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Publicado em 9 de outubro de 2023 às 11:30
Como diz o paraense, o Círio de Nazaré - cuja principal procissão aconteceu neste domingo (8) levando mais de 2 milhões de pessoas às ruas de Belém - é uma manifestação que não se descreve, se vive. HZ foi convidado para conferir de pertinho uma das maiores festas católicas e (por que não?) multiculturais da América Latina. No caminho, encontrou com moradores do Espírito Santo que vieram participar dos festejos, que seguem até 21 de outubro com 14 marchas religiosas, em especial a Romaria de Encerramento programada para sair no último dia da Basílica de Nazaré. Ainda tem muita festa vindo por aí!
O Círio, celebrado há cerca de 230 anos, é muito mais que um momento religioso. É manifestação cultural, social e antropológica, uma espécie de formação (ou mesmo confirmação) da identidade do povo do Pará. É emocionante ver milhões de pessoas nas ruas, alguns ajoelhados, percorrendo um trajeto de quase 4km para agradecer milagres recebidos - ou mesmo pedi-los -, sempre acompanhados por voluntários dispostos a ajudá-los, praticando a caridade sem querer nada em troca. Pelo simples ato de fé cristã.
Mas o festejo é bem mais que isso. Também é manifestação cultural, especialmente com o Arrastão do Pavulagem (um bloco que desfila ao som de todos os ritmos, especialmente o carimbó), a Festa da Chiquita, tradicional evento LGBTQIAP+ que acontece aos sábados de celebração, logo após a passagem da Santa pelas ruas de Belém, ou mesmo a Feira de Miriti, com brinquedos que fazem parte do imaginário da cultura amazônica. A matéria-prima é conhecida como "isopor natural" e, principalmente no Círio, ganha a forma de passarinhos, cobras, peixes e barcos da região.
Não à toa, o Círio está registrado desde 2004 como Patrimônio Cultural de Natureza Imaterial, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), e foi reconhecido mundialmente em 2013 como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
O Círio de Nazaré é considerado o Natal do paraense. Pessoas que moram fora, nasceram no estado ou mesmo são encantados por sua cultura, retornam nessa época do ano para rever familiares, amigos e compartilhar a ceia.
Um dos pratos que não podem falar no cardápio é maniçoba, uma feijoada confeccionada com folhas venenosas da mandioca (a maniva) que precisam ser cozidas por sete dias. Outra iguaria sempre presente na confraternização é Pato no Tucupi. De gosto exótico, é popular por provocar uma espécie de dormências na língua e boca. A sensação é causada pelo uso da fruta jambu. HZ provou os dois orgulhos do Pará e amou a experiência.
Claro que paraenses morando no Espírito Santo também fizeram o processo de retorno. Marlea Luz, professora que vive na Serra há cerca de 25 anos - já podemos considerá-la capixaba - tem uma forte ligação com o Círio e retornou a Belém para acompanhar as procissões, especialmente as mais tradicionais, como o Círio e a Trasladação, onde Nossa Senhora de Nazaré circula pela capital antes de ficar exposta para visitação por alguns dias.
"Há uma devoção em todas as casas, sempre enfeitadas com imagens e flores. Participei há cerca de 30 anos, quando minha filha tinha uma doença que os médicos não descobriam qual era. Com apenas um ano, ela saiu vestida de anjo para agradecer a cura conseguida. Hoje, tem 32 anos e uma família", apontou Marlea, sem esconder a emoção.
"Volto pela primeira vez desde que me mudei para o Espírito Santo, desta vez para agradecer a recuperação da saúde de meu genro", enfatiza, dizendo que toda vez que vê a berlinda (local onde a Santa é colocada durante as procissões) chora de emoção. "É uma energia gigantesca. Só participando para saber".
Também paraense, mas morando em Vila Velha há cerca de 2 anos, o empresário Nilvado Silva retornou a Belém para conferir o Círio. Ele deve participar de vários eventos da festa até seu encerramento.
"Venho todo ano. O Círio é mais que uma celebração religiosa, pois tem muitas atividades culturais. Convido vários amigos de Vitória para vivenciar essa experiência. Me sinto na obrigação de ver a minha 'santinha' com a mesma fé que os capixabas têm pela Nossa Senhora da Penha", compara, revelando sua experiência de cura com "Nazinha", como a virgem é chamada carinhosamente por seus fiés.
"Aos 13 anos, descobri um tumor na perna esquerda. Quando fiquei curado, minha mãe me fez caminhar pela procissão segurando uma vela do meu tamanho. Confesso que não lembro bem a metragem, mas sei que tinha mais de um metro. Mesmo com a pouca idade, vivenciei momentos que marcaram para a vida toda", complementa, repetindo o "rosário" que todo devoto da santa já sabe de cor e não cansa de divulgar. "A base de tudo é a fé. É algo inexplicável". Nivaldo tem toda razão.
* O repórter viajou a convite do Instituto Cultural Vale, um dos patrocinadores do Círio de Nazaré
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