Apresentadores do Queer Eye Brasil explicam por que olhar LGBTQIA+ pode mudar vidas

Versão brasileira estreia na Netflix com histórias de superação na tela e fora dela

  • VITOR MORENO
Publicado em 23/08/2022 às 10h34
De esq. para dir., Guto Requena, Fred Nicácio, Luca Scarpelli, Rica Benozzatti e Yohan Nicolas

De esq. para dir., Guto Requena, Fred Nicácio, Luca Scarpelli, Rica Benozzatti e Yohan Nicolas . Crédito: Tiago Santana/Netflix

Um viúvo cujos filhos pequenos dormem na cama dele desde que a mãe morreu, um defensor dos animais que deixou os bichos tomarem conta de sua casa e uma assessora de imprensa que parou de se cuidar após se separar são alguns dos participantes que têm suas vidas transformadas na primeira temporada do Queer Eye Brasil. O reality show estreia nesta quarta-feira (24) na Netflix.

Trata-se da segunda versão internacional da franquia, que já teve uma temporada na Alemanha. Nos Estados Unidos, vem fazendo sucesso desde 2018, após ser repaginado pelo serviço de streaming, que viu potencial na atração que já havia ido ao ar na TV a cabo entre 2003 e 2007 (no começo, ainda como Queer Eye for the Straight Guy).

No Brasil, os "fabulosos", como são chamados os apresentadores da atração, foram escolhidos em um processo que envolveu centenas de candidatos. Eles foram praticamente confinados em uma mansão em São Paulo, onde foram testadas diversas combinações de elenco, até chegar aos cinco contratados para a atração.

"Cada ingrediente foi escolhido para chegar na receita final", comenta o stylist Rica Benozzati, fabuloso responsável pela mudança no guarda-roupa dos participantes. "Teve entrevista, teve muito teste de câmera, teve troca de pessoas, porque eles queriam ver como era a afinidade entre os possíveis selecionados... e também éramos avaliados o tempo todo, para ver como a gente agia fora das câmeras. Então era tipo um Big Brother."

O arquiteto Guto Requena, fabuloso que transforma o lar das pessoas que procuram a atração, lembra que cada um foi chamado por ser especialista em uma área específica, mas que a liga do grupo também era importante. "Acho que a gente só chegou até o fim do casting pelo cruzamento das nossas personalidades", afirma. "Do nosso lado, acho que a química aconteceu de maneira orgânica. A gente acabou de fato se tornando amigo e acho que isso transparece muito na série."

Assim como nas versões gringas, a cada episódio do programa, uma pessoa é indicada por amigos ou familiares para ter sua vida impulsionada pelos cinco. Como o nome do programa indica, a ideia é ter um olhar de membros da comunidade LGBTQIA+ para ajudar a destravar uma ou mais áreas da vida que estejam precisando de uma atenção especial.

Os fabulosos brasileiros se dividem entre os que acompanhavam desde a primeira versão e os que acabaram conhecendo a atração mais recentemente. Esse último caso é o do cabeleireiro Yohan Nicolas, responsável por otimizar o visual dos participantes.

"Eu não tinha chegado a conhecer a primeira versão porque passava num canal fechado que eu não tinha em casa", lembra o francês, que mora no Brasil há 9 anos. "Eu também não era muito de assistir televisão nessa época, mas essa versão americana mais recente eu gostei desde o início. É um programa onde a gente pode muito facilmente se sentir representado ou ser tocado pelas histórias que são contadas."

Sobre a preparação antes das gravações, eles contam que ela acabou sendo mais física, com o uso de técnicas de dança, teatro e música, de modo a que eles pudessem se entender como grupo. Também era importante saber como eles iam ocupar os espaços de forma harmônica, ainda mais ao chegar nas casas das pessoas acompanhados por câmeras.

"Acho que a preparação foi realmente a gente lutar pela nossa existência, sabe?", diz o médico e fisioterapeuta Fred Nicácio, que cuida da área de bem-estar na atração.

"A gente bateu o pé: 'Não, eu vou existir como eu sou. Eu vou ser como eu sei que me agrada, como eu nasci para ser'. E isso diz muito sobre nós, né? Só porque não querem, eu vou existir. Então, acho que a preparação foi muito isso, foi o nosso processo de viver e de existir."

O publicitário Luca Scarpelli, que dá dicas culturais aos participantes, concorda. "Tem uma série de prejuízos ter essa vivência LGBTQIA+, em questão de privilégios da normatividade por exemplo, mas por outro lado a gente ganha empatia, resiliência e uma série de coisas que, se a gente não fosse como a gente é, em nossa completude, talvez a gente não tivesse", avalia.

"Mais do que o fato de eu ser uma pessoa trans bissexual, é o fato de eu existir enquanto profissional que também é uma pessoa trans e que é também bissexual", explica. "Para eu ter chegado até aqui, eu experienciei muitas coisas que fazem eu ser quem eu sou. Então isso faz com que, quando eu vou lá conversar com aquela pessoa, eu tenha um ouvido melhor, eu consiga entender, eu consiga empatizar com mais facilidade."

Os fabulosos confessam que as transformações acontecem não apenas com os participantes que estão sendo ajudados, mas com eles próprios. "A gente saiu muito impactado, muito transformado, pensando sobre questões muito maiores", conta Requena, que conta que a van da atração, onde eles mais trocavam experiências, ganhou o apelido de "Di-van". "Falar sobre as nossas tragédias, nossas alegrias, nossos medos, nos conectou de uma maneira muito bonita, muito honesta, muito pura e indelével."

Para Yohan, o principal aprendizado foi que, como diz a canção, é impossível ser feliz sozinho. "Gravar esse programa reforçou a ideia do quão importante é a gente se cercar de pessoas, o quanto é importante o contato humano, o contato emocional", afirma. "Ainda depois de dois anos de pandemia."

E isso vale para o reality show, mas também para a vida. "A gente aprendeu que pode se resolver e se curar através do outro", acrescenta Rica. "No nosso caso, a gente criou muito amor e intimidade entre nós cinco, mas tem outras pessoas que a gente pode trombar no elevador, na farmácia, na padaria... Muitas vezes, uma palavra de de amor e de empatia faz toda a diferença. A gente tem que estar atento à mensagem."

Eles também ressaltam que o programa não tem a ver com padrões que às vezes são cobrados até dentro da comunidade. "Não é sobre a gente tentar impor nada a ninguém, é sobre a gente respeitar profundamente a história daquela pessoa e tentar entender o que é melhor para ela", afirma Luca. "Como é que, juntos, a gente consegue alcançar aquilo, sabe? Acho que é a antítese de homogeneizar e adotar um padrão. É o caminho contrário."

"Você não tem que se diminuir para poder caber em lugar nenhum nem tem que se expandir para poder ocupar espaços em que você não se sente confortável", concorda Nicácio. "O programa serve para poder dizer assim: 'Cara qual é o seu tamanho?' Tem espaço para você."

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