Repórter / aline.almeida@redegazeta.com.br
Publicado em 27 de março de 2025 às 15:00
A minissérie 'Adolescência', novo fenômeno da Netflix, conquistou recordes de audiência e críticas entusiastas. Com uma história envolvente e uma execução técnica impecável, a produção britânica conseguiu mobilizar emoções e levantar debates sobre temas como o impacto das redes sociais, a influência de discursos radicais sobre os jovens e o machismo estrutural. No entanto, por trás do sucesso estrondoso, há um fator menos comentado: a compaixão seletiva da sociedade.
A trama acompanha Jamie Miller, um adolescente branco, classe média, de 13 anos, acusado de matar uma colega de escola. Mais do que desvendar o crime, a minissérie busca compreender os motivos que levaram um jovem a cometer um ato tão brutal. O impacto da produção foi imenso: tornou-se a série mais assistida da Netflix e superou programas tradicionais da TV britânica. A série é o assunto do momento.
Um dos grandes trunfos de Adolescência é sua execução técnica impecável. Cada um dos quatro episódios foi gravado em plano-sequência, um feito raro e extremamente desafiador na televisão. Esse recurso – onde toda a ação acontece sem cortes aparentes – aumenta o realismo e a imersão, colocando o espectador dentro da narrativa, como se estivesse acompanhando os acontecimentos em tempo real.
A complexidade desse tipo de filmagem exigiu um planejamento meticuloso. Cada episódio demandou semanas de ensaios, com o elenco e a equipe técnica aperfeiçoando cada movimento como se fosse uma grande coreografia. Enquanto alguns episódios foram gravados em poucas tentativas, outros exigiram mais de uma dezena de refações até que tudo saísse perfeito – alguns até 16 vezes.
Uma cena marcante foi uma perseguição, em que a câmera parece "voar" pela rua, com uma sensação de videogame. Além disso, o momento do encontro do protagonista com a psicóloga envolve tensão e fez a equipe chorar no set durante a gravação.
O roteiro, assinado por Graham e Jack Thorne, contribui para a atmosfera instigante da série. Ele conduz o público por um labirinto de incertezas, evitando respostas fáceis e deixando lacunas intencionais que geram ainda mais discussão. O resultado é uma experiência cinematográfica rara no streaming, que combina técnica sofisticada com uma narrativa instigante e emocionalmente impactante.
Para além da qualidade da produção, a empatia gerada pela história de Jamie tem um papel fundamental. O público se comove muito mais com histórias trágicas quando as vítimas e os algozes são brancos. As pessoas tentam entender Jamie, buscam justificativas para seu ato e acompanham sua trajetória com compaixão. Mas e se ele fosse negro? A recepção seria a mesma?
No Brasil, crianças e adolescentes negros representam 83% das vítimas de mortes violentas, segundo a UNICEF. Eles são frequentemente tratados como ameaças antes mesmo de terem uma chance de contar suas histórias. Ninguém se pergunta quais foram os motivos que levaram um jovem negro a cometer um crime, pois ele já nasce culpado aos olhos da sociedade. Diferentemente de Jamie, que tem sua humanização cuidadosamente elaborada pela narrativa da série, jovens negros raramente recebem o mesmo olhar compassivo. Ao invés disso, são criminalizados e, por muito menos, condenados à morte.
Adolescência é uma série importante e relevante, mas também revela uma desigualdade na forma como encaramos o sofrimento e a redenção. O jovem assassino branco da ficção recebe um olhar analítico e compreensivo, enquanto adolescentes negros da realidade raramente têm suas trajetórias examinadas com o mesmo cuidado. Essa seleção de quem merece empatia diz muito sobre a sociedade em que vivemos e sobre os padrões que, conscientemente ou não, continuam a definir quem merece uma segunda chance e quem será descartado sem questionamento.
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