Administrador / [email protected]
Publicado em 23 de julho de 2022 às 10:56
Ao contrário do que diz o ditado, para Mauricio de Sousa mudam os tempos, mas não mudam as vontades. Afastado da prancheta para supervisionar o trabalho dos 400 artistas que emprega, o desenhista, de 86 anos, diz que o segredo para manter o sucesso da "Turma da Mônica" conservado é observar e copiar a realidade, simples assim, com cuidado para não ficar para trás, mas tampouco avançar o sinal.
É a mesma estratégia desde que ele publicou suas primeiras tiras, há 63 anos, nas páginas do jornal "Folha de S. Paulo". Cebolinha e Cascão foram criados inspirados em amigos de infância, enquanto Mônica e Magali surgiram de suas filhas. "Eu não inventei nada. Tudo estava ao lado. Só copiei."
É também por isso, diz, que não se envolve com política. "Meus personagens são crianças, e criança não mexe com política. A gente não faz ativismo. Tenho que usar o velho recurso da borracha. 'Apaga.' Isso é intocável."
É uma estratégia adotada desde a ditadura militar, período em que presidiu a Associação dos Desenhistas de São Paulo, tida como comunista, e acabou banido dos jornais que compravam suas tirinhas por se envolver em articulações políticas contra o domínio das produções americanas, que saíam mais baratas para os veículos brasileiros publicarem à época.
Isso não significa que a "Mônica" tenha parado no tempo, diz Sousa. "O politicamente correto é uma das coisas chatas que existem. Às vezes, dou uma forçadinha, para não alterar totalmente a liberdade que precisamos ter numa cena de humor, mas também faço concessões."
"Antes, a Mônica colocava um tijolo dentro do Sansão para bater no Cebolinha. É impossível hoje. Até a fala do Chico Bento precisei mudar um pouquinho, porque as professoras não gostavam do 'caipirês'. Eu sou sensível ao que pode magoar e não ser aceito pela família."
A preocupação com diversidade se acentuou na última década. O primeiro personagem negro do sexo feminino, Milena, foi criado em 2017, quase seis décadas depois de Jeremias. A ideia veio de Mônica Sousa, diretora comercial do estúdio, que escutou dos ouvintes de uma palestra que deu na ONU que faltava representatividade negra nas histórias de seu pai.
Com Milena, o quarteto virou um quinteto. A partir de agora, a personagem terá, Mônica garante, o mesmo protagonismo que os outros.
O estúdio também tem se dedicado aos personagens com deficiência. É o caso de Humberto, mudo, Sueli, surda, André, no espectro autista, Luca, cadeirante, Tati, com síndrome de Down, e Dorinha, que é cega, inspirada por Dorina Nowill. Os personagens ganham histórias próprias, normalmente institucionais, com o objetivo de conscientizar as crianças, seus pais e professores.
Há alguns temas, por outro lado, que ainda permanecem intocáveis. É o caso da homossexualidade. Em 2009, o estúdio criou Caio, amigo de Tina, que num dos gibis indicava outro rapaz ao dizer que era "comprometido". Mesmo sem dizer que era gay ou bissexual com todas as palavras, Caio sofreu uma enxurrada de críticas, e Mauricio chegou à conclusão de que ainda era cedo para ter um personagem gay.
Para os roteiristas da casa, a orientação é não levantar bandeiras, mas pegar as que já tiverem sido erguidas, um lema que Sousa já afirmou noutras entrevistas. "A homossexualidade é um tema que a gente está discutindo faz tempo e aguardando o que vai acontecer socialmente para que possamos ter personagens gays. Está chegando o momento".
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta