Quando foi convidado para viver Carlos Marighella na biografia do escritor e guerrilheiro que chega agora aos cinemas, Seu Jorge não hesitou. Ele não era exatamente um expert na trajetória do baiano, mas foi conquistado, logo de cara, por Wagner Moura, ator que ele havia visto nos palcos em 2000, na peça "A Máquina", e que admirava desde então. Saber que ele se aventuraria, agora, na direção, bastou para o músico dizer "sim" ao papel.
O longa estreia oficialmente na próxima quinta-feira (4), mas já pode ser curtido em pré-estreia em alguns cinemas do Estado nesta segunda (1). Confira os horários e salas na grade de "HZ".
Estreia de Moura na cadeira de diretor, "Marighella" acompanha os últimos anos do guerrilheiro comunista, quando fazia frente à ditadura militar. Procurado pelos agentes da repressão, ele manda o filho para Salvador, sua cidade natal, e continua a luta em São Paulo, ao lado de estudantes, operários, jornalistas, clérigos e toda sorte de gente que se opunha ao regime.
"Esse é um personagem irresistível. Protagonizar um homem desse era um desafio do qual não tinha como correr", diz Seu Jorge por telefone. "Eu nasci poucos meses após a morte do Marighella, e depois disso a história dele foi apagada. Então eu não tinha nenhuma intimidade com ela, mas fico muito orgulhoso de poder, por meio da arte, contribuir para tirar esse homem do esquecimento."
Seu Jorge em ação no filme "Marighella". Crédito: Paris Filmes
Em 1969, exatamente no dia 4 de novembro, mesma data em que o filme agora estreia no circuito, Carlos Marighella foi vítima de uma emboscada e acabou sendo assassinado a tiros por agentes do Dops, o Departamento de Ordem Política e Social, órgão de repressão responsável por prender, torturar e matar nos anos de ditadura varguista e, mais tarde, militar.
Hoje, um monumento na alameda Casa Branca, na zona oeste de São Paulo, marca o local do assassinato. Fora ele, no entanto, pouco se fala do guerrilheiro. A vontade de resgatar sua história foi o que motivou também Wagner Moura a se debruçar sobre o livro "Marighella: O Guerrilheiro que Incendiou o Mundo", de Mário Magalhães, e levar a obra às telas.
Não sem se envolver em uma série de debates e polêmicas causados em grande parte pelo apelo político do personagem, mas não só. Uma delas, por exemplo, diz respeito ao tom de pele de Seu Jorge, que foi atacado por supostamente ser negro demais para o papel. As críticas pegaram o cantor-ator de surpresa, e ele vê racismo nas raízes da controvérsia.
"Eu convivo com isso desde criança, nunca foi diferente. O que hoje é diferente é a possibilidade de representatividade. Um dos acertos desse filme é justamente devolver a origem de Carlos Marighella, um personagem que sofreu não só um apagamento, mas também um embranquecimento, como muitos outros da nossa história", afirma.
"É um processo de eugenização dizer que ele não era preto. Os avós dele foram escravos, sabe, a questão é que ele nunca esteve nessa condição de homem negro que se cala."
A situação é consequência de um país que ainda hoje não sabe ao certo como lidar com seu histórico racista, acredita. Não ajuda também o fato de Sérgio Camargo ocupar a presidência da Fundação Palmares, numa gestão que Seu Jorge julga ser "contraproducente, um desserviço". "É lamentável a postura desse senhor, que eu não conheço e também não reconheço como um líder com capacidade de nos orientar no caminho do progresso."
Nas últimas semanas, Camargo vem usando as redes sociais para atacar não só a figura de Carlos Marighella, mas também sua cinebiografia, que ele julga ser racista por "chamar cada homem preto honrado do Brasil de marginal ao escalar um ator preto no papel do psicopata comunista".
Os ataques do líder da Palmares são só uma fração daqueles disparados contra "Marighella". Desde que estreou no Festival de Berlim de 2019, o longa entrou na mira da direita, aconteceu até uma campanha de boicote à nota do filme no site americano IMDb, que compila informações de obras audiovisuais. Sua jornada às salas, também, foi marcada por adiamentos e um imbróglio com a Ancine, a Agência Nacional do Cinema.
Seu Jorge faz coro aos colegas de set de filmagem Wagner Moura e Bruno Gagliasso e diz que "Marighella" foi censurado pelo órgão. "É claro que houve censura, uma tentativa de retardar e impedir que o filme chegasse ao conhecimento do povo brasileiro", diz ele.
"Não tem o menor sentido censurar uma produção cultural, e isso não aconteceu só com 'Marighella', não. Olha o que está acontecendo com o nosso cinema nesses últimos dois anos a Ancine está desmontada, a Cinemateca pegou fogo, tudo por causa de políticas de apagamento da nossa história."
Além de "Marighella", Seu Jorge também poderá ser visto, em breve, nos longas "Pixinguinha - Um Homem Carinhoso", que estreia no dia 11 de novembro, e "Medida Provisória", de Lázaro Ramos, no dia 25 do mesmo mês. Mais para frente, de volta aos Estados Unidos, onde mora há anos, lançará "Asteroid City", nova parceria com Wes Anderson.
De lá, deve observar as movimentações políticas que vão culminar nas próximas eleições presidenciais. Seu Jorge não é muito direto quando questionado sobre o que espera do pleito, mas diz que, hoje, o Brasil é um país desfigurado, que "perdeu muito espaço no canto da admiração enquanto país e povo, o que tem bastante influência da pandemia e da gestão vigente".
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"Com essa doença, eu esperaria que o Brasil se alinhasse com os países desenvolvidos, mas de repente estamos negando compra de vacina. Não existe empatia nesse governo, um governo que chama o país inteiro de maricas."
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