“Ainda Estou Aqui” não dá brechas para divergências políticas

Filme escolhido para representar o Brasil no Oscar brilha com atuações e roteiro. A narrativa não dá outra escolha a não ser ficar do lado das vítimas

Vitória
Publicado em 02/12/2024 às 16h57
Elenco tem Fernanda Torres

Cena do filme "Ainda Estou Aqui". Crédito: GLOBOPLAY / REPRODUÇÃO

Adaptado da obra de Marcelo Rubens Paiva e dirigido por Walter Salles, "Ainda Estou Aqui" é um filme que transcende uma narrativa familiar para se tornar uma representação profunda de um período sombrio da história brasileira. O longa, estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello, narra a história de Eunice Paiva, uma mãe que luta para manter a família unida após o desaparecimento de seu marido, Rubens Paiva, sequestrado durante uma ditadura militar.

Não foi por acaso que a Academia Brasileira de Cinema escolheu o filme para representar o país no Oscar 2025. O longa equilibra de forma magistral a intimidade de um drama familiar com o contexto político, sem precisar levantar bandeiras e sem deixar espaço para que as pessoas fiquem de um lado que não seja o lado da família.

Walter Salles utiliza o silêncio como uma poderosa ferramenta narrativa, permitindo que os sentimentos mais profundos dos personagens se revelem nas pausas e nos momentos de vazio. Esse recurso cria uma atmosfera de emoção, onde cada cena é impregnada de significado. A cinematografia é outro triunfo, capturando a essência do Rio de Janeiro dos anos 70, transportando o espectador para aquela época de maneira visceral.

Premiere do filme Ainda Estou Aqui

Premiere do filme Ainda Estou Aqui. Crédito: Cristiane Mota /Fotoarena/Folhapress

No início do filme, a primeira entrada na vida da família Paiva é extremamente amorosa, com um cenário mais iluminado e uma casa aconchegante. A história leva seu tempo para nos deixar à vontade com o casal e os filhos, o que só torna a tensão pelo que vai vir e o revelador dos acontecimentos ainda mais comoventes.

Quando Rubens é sequestrado e desaparece, uma mudança na atmosfera é palpável. Não há mais resquícios de dias ensolarados e a casa passa a parecer intimidadora. O pouco que sobra da vida como ela era – se é que dá para colocar assim – vem do enorme esforço de Eunice para manter os filhos de pé. É no testemunho dessa força que "Ainda Estou Aqui" mais emociona.

No coração da narrativa está a atuação impressionante de Fernanda Torres. Ela entrega uma performance arrebatadora, encarnando a dor e a resiliência de uma mulher que enfrenta a perda e a incerteza com uma força indomável. Torres consegue comunicar uma complexidade emocional através de gestos sutis e olhares penetrantes, fazendo com que seu personagem seja o centro emocional do filme.

A química entre Torres e Selton Mello, que interpreta Rubens Paiva, é notável, e Mello oferece uma das melhores atuações de sua carreira. No final, o filme ainda nos presenteia com a interpretação de Fernanda Montenegro, que, com no máximo 5 minutos em cena e sem falar uma palavra, entrega um sentimento de uma vida inteira apenas com os olhos. O elenco de apoio complementa perfeitamente a história, cada um trazendo profundidade e nuances a seus papéis.

Fernanda Torres em cena de 'Ainda Estou Aqui'

Fernanda Torres em cena de 'Ainda Estou Aqui'. Crédito: Reprodução Globoplay

A trilha sonora, cuidadosamente selecionada, encaixa na narrativa de forma magistral, reforçando a carga emocional de cada cena. Talvez tenha faltado mencionar nas informações sobre a família no final do filme que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) no Brasil, criada em 2011 para investigar e esclarecer as violações de direitos humanos ocorridos durante a ditadura militar, fez importantes descobertas sobre o caso de Rubens Paiva.

A CNV concluiu que Rubens Paiva foi torturado até a morte nas dependências do DOI-CODI e que seu corpo foi enterrado e desenterrado diversas vezes por militares para encobrir o crime. Porém a falta dessas menções não compromete em nada a qualidade do filme.

Assistir “Ainda Estou Aqui” em 2024, mais de 50 anos depois dos acontecimentos retratados, nos mostra como a dor causada pelo período da ditadura no Brasil se torna universal e atemporal. A narrativa já ganhou diversos prêmios em festivais como o de Veneza, de Mill Valley, nos Estados Unidos, Internacional de Cinema de Vancouver, no Canadá, e na 48ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O longa é um filme belíssimo e poderoso, que permanecerá na memória do espectador muito depois dos créditos finais. Em uma escala de 5 estrelas, “Ainda Estou Aqui” merece as 5.

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