Mãe, performer e travesti: a maternidade para além da gestação

Performer da Ballroom, Nataly Kuplich é mãe de Cairé. Conheça a história de uma mãe que lida com o preconceito e a rotina de um filho pequeno

Nataly Kuplich: Mãe travesti capixaba revela as dores e descobertas da maternidade

Nataly Kuplich. Crédito: Fernando Madeira/Acervo pessoal

Maternidade. Do latim medieval, “maternitas,- atis” significa qualidade de ser mãe. E o que é ser mãe? Adianto que essa é uma resposta simples. Poderia eu, caro leitor, tentar explicar o significado, mas não cabe ao meu ofício. Por isso, abrirei espaço para uma mãe contar sua história: Nataly Kuplich, mãe, performer e travesti capixaba.

Mas antes, vou contextualizar. Novembro de 2016, data de nascimento do Cairé. Esse foi o ano em que a vida da Nat mudou completamente, e não por ter que assumir um papel de responsável, mas por - ainda - não ter dimensão dos próximos capítulos.

“A maternidade surge junto com o meu processo todo de transição de gênero. As duas coisas aconteceram simultaneamente”

NASCIMENTO DO CAIRÉ

Nataly é mãe do pequeno Cairé, de 7 anos

Nataly é mãe do pequeno Cairé, de 7 anos. Crédito: Arquivo pessoal

“O Cairé surge quando eu estava na faculdade em um relacionamento com a mãe dele. Foi acidental, não foi nada planejado. Eu tinha 18 anos e ela 17 para 18. Naquela época eu ainda não compreendia isso tudo da forma que eu entendo hoje. O que eu fiz foi vestir o que seria a figura de pai. A pessoa que provém. Acho até que isso foi o estopim para a minha transição de gênero”.

“Larguei a universidade, saí de casa, então não tinha lugar para ficar e sem dinheiro. A nossa realidade é sempre contar com a família. A mãe dela sempre foi muito presente, é professora de artes. Durante o ano da gravidez, foi muito perrengue. Quando o Cairé veio mesmo e todo mundo segurou no colo, teve aquela conexão. Ajudou a trazer de volta a conexão da família”.

EU SOU UMA TRAVESTI

Nataly é performer da Ballroom

Nataly é performer da Ballroom. Crédito: Reprodução/Instagram

“Como isso vai ser para ele? Qual vai ser a influência disso para ele? Você está pensando nele?”

“Quando eu me fortaleci e falei: ‘Eu sou uma travesti’, comecei a me sentir segura de trazer isso para ele e para todo mundo. Eu fiz questão de mostrar desenhos, livros de autoras, autores que tratam essa questão do LGBTQIAP+, as diferentes formas de família”.

ROTINA

Nataly é mãe do pequeno Cairé, de 7 anos

Nataly é mãe do pequeno Cairé, de 7 anos. Crédito: Arquivo pessoal

“Pelo fato de trabalho e horários, ele não mora comigo. Ele mora com ela, mas todos os finais de semana eu fico com ele. Mas durante a semana eu faço questão de estar lá, dormir lá às vezes, fazer uma noite de filme. Eu faço questão de estar presente, de buscar ele na escola, dos amigos dele me verem. E a escola percebe quem é a família dele”.

“Quando o Cairé chegou na escola e começou a vivenciar com meus amigos dele, ele percebeu que a maioria dos amigos não tinha pai. A realidade da periferia também não é essa realidade de família feliz pai, mãe, irmão e irmã”.

COM O PASSAR DO TEMPO

Cairé é filho da Nataly

Cairé é filho da Nataly. Crédito: Arquivo pessoal

“Por exemplo, o Cairé durante um ano e pouco me chamava de pai. Ele ficou me chamando de pai por um bom tempo. Quando eu entendi que eu era um corpo feminino, entendi que não era uma mulher trans, foi quando nós (eu e a outra mãe) começamos a fazer esse trabalho de fazer essa troca. Explicava que agora era mãe por causa disso e aquilo”

“No início ele me chamava de Nat. Eu falava: ‘não precisa chamar de pai’. Ficava me chamando de Nat, até que depois foi assumindo que tinha duas mães”.

VIOLÊNCIA

Nataly é mãe do pequeno Cairé, de 7 anos

Nataly é mãe do pequeno Cairé, de 7 anos. Crédito: Fernando Madeira

“Ele não compreende o porquê de tanta violência. Por mais que a gente tente explicar que é uma questão que muitas pessoas ainda não compreendem, que têm muito preconceito. Desde um assédio dentro do ônibus até alguém parando na rua querendo me agredir. Tudo isso já teve com ele junto comigo, entendeu?”.

“Então, eu me imponho mesmo. Eu sou assim sim, estou com o meu filho e você vai me respeitar”.

CULTURA BALLROOM

Nat e Cairé no Ballroom

Nat e Cairé no Ballroom. Crédito: Espírito Kunty

“Eu faço parte da cultura ballroom, que foi criada por travestis pretas. Eu danço e faço performance de ‘Vogue’, da Madonna, além de outras categorias que eu também estou me aventurando. De vez em quando eu faço Runaway, que é um desfile”.

“Meu filho conhece a ballroom. Faz um tempo que eu estou levando ele para os treinos, para as rodas de conversa. Claro que tem muitos assuntos que ele ‘cata’ um pouquinho, mas aí ele vai brincar porque ficou profundo mesmo. Ele já participou, já entrou comigo na ‘ball’, se apresentou comigo”.

“Ele está entendendo uma potência dele aos poucos também. Ele pensa: ‘aqui eu posso me jogar e dançar no meio de todo mundo? E todo mundo vai me aplaudir?’. Sim. E saí ele vai, se joga, curte”.

AMOR DE MÃE É CRIAR MEMÓRIAS

Nataly é mãe do pequeno Cairé, de 7 anos

Nataly é mãe do pequeno Cairé, de 7 anos. Crédito: Arquivo pessoal

“Para mim, amor de mãe é sobre dar o seu melhor. É sobre estar presente nos momentos mais difíceis e nos momentos mais felizes. É criar memórias. Esse amor vem de várias formas diferentes, desde quando a gente acorda e fica abraçado se olhando. Só entendo o rosto, as feições, as mudanças. E até o momento que a gente sai para brincar, se divertir”

É POR VOCÊ, CAIRÉ

Cairé, de 7 anos, é filho da Nataly

Cairé, de 7 anos, é filho da Nataly. Crédito: Arquivo pessoal

“É isso que eu acho que as pessoas querem de mim. Que eu me esconda, que eu tenha medo, que não saia com meu filho de mão dada na rua. De que o meu filho não tem uma família, entendeu?. Eu posso ter ansiedade, mas medo não”.

“Cairé, eu queria te falar que eu te amo muito. Eu acho que você sabe porque eu repito muito, várias vezes ao dia. Eu sempre vou estar lá, sempre vou estar presente. Tenho um orgulho imenso de ter você como meu filho. E mais orgulho ainda de ver você crescer, de ter você presente na minha vida. Nunca quero perder essa conexão que a gente tem. Vou lutar sempre para a gente sempre fortalecer ela. Quero estar construindo memórias e momentos com você. Te amo”.

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