Capa do disco Varandão, de João Lyra e Cristovão Bastos. Crédito: Divulgação
- De: Aquiles
- Para: João Lyra e Cristovão Bastos
Meus queridos João e Cristovão, por favor, não estranhem o fato de eu iniciar esta missiva com uma pensata. Segurem a dita cuja aí: em tempo de desatinos cometidos contra povos indígenas ancestrais, o som de uma canção ao menos aplaca a dor pela impotência diante de desmandos movidos pela má-fé e a crueldade de alguns seres (des)humanos.
Só me dei a esse desfrute, meus amigos, porque além de tomado pela indignação com o inimaginável crime humanitário, eu me flagrei emocionado após ouvir seu recém-lançado CD independente Varandão. O seu violão, João Lyra, e o seu piano, Cristovão Bastos, conduzem o ouvinte para longe da percepção corriqueira que se costuma ter com esses instrumentos... vão além, muito mais além!
Vocês e eles ganharam vida própria e se embrenharam pela vastidão praticamente inaccessível da sensibilidade humana. E a música veio em diferentes modulações, em inéditas tessituras harmônicas, despertando sensações de poderosa magnitude, indo fundo na alma cidadã, aquela alma-mãe de ouro que capta sinais vitais a cada acorde de uma canção. Cidadã maravilhosa e curativa, a cavoucar mistérios, traduzir sentimentos e revelar a música em seu esplendor harmônico, levando-a às almas e aos olhos que reluzem e choram.
Seu Varandão, rapazes, tem dez temas, cujos títulos vão numa sequência de “Varandão 1” até “Varandão 10”. Sendo que “Varandão 2” é de autoria apenas sua, Cristovão, enquanto “Varandão 9” é só do João – os outros são dos dois.
E eu, que ainda trago na memória o álbum Farinha do Mesmo Saco, lançado por Guinga e Cláudio Jorge, sinto que Varandão tem a mesma pegada, já que ele também está envolto em imagens oníricas dos subúrbios cariocas, que emolduram as bolas das peladas na rua e as linhas das pipas no ar.
A urbanidade de cada tema reforça o sentimento meio inexplicável da tal alma cidadã, aquela que se delicia com a beleza que de lá emana. A sensação de paz que um chorinho carrega é gigantesca. E a percepção de esperança, tipo “agora a coisa vai”, vem fácil e forte.
Inevitável sacar que a Sra. Incrível Criatividade*, que eu percebi no álbum Câmara Brasileira, de Felipe Senna & Câmeranóva, também está presente em Varandão.
Contando com o xique-xique de Durval Pereira e o baixo de Zé Bastos em todos os arranjos, sendo que o clarinete de Rui Alvim está presente no que fecha a tampa de Varandão, os temas se sucedem como num belíssimo musical em homenagem à identidade Choro, com “C” maiúsculo. A produção musical de vocês, caros João e Cristovão, faz de cada faixa a pedra angular de uma construção supimpa.
Por fim, sintam-se abraçados por mim, que tenho orgulho por sermos contemporâneos, e aceitem meus agradecimentos por serem os gênios criativos que são.
Ah, por favor, parabenizem o Janjão Vasconcelos pelas ótimas mixagem e masterização.
Abraços,
* Sra. IC, divina deusa cuja missão é pôr no mundo a beleza que oferece apenas a alguns seres humanos, dando-lhes o direito de absorver o seu dom de cria
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