Administrador / [email protected]
Publicado em 11 de maio de 2024 às 12:00
Maternidade. Do latim medieval, “maternitas,- atis” significa qualidade de ser mãe. E o que é ser mãe? Adianto que essa é uma resposta simples. Poderia eu, caro leitor, tentar explicar o significado, mas não cabe ao meu ofício. Por isso, abrirei espaço para uma mãe contar sua história: Nataly Kuplich, mãe, performer e travesti capixaba.
Mas antes, vou contextualizar. Novembro de 2016, data de nascimento do Cairé. Esse foi o ano em que a vida da Nat mudou completamente, e não por ter que assumir um papel de responsável, mas por - ainda - não ter dimensão dos próximos capítulos.
“A maternidade surge junto com o meu processo todo de transição de gênero. As duas coisas aconteceram simultaneamente”
“O Cairé surge quando eu estava na faculdade em um relacionamento com a mãe dele. Foi acidental, não foi nada planejado. Eu tinha 18 anos e ela 17 para 18. Naquela época eu ainda não compreendia isso tudo da forma que eu entendo hoje. O que eu fiz foi vestir o que seria a figura de pai. A pessoa que provém. Acho até que isso foi o estopim para a minha transição de gênero”.
“Larguei a universidade, saí de casa, então não tinha lugar para ficar e sem dinheiro. A nossa realidade é sempre contar com a família. A mãe dela sempre foi muito presente, é professora de artes. Durante o ano da gravidez, foi muito perrengue. Quando o Cairé veio mesmo e todo mundo segurou no colo, teve aquela conexão. Ajudou a trazer de volta a conexão da família”.
“Como isso vai ser para ele? Qual vai ser a influência disso para ele? Você está pensando nele?”
“Quando eu me fortaleci e falei: ‘Eu sou uma travesti’, comecei a me sentir segura de trazer isso para ele e para todo mundo. Eu fiz questão de mostrar desenhos, livros de autoras, autores que tratam essa questão do LGBTQIAP+, as diferentes formas de família”.
“Pelo fato de trabalho e horários, ele não mora comigo. Ele mora com ela, mas todos os finais de semana eu fico com ele. Mas durante a semana eu faço questão de estar lá, dormir lá às vezes, fazer uma noite de filme. Eu faço questão de estar presente, de buscar ele na escola, dos amigos dele me verem. E a escola percebe quem é a família dele”.
“Quando o Cairé chegou na escola e começou a vivenciar com meus amigos dele, ele percebeu que a maioria dos amigos não tinha pai. A realidade da periferia também não é essa realidade de família feliz pai, mãe, irmão e irmã”.
“Por exemplo, o Cairé durante um ano e pouco me chamava de pai. Ele ficou me chamando de pai por um bom tempo. Quando eu entendi que eu era um corpo feminino, entendi que não era uma mulher trans, foi quando nós (eu e a outra mãe) começamos a fazer esse trabalho de fazer essa troca. Explicava que agora era mãe por causa disso e aquilo”
“No início ele me chamava de Nat. Eu falava: ‘não precisa chamar de pai’. Ficava me chamando de Nat, até que depois foi assumindo que tinha duas mães”.
“Ele não compreende o porquê de tanta violência. Por mais que a gente tente explicar que é uma questão que muitas pessoas ainda não compreendem, que têm muito preconceito. Desde um assédio dentro do ônibus até alguém parando na rua querendo me agredir. Tudo isso já teve com ele junto comigo, entendeu?”.
“Então, eu me imponho mesmo. Eu sou assim sim, estou com o meu filho e você vai me respeitar”.
“Eu faço parte da cultura ballroom, que foi criada por travestis pretas. Eu danço e faço performance de ‘Vogue’, da Madonna, além de outras categorias que eu também estou me aventurando. De vez em quando eu faço Runaway, que é um desfile”.
“Meu filho conhece a ballroom. Faz um tempo que eu estou levando ele para os treinos, para as rodas de conversa. Claro que tem muitos assuntos que ele ‘cata’ um pouquinho, mas aí ele vai brincar porque ficou profundo mesmo. Ele já participou, já entrou comigo na ‘ball’, se apresentou comigo”.
“Ele está entendendo uma potência dele aos poucos também. Ele pensa: ‘aqui eu posso me jogar e dançar no meio de todo mundo? E todo mundo vai me aplaudir?’. Sim. E saí ele vai, se joga, curte”.
“Para mim, amor de mãe é sobre dar o seu melhor. É sobre estar presente nos momentos mais difíceis e nos momentos mais felizes. É criar memórias. Esse amor vem de várias formas diferentes, desde quando a gente acorda e fica abraçado se olhando. Só entendo o rosto, as feições, as mudanças. E até o momento que a gente sai para brincar, se divertir”
“É isso que eu acho que as pessoas querem de mim. Que eu me esconda, que eu tenha medo, que não saia com meu filho de mão dada na rua. De que o meu filho não tem uma família, entendeu?. Eu posso ter ansiedade, mas medo não”.
“Cairé, eu queria te falar que eu te amo muito. Eu acho que você sabe porque eu repito muito, várias vezes ao dia. Eu sempre vou estar lá, sempre vou estar presente. Tenho um orgulho imenso de ter você como meu filho. E mais orgulho ainda de ver você crescer, de ter você presente na minha vida. Nunca quero perder essa conexão que a gente tem. Vou lutar sempre para a gente sempre fortalecer ela. Quero estar construindo memórias e momentos com você. Te amo”.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta