensar nele?

Ah, vai ser "Barco do Amor". Eu também gosto muito de um poema "Acima dos computadores", mas o "Barco do Amor" é o que ficou sinônimo dele. Meu filho deixa um legado de amor, paz e união de tribos. 

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