Publicado em 21 de março de 2022 às 17:28
Ganhar o Oscar no próximo domingo (27) seria a realização de um sonho que antes parecia impossível. Caso a vitória não venha, o diretor japonês Ryusuke Hamaguchi considera as quatro indicações ao principal prêmio do cinema mundial uma conquista para o independente "Drive My Car". Além de concorrer a Melhor Filme e Melhor Diretor, o drama japonês - aplaudido no último Festival de Cannes - também foi nomeado nas categorias Melhor Filme Internacional (da qual é favorito absoluto) e Melhor Roteiro Adaptado.
Hamaguchi conversou do Japão, via Zoom, com jornalistas da Critics Choice Awards, a Associação dos Críticos dos Estados Unidos. A coletiva contou com participação de "HZ". Confira alguns trechos.
Com relação às expectativas (de ganhar um Oscar), Ryusuke Hamaguchi afirma não ter "muita coisa que ele possa fazer a mais", além de seguir em frente.
"Ao ver a reação das pessoas, percebo como esta situação é incrível. Os prêmios no cinema não são como os (prêmios) do esporte, onde você recebe o troféu no mesmo dia. O filme já está pronto, não há nada mais que eu possa fazer, a não ser ver onde este filme, que fiz com tantas outras pessoas, pode chegar. Me sinto pra lá de satisfeito com os elogios que o longa está recebendo. Já recebeu quatro indicações (para o Oscar). Sinto que o projeto já conquistou tanto. Já me sinto muito alegre e não consigo nem imaginar como seria se conquistasse mais essas quatro vitórias", diz o cineasta.
Modesto, Hamaguchi conseguiu um feito histórico para o audiovisual nipônico. Ele é apenas o terceiro realizador japonês a ser indicado ao Oscar de Melhor Diretor. Antes, apenas os mestres Hiroshi Teshigahara, em 1964, com "Mulher na Areia", e Akira Kurosawa - grande nome do cinema do país no exterior -, com "Ran", em 1986, tinham alcançado tal façanha.
"Sobre a participação de filmes estrangeiros no Oscar, sei que não é a primeira vez, mas é raro um diretor estrangeiro ser nomeado na categoria de Melhor Diretor", observa Hamaguchi.
"Acho que 'Parasita' teve um grande impacto, abriu 'aquelas portas pesadas' para cineastas da Ásia e para produções de outros países. Sou muito grato e tenho consciência de que sou parte deste movimento de filmes internacionais", completa.
O realizador confessa que a nomeação foi uma grata surpresa. "Minha primeira reação (ao ser indicado) foi de total descrença de que isto estava acontecendo. Fiquei assustado, pensando, será que é verdade? Estava num avião a caminho do Festival de Cinema de Berlin, quando as nomeações estavam sendo anunciadas. Quando cheguei em Paris, foi que comecei a receber um monte de mensagens sobre o que estava acontecendo. É algo que nunca imaginei que iria acontecer na minha vida. Lembro de sentir minha pressão baixando, precisei me acalmar", detalha aos jornalistas.
Até o momento da entrevista, Ryusuke Hamaguchi ainda não tinha tido a oportunidade de conversar com os demais indicados ao Oscar de Melhor Diretor.
"Estou no Japão, no momento, não tive oportunidade para conversar, pessoalmente, com os outros diretores nomeados ao Oscar. Não sinto que estou preparado para estar entre eles. O Steven Spielberg, por exemplo. Quando criança, assistia os filmes dele, como "ET". O fato de que possa ter alguma interação com ele, é inacreditável. Fico nervoso de pensar que isso possa acontecer. Assisti alguns dos filmes nomeados. Pensar que meu filme esteja no mesmo palco que essas produções faz com me sinta muito honrado”, confessa.
O diretor explica que a escolha do carro - quase um personagem no filme - foi tão importante quanto a do elenco. Uma escolha curiosa, já que o automóvel vermelho tem uma cor extrovertida, enquanto o personagem que o dirige é o oposto.
“Sempre ouvi que diretores, quando estão fazendo testes para elenco, costumam dizer: 'finalmente encontrei o ator que estava procurando'. Meu encontro com este carro foi muito parecido. Originalmente, estava procurando por um SAAB 900 amarelo, conforme a história original (o longa é baseado na literatura de Haruki Murakami). Acabamos usando o carro do coordenador encarregado de encontrar o automóvel. Lembro como o carro se destacava na paisagem, como ele era legal. Aí descobri que ele era um SAAB 900, justamente o que estávamos procurando. Nosso colega ainda dirige".
O diretor explica também o equilíbrio entre tragédia e beleza que vemos no filme. "Tragédia e beleza não são, necessariamente, duas coisas diferentes. No caso de perder alguém que você ama, você pode ter sido a causa. Com certeza é uma tragédia. Para superar, é preciso aceitar isto. Aceitar é triste, difícil e trágico. Também é algo bonito ver a beleza humana capaz de superar aquilo. Superar uma tragédia leva ao surgimento de algo belo", acredita.
Chama a atenção no filme as cenas em que não há diálogo, em que se destaca apenas a expressão no rosto dos atores. "Se a plateia pode sentir algo, mesmo que os atores estejam em silêncio, é porque os intérpretes estão sentindo algo quando atuam".
Para Ryusuke Hamaguchi, os atores não estão apenas seguindo instruções, mas sim vivendo a experiência do personagem. "Sei o quanto isto é difícil. Uma das coisas que faço para ajudar os atores é escrever um perfil dos personagens. Ao fazer uma encenação do perfil, o que está no papel deixa de ser apenas um conjunto de ideias e se torna memória e experiências. Quando estão em silêncio numa cena, os atores têm esta referência para guiar a interpretação", explica o cineasta.
O cineasta tinha feito outra escolha curiosa. Embora seja um filme dramático, o diretor planejava usar uma música alegre na trilha sonora de "Drive My Car", mais precisamente uma faixa dos Beatles.
"Pedi ao produtor para usar a música, a resposta foi que não seria possível. Não sei o quanto foi negociado. O final do filme fica em aberto. Adoro a música, embora não entenda a letra completamente, mas achava que a composição seria perfeita para o desfecho. Acabei usando outra música e tudo ficou bem", complementa o diretor.
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