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Publicado em 9 de fevereiro de 2022 às 16:04
Na mesma semana em que foi indicado ao Oscar de Melhor Diretor por "Belfast", que também concorre a Melhor Filme, Kenneth Branagh chega aos cinemas brasileiros com "Morte no Nilo", rodado em 2019 e muito adiado devido à pandemia da Covid-19. O longa é a segunda adaptação do hiperativo cineasta britânico para um romance de Agatha Christie.
Branagh apresenta uma filmografia dominada por dramas e épicos, mas "Morte no Nilo" é entretenimento puro, como sua primeira adaptação da autora, "Assassinato no Expresso Oriente", de 2017. Seu projeto é levar ao cinema vários romances da grande drama da literatura de mistério, dependendo do desempenho nas bilheterias.
É difícil dizer qual dos dois filmes é o melhor. O diretor mantém total fidelidade aos romances e parece ter acertado ao escolher intrigas que tem como eixo principal a investigação cerebral do detetive belga Hercule Poirot.
Brannagh assume o papel desse que é o personagem mais recorrente nos romances da autora, aparecendo em mais de 20 títulos. Excêntrico, chato, cheio de manias e tiques, Poirot foi interpretado muitas vezes na tela, mas nunca teve antes um intérprete tão talentoso. E Brannagh parece estar se divertindo muito em cena.
O sucesso dos romances protagonizados por Poirot se deve muito a uma fórmula rígida que Agatha Christie construiu. Nas tramas, um assassinato acontece num lugar isolado, onde estão reunidas várias pessoas que tinham problemas não resolvidos com a vítima.
Poirot surge para investigar e trata de entrevistar todos os suspeitos. Nessas conversas, a escritora transfere de forma hábil e incessante a carga de maior suspeita para um ou para outro dos envolvidos, todos com razões de sobra para cometer o crime. No final, Poirot reúne todos e revela a identidade do criminoso, explicando minuciosamente os acontecimentos passados ali.
Para manter todos os suspeitos numa bolha, Agatha Christie sempre escolheu um cenário do qual eles não conseguem sair. Pode ser uma mansão isolada, um hotel no litoral, uma biblioteca trancada. Em "Assassinato no Expresso Oriente", tudo se passa dentro de um trem. Em "Morte no Nilo", a trama quase não ultrapassa os limites do navio Karnak, que, em 1937, é alugado no Egito pela milionária britânica Linnet Ridgeway para celebrar seu casamento.
Gal Gadot e Armie Hammer interpretam os recém-casados bonitões Linnet e Simon. No barco viaja um reduzido grupo de passageiros, que reúne parentes, amigos e empregados da milionária. O casal convida Poirot, que estava dando sopa no Egito, para contratar sua proteção.
Linnet espera alguma ação intempestiva e inesperada de Jacqueline de Bellefort, da qual roubou Simon praticamente às vésperas do casamento de sua agora ex-melhor amiga. Essa confusão pré-nupcial é explicada de maneira ágil na primeira parte do filme.
Nos últimos meses, Jacqueline persegue e ameaça Linnet e Simon diversas vezes e carrega uma arma na bolsa. Como a milionária esperava, a mulher rejeitada aparece e também é recebida no barco. Quando a morte chega, todos suspeitam dela, mas Poirot está ali justamente para expor muitas peças de um quebra-cabeça que vai durar até a conclusão do caso.
É curioso Branagh ter escolhido justamente esse romance para seu segundo filme baseado em Agatha Christie. "Morte no Nilo" tem algumas características que o diferem das tramas que costumam ser investigadas por Poirot.
Nos outros livros com o personagem, um crime é cometido e só depois Poirot entra em cena, passando a xeretar a vida de todo mundo que está por perto. Neste romance, o detetive já convive um bom tempo com outros personagens muito antes do assassinato, que demora metade do livro e do filme para acontecer.
É também uma história que mexe muito com memórias sentimentais do belga, enquanto quase todos os outros romances com ele se prendem só a seus traços caricaturais e sua inteligência magistral para decifrar os mistérios.
Branagh também expõe algumas mudanças em relação à primeira versão que fez de Poirot. Este agora está mais sanguíneo, colérico até, e chega a perseguir suspeitos e trocar tiros com eles, uma raridade em suas aventuras.
Provavelmente "Morte no Nilo" repetirá o sucesso de "Assassinato no Expresso Oriente". Para os espectadores, principalmente quem lê as obras da autora, é como um novo jogo. As pistas são espalhadas, e praticamente quem assiste se torna parceiro de Poirot na investigação.
O filme repete com acerto algumas características que devem marcar essas adaptações de Branagh. As imagens são belíssimas, mesmo que os cenários no Egito tenham sido obviamente melhorados por computador. Tudo é deslumbrante. O navio que abriga quase todo o enredo é charmoso, elegante, irresistível. E mais uma vez o diretor acerta no seu cast.
Ótimos atores britânicos tarimbados são a maioria no elenco, mas são ofuscados por duas atrizes que se entregam bastante a suas personagens.
Linnet é uma das mulheres mais ricas e cobiçadas do mundo, obrigatoriamente teria de ser alguém de uma beleza irresistível, sempre o centro das atenções. Uma missão para a Mulher-Maraviha. Gal Gadot não atua, ela desfila languidamente pelas cenas, se insinuando aos homens e magnetizando a plateia.
Emma Mackey, da série "Sex Education", é sua adversária como a invejosa e rancorosa Jaqueline, compondo uma vilã de muita força. Entre as duas, Armie Hammer só consegue deixar transparecer ser um galã canastrão.
Branagh ganha pontos ao dedicar muito carinho e atenção a todos os personagens, dando à plateia elementos para sustentar suas suspeitas. Consegue que espectadores que não tenham sequer aberto um livro de Agatha Christie possam se interessar pela história. "Morte no Nilo" é puro escapismo em duas horas de imagens belíssimas.
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