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Publicado em 27 de outubro de 2021 às 11:38
Solidariedade, expressão, união, territorialidade e representatividade. Substantivos femininos inerentes a muitas mulheres e que casam perfeitamente com uma palavra do mesmo gênero, cultura. Apoiando-se nessa junção gramatical, e de valores, "HZ" ouviu três coletivos compostos apenas por mulheres e, com segurança, pode afirmar: elas estão (cada vez mais) ocupando o protagonismo da cena cultural, seja capixaba ou brasileira.
Um dos exemplos desse protagonismo é Priscila Gama, CEO do Instituto Das Pretas, que, em 2016, fundou o Bekoo das Pretas, festa que une música (tendo no cardápio estilos como hip hop, funk, R&B, reggaeton e afrobeats, entre outros) a valores como "afrolatinidade", cultura, negritude, pertencimento e territorialidade.
Organizado basicamente por mulheres, o encontro, que começou no Beco das Pulgas (Centro da Capital), ganhou voz, robustez e notoriedade, a ponto de, no último evento presencial, um bloco no Carnaval de 2020, reunir 60 mil pessoas no Centro de Vitória.
Priscila - hoje considerada uma das mulheres negras mais influentes do Brasil, empreendendo cultura, gerando empregos e atuando como curadora de ações culturais no exterior - diz não recordar de quantas festas promoveu, mas sabe (bem) o que elas representam, especialmente em termos de conquistas sociais.
"O evento se transformou em um Quilombo Urbano, sendo o maior movimento afro-urbano contemporâneo cultural do país. Nele, desenvolvemos a nossa 'mulheridade preta', defendendo uma cultura antimachista. Somos um movimento comandando por uma mulher preta, com consciência de classe e raça. Vejo o Bekoo como resistência e celebração de nossas belezas, onde temos a certeza que nossos corpos não são hipersexualizados. Sabe aquela festa onde posso gritar 'toca Beyoncé!', em um território só meu? É disso que estou falando", defende.
Mesmo com a pandemia da Covid-19, Priscila, por intermédio do Instituto das Pretas, organização em que é presidente, continuou realizando atividades culturais, como o lançamento de uma websérie no YouTube e Instagram, "Bekoo das Pretas Made By Queens", onde também da voz à comunidade LGBTQIPA+, impactada pelo mesmo sentimento de empoderamento da festa, projetou 143 cursos de formação digital, que impactaram 43 municípios do ES e 15 estados, e lançou atividades voltadas para o público infantil, como o projeto Quilombinho.
"Em novembro, participarei de eventos voltados para a consciência negra. Confesso que não pensava em ser representatividade, mas sei da postura que assumi e defendo essa importância. Meu foco sempre foi a acessibilidade e a inclusão, com menos racismo, machismo e homofobia", explica.
Ah, sim: depois de muito mistério, o primeiro encontro presencial do Bekoo das Pretas em mais de um ano e meio está agendado para 20 de novembro, não por acaso Dia da Consciência Negra. A festa acontece na Quadra da MUG, em Vila Velha. Os ingressos estão à venda pela internet, com valores promocionais para pessoas pretas e indígenas.
O poder da música, mais especificamente o que vem do som dos instrumentos, rege outro coletivo feminino visitado pelo "HZ", a Orquestra de Mulheres do Espírito Santo. Criada em 2019, com regência de Alice Nascimento, o grupo hoje conta com 30 componentes, e, segundo a maestrina, possui um forte caráter de sororidade.
"O projeto nasceu de uma vontade 'orgânica' das musicistas de fazer um trabalho em conjunto. Comandar uma orquestra é complexo, especialmente porque é preciso convencer músicos profissionais a serem regidos por você, mas somos um grupo diferente. Queremos estar juntas e, o que é melhor, nos propomos a fazer um som do nosso jeito", comenta, orgulhosa, dizendo que, no mundo, apenas 4% das orquestras são regidas por mulheres.
"É um espaço em que a mulher é protagonista. Elas tocam instrumentos como trombone e contrabaixo, áreas que, normalmente, são dominadas por homens nas demais orquestras. Contamos com um formato de gestão horizontal, em um espaço democrático, onde definimos juntas do repertório até o modelo de gestão do negócio. A ideia é respeitar a representatividade das musicistas e o desejo de se colocarem como mulheres com voz dentro de uma orquestra", aponta Alice.
"Também temos um olhar voltado para a nova geração de instrumentistas, pois estamos com um trabalho de formação técnica para adolescentes, recebendo meninas de projetos como o Música na Rede e o Vale Música. Essa troca de experiências é enriquecedora", pontua, acentuando o papel da mulher no protagonismo dos coletivos e movimentos culturais.
"As mulheres são culturalmente treinadas para ter um olhar mais sensível, especialmente nas relações humanas. Ao assumirmos essa postura de liderança, seja de um coletivo ou uma orquestra, temos a visão de perceber as particularidades de cada componente, levando isso de forma positiva", defende Alice.
Recentemente, a orquestra chamou atenção pela ousadia, ao apresentar a live "Música que Toca" no telhado do Centro Cultural Sesc Glória. Entre as próximas performances, está um concerto de Natal, em 18 de dezembro, no mesmo espaço (desta vez no palco do teatro). "Terá músicas natalinas muito pedidas e populares, mas pode esperar algumas novidades e experimentações", antecipa a maestrina.
"Quando estamos no palco e vemos os olhos de cada uma das mulheres na plateia brilhando, com um ar de encantamento, sentimos que a nossa apresentação criou a possibilidade de despertar nelas o interesse musical". Com essa frase, marcada pela emoção e pela sensação de dever cumprido, Crystal Vettoraci define a atuação do coletivo feminino BatuQdellas, que encanta e, por que não?, domina a cena musical do carnaval capixaba.
Mestre de bateria (e fundadora) do grupo, criado há quase quatro anos, Crystal comanda 40 ritmistas, com mulheres professoras, advogadas, assistentes sociais e até músicas profissionais, unidas na paixão pelo samba e pela arte. A sensação que permeia é de empoderamento e voz.
"Nosso objetivo sempre foi enaltecer o poder feminino dentro de uma bateria e no carnaval capixaba, um espaço quase sempre dominado por homens. Toco instrumentos musicais desde os 13 anos, com ampla vivência em Anchieta, especialmente nos blocos Pega Lavado e Acadêmicos de Iriri", explica, afirmando que, quase sempre, recebe mensagens de outras mulheres querendo entrar no grupo e aprender a tocar algum instrumento musical.
"Acredito que a cultura caminha ao lado da diversidade. Nosso grupo atrai mulheres com histórias de vida múltiplas, mas que começam a estudar música e percussão, recebendo um conhecimento a mais. A sensação é de pertencimento e fortalecimento do dia a dia, sabe? A força de ser mulher, de praticar e de estar em uma bateria. Algo que poucas praticam e conseguem", explica, dizendo que o ideal de empoderamento do BatuQdellas - que desfila como bloco e faz apresentações culturais desde 2018 - não deve ser confundida com uma espécie de guerra dos sexos.
"Temos o propósito é conquistar o nosso lugar, sem disputas. Sabemos onde podemos e queremos chegar dentro e fora da cultura", acredita, informando que os ensaios presenciais voltaram há apenas dois meses.
Por conta de mudanças estruturais causadas pela crise sanitária, o coletivo ainda não fez planos para o carnaval de 2022. "Estamos em um momento de reestruturação. Ficamos mais de um ano e meio sem ensaio. Houve uma remodelação do grupo, com muitas mudanças de integrantes. É um momento de reflexão, até para resignificar a mensagem que queremos passar para o público", adianta Crystal Vettoraci.
Pensa que acabou? Claro que não... Ainda temos muitas histórias para contar. Em uma matéria futura, "HZ" vai destacar o lado empreendedor dessas mulheres, que movimentam a cultura, gerando emprego, renda e sustentabilidade. Nos vemos em breve!
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