Administrador / [email protected]
Publicado em 8 de março de 2022 às 10:52
Antes de começar a contar a história do grupo de congo formado apenas por mulheres na Barra do Jucu, é preciso conhecer uma figura muito importante nessa trajetória: Beatriz Rego, a única mulher regente de uma banda de congo do Espírito Santo. E no Dia Internacional da Mulher, olhar para as personalidades femininas à frente de movimentos revolucionários é fundamental.
Beatriz é uma mulher ousada. Aos 54 anos de idade, sempre se envolveu com o congo na parte instrumental. Cabe ressaltar que, geralmente o papel feminino nas bandas de congo é mais ligado à dança ou carregando bandeiras. Inspirada pelo pai, que já pertencia ao movimento, e também pelo grande mestre Honório, começou a tocar tambor e casaca em 1988 na banda.
“A função da mulher em outras bandas é cantar, dançar e carregar bandeira. Na Mestre Honório não é assim, sempre deram oportunidade para as mulheres. Eu tinha 19 anos quando eu entrei na banda de congo”, conta Beatriz sobre o início de sua jornada.
Ainda como integrante da banda, Beatriz diz que Mestre Honório sonhava em formar um grupo de congo formado apenas por mulheres. Mas infelizmente, não chegou a presenciar esse momento. Em 1993, Honório faleceu e a banda de congo ficou sem regente por dez anos até que a própria Beatriz tomou a frente da função, e seu pai, aos 88, assumiu a posição de mestre.
“A banda de congo feminina é um sonho muito antigo do nosso mestre Honório, isso porque as mulheres que participam do grupo tocam instrumentos. É a única banda do Espírito Santo que as mulheres tocam tambor e casaca. Isso alimentou o sonho de formar um grupo de mulheres depois do falecimento dele em 1993”, revela Beatriz.
Seja como a realização de um sonho ou um ato de coragem, no ano passado, a regente inscreveu dois projetos em editais de incentivo à cultura da Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult). Ambos foram escolhidos e colocados em prática, o primeiro foi uma oficina de congo para ensinar os jongos e os instrumentos para mulheres, e, recentemente, o projeto “Madalenas do Jucu”, um grupo de congo feminino. Beatriz revela que as pessoas não depositaram muita confiança em seu sonho logo de cara.
“As pessoas não acreditaram no nosso projeto, ninguém achava que ia vingar. Mas deu tão certo que tive que fazer duas turmas de 25 pessoas. É claro que não tem como colocar em prática se não tiver ajuda dos órgãos públicos, precisamos de instrumentos, vestimentas e outras coisas. Mas durante a pandemia, os nossos projetos passaram nos editais em primeiro lugar. Então, eu preparei essas mulheres em uma oficina de tambor e casaca e depois coloquei elas no ‘Madalenas’”, ressalta a regente, dizendo que não pensava que a procura seria tão alta.
Beatriz frisa que a oficina foi um passo importante para a segunda etapa, que é o grupo “Madalenas do Jucu”. Para ela, era preciso treinar bastante antes de começar os ensaios.
“Estamos com trinta mulheres. Quando tudo estiver mais sólido, vamos abrir mais vagas no grupo. A etapa da oficina foi fundamental, elas estão mais confiantes com seus instrumentos. O mais legal é que são mulheres de todas as idades e de vários lugares do Estado”, afirma Rego.
São mulheres com idades entre 20 a 75 anos tocando juntas no “Madalenas do Jucu”. Dentre elas, a história da dona Mira Carvalho, portadora de Parkinson. Segundo a aluna, a oficina de Beatriz proporcionou uma descoberta maior do que a habilidade para tocar um instrumento. Ela percebeu que os tremores causados pela doença desapareciam quando manuseava o tambor.
“A maioria das pessoas no grupo sabe que eu sou portadora de Parkinson. E a doença vem acompanhada por muitos tremores e enrijecimento da musculatura. Descobri que, enquanto eu tocava tambor na oficina, as minhas mãos não tremiam. Eu achei que seria muito difícil para mim, porque os tremores me incomodam muito. Mas, durante a oficina, as minhas mãos pararam de tremer, veio como uma forma terapêutica”, contou Mira em um depoimento no vídeo de encerramento do projeto.
O “Madalenas do Jucu” é um grupo com as características de uma banda de congo tradicional, mas que se adapta com a contemporaneidade. Além dos jongos populares, outras músicas da MPB serão tocadas em ritmo de congo. Segundo Beatriz, o objetivo não é ficar engessado apenas nas canções próprias do congo, mas ampliar esse universo. Inclusive, até canção autoral o grupo já tem.
“A base de tudo é em ritmo de congo. Vamos cantar Música Popular Brasileira também. Vai ter Caetano, Alceu Valença, Chico Buarque, tudo no congo. Além, é claro, dos nossos jongos tradicionais. Falando nisso, já temos 3 músicas autorais. Uma aluna também já compôs uma música sobre quem seria a verdadeira ‘Madalena’ das histórias, ficou ótimo”, diz a regente.
Para os cristãos, o período da Quaresma se inicia logo após o Carnaval. E pelo fato do congo ter uma ligação religiosa, os tambores se calam nesse período.
“Nosso padroeiro é São Benedito, como a maioria dos grupos. A gente presta essa homenagem e os tambores se calam nesse período como forma de jejum. Nós voltamos a tocar somente no sábado de aleluia. Nesse tempo, o projeto não para. Nós ensaiamos os cantos, fazemos pinturas dos tambores e também montamos o nosso vestuário”, frisa Beatriz.
E é com muita tradição que essa cultura vai atravessando gerações. O que passou de pai para filha, agora está indo de mãe para filha. Beatriz ainda revela que está cumprindo seu papel de passar adiante os ensinamentos do congo. E ainda contou uma vontade especial que deseja para sua filha.
“Eu já estou colocando minha filha para tocar, dando instruções na caixa. Quem toca essa caixa, tem que saber tocar os outros instrumentos, porque reúne os sons de todos os outros e conduz os outros. Eu desejo de coração que ela continue e seja a próxima regente”, finaliza Beatriz.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta