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Publicado em 1 de março de 2023 às 10:53
O escritor, filósofo e semiólogo italiano Umberto Eco (1932-2016) gostava de segurar na boca a tampa da caneta que estava usando. Era um tique que ajudava sua concentração. E foi assim, absorto, que esboçou desenhos dos personagens daquele que se tornaria seu grande sucesso, o romance O Nome da Rosa, publicado em 1980. E, apesar do legado inigualável em estudos da filosofia da arte, da comunicação e da literatura, foi com esse livro de ficção que Eco se tornou um best-seller mundial.
E é justamente O Nome da Rosa o título mais reluzente de uma caixa lançada nesta semana pela editora Record, que traz ainda O Pêndulo de Foucault (lançado em 1988) e O Cemitério de Praga (2010), todos com capa dura e texto revisado. A novidade, no entanto, é a coleção de caricaturas e mapas rascunhados por Eco quando preparava a escrita de O Nome da Rosa. "Os desenhos, ou esboços, atestam o minucioso trabalho preparatório antes da escrita do romance, iniciada em 1978 e cuja publicação só ocorreu em outubro de 1980", comenta o editor Mario Andreose, em conversa por Zoom com o Estadão.
Andreose trabalhou durante 35 anos ao lado de Eco, justamente seu período mais intensamente criativo. "Ele era um ótimo contador de histórias e de piadas e, ao mesmo tempo, quando iniciava um projeto, dedicava todo seu conhecimento para atingir o que considerava o melhor resultado."
De fato, na concepção do escritor italiano, um objeto artístico não é algo acabado, com uma interpretação única e fechada ditada pelo seu criador, mas um feixe que congrega diferentes estilos. Ou seja, a estética da pintura não é dissociada da do cinema, por exemplo, mas uma complementa a outra.
Assim, em O Nome da Rosa, Eco utiliza uma história de ficção para convergir várias áreas da cultura como a história, a filosofia, a estética medieval e a semiótica. O resultado é um thriller policial em que recria a atmosfera soturna e repressiva dos monastérios e os contrastes no interior da Igreja.
A ironia está no fato de Eco ter sido convidado por uma editora que desejava lançar livros policiais curtos, escritos por "não romancistas". Mas Eco entregou um romance de suspense de mais de 500 páginas e ambientado na Idade Média, cuja leitura densa, carregada de citações e datas, desafia ainda hoje o leitor comum.
"Atualmente, o livro já vendeu mais de 50 milhões de exemplares em todo o mundo desde seu lançamento", conta Andreose, que cita palavras do próprio Eco para justificar a importância dos desenhos: "Para narrar, é preciso, primeiro, construir um mundo mobiliado o máximo possível até os últimos detalhes - construído o mundo, as palavras virão quase sozinhas".
Assim, o leitor poderá descobrir, ao final desta edição de O Nome da Rosa, um material visual que mostra "a identidade e a fisionomia dos principais protagonistas, com típico traço veloz e arguto do autor, que justificará sua invenção para saber quais palavras colocar em suas bocas", observa Andreose.
Minucioso em sua pesquisa, Eco também rascunhou traçados e plantas de abadias, castelos, labirintos, além de oferecer um retrato da vida cotidiana do século 14, como as ferramentas utilizadas no trabalho agrícola, especialmente na produção do vinho e do azeite de oliva. "Sua atenção se volta ainda para cada detalhe arquitetônico, como o número de degraus de uma escada em espiral, para definir a duração do diálogo dos personagens que vão de um lugar a outro."
Andreose se lembra de como o livro demorou para fazer sucesso - muitos não acreditavam que o público se interessasse por uma leitura tão densa, apesar de magnificamente pensada. "Um editor francês se recusou a publicar o livro, justificando que Eco era um fantástico ensaísta e que não precisa apelar para a ficção. Acabamos lançando por outra editora. Quando O Nome da Rosa se tornou um best-seller, aquele mesmo editor francês nos pediu uma segunda chance lançando O Pêndulo de Foucault."
O sucesso de O Nome da Rosa pode ser explicado, segundo Andreose, pela fórmula de seu enredo. "Quando jovem, Eco se interessava por escritos antigos e por romances de mistério, especialmente os de Arthur Conan Doyle e seu personagem Sherlock Holmes - O Cão dos Baskervilles era um de seus preferidos. Assim, com tais ferramentas, ele conseguiu unir o erudito ao popular."
A versão para o cinema, dirigida por Jean-Jacques Annaud em 1986, também alcançou um enorme sucesso popular, o que fez o escritor recusar um pedido de Stanley Kubrick de filmar O Pêndulo de Foucault. "Eco não queria associar seu nome a blockbusters. Mas basta observar De Olhos Bem Fechados (1999), último longa de Kubrick, para notar elementos do livro de Eco: a sociedade secreta, pessoas com máscara - uma atmosfera idêntica à de Foucault.
*As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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