Administrador / [email protected]
Publicado em 26 de abril de 2022 às 08:25
Wagner Moura caminha descalço, com a barra da calça dobrada e os sapatos nas mãos, por ruas cobertas por água de Chicago, nos Estados Unidos. No rosto, um semblante de preocupação se desenha conforme ele adentra os túneis escuros que dão acesso ao esgoto da cidade. Um corpo foi encontrado ali e seu papel é dar vida ao jornalista que quer investigar o caso, em "Iluminadas".
Superprodução do Apple TV+, a série deve surpreender o público brasileiro por dar a Moura um enfoque tão grande quanto o que Elisabeth Moss, atriz que ganhou fama e vários prêmios pelo trabalho em "O Conto da Aia" e "Mad Men", recebe. Ambos estão em pé de igualdade na produção americana, inspirada no livro da sul-africana Lauren Beukes.
Enquanto o personagem de Moura quer escrever uma reportagem, a de Moss ainda tenta virar jornalista, depois de um trauma que a fez abandonar os planos de carreira. Funcionária do acervo do jornal Chicago Sun-Times, Kirby Mazrachi é praticamente invisível e não interage com ninguém, por culpa de uma tentativa de assassinato que a tornou uma pessoa desconfiada e introspectiva.
Anos depois, quando uma mulher parece ter sido vítima do mesmo homicida, ela tenta rastreá-lo e entra em rota de colisão com a investigação do jornalista Dan Velázquez. Eles, então, decidem unir forças para provar a uma polícia negligente e mostrar ao mundo que há um assassino em série nas ruas da cidade.
"Eu me lembro de ler o roteiro há mais de dois anos e ele me pareceu realmente único", conta Moss, que também produz e dirige alguns episódios, por vídeo. "Então eu entrei no projeto e eu me lembro do dia em que marcamos um teste por Zoom com o Wag. Logo na sequência, todos nós entramos em pânico porque sabíamos que precisávamos fazer de tudo para garantir que ele estaria nessa série."
Wag, como Moss chama carinhosamente o brasileiro de quem acabou se tornando uma grande amiga, no entanto, nunca planejou não estar em "Iluminadas".
"Esse trabalho foi muito especial para mim. É uma mistura de gêneros, trata de um assunto importante como o feminicídio, é dirigido e produzido por mulheres e o papel é de um jornalista, profissão na qual eu me formei e que vem sendo tão atacada ultimamente", conta Moura. "Mas a melhor parte foi poder trabalhar com a Lizzie, que eu considero uma das maiores atrizes americanas hoje. Foi como encontrar uma alma gêmea no ramo."
Dan Velázquez, com um nome tão hispânico como esse, surpreende o público já no meio de "Iluminadas", quando entra em casa e sai ditando regras sobre o uso do videogame para seu filho, em português. Apesar de ser da Costa Rica no livro, o personagem virou brasileiro depois de um pedido de Moura, que imaginava que o jornalista soaria mais autêntico dessa forma "e é legal ouvir nosso jeito de falar numa produção americana, eu me importo muito com o público brasileiro que vai ver a série".
Poucos meses após lançar sua estreia na direção, no nacional "Marighella", e às vésperas de aparecer em outra produção estrangeira de peso, o longa "The Gray Man", Moura testa suas habilidades idiomáticas em "Iluminadas", em que transita constantemente entre o português, o inglês e o espanhol.
Já Moss parece estar num terreno muito mais familiar, com Kirby se juntando a um leque de outras personagens introspectivas, que atravessam traumas e são oprimidas por uma sociedade patriarcal, como é o caso de June, em "O Conto da Aia", e Cecilia, em "O Homem Invisível".
"Eu obviamente me sinto atraída por esse tipo de material mais sombrio, por personagens que atravessam um grande desafio em suas vidas. Mas quando eu busco um papel, eu não olho para isso, eu me preocupo se aquela personagem faz algo a partir desse trauma, se ela tem uma jornada interessante", diz. "Como artista, eu acho que é um privilégio poder explorar questões que impactam as pessoas na vida real por meio do nosso trabalho."
Há, no entanto, uma grande reviravolta em "Iluminadas", que a distancia radicalmente de outras tramas de serial killer ou busca por vingança. Nós não apenas temos certeza de quem é o homicida desde a primeiríssima cena, como logo descobrimos que ele pode viajar no tempo. Seu objetivo é encontrar, em diferentes pontos da história, mulheres cheias de potencial e impedir que a luz que elas emanam chegue à superfície.
Interpretado por Jamie Bell, o assassino em série aparece numa cena sentado numa loja de conveniência, tomando café. Quando uma adolescente pede dissimuladamente que ele a ajude a comprar bebidas alcoólicas, ele aceita, mas de forma não convencional. Diz para ela pegar algumas cervejas e esperar, porque o atendente do local vai em breve derrubar um jarro de moedas no chão e se abaixar para pegá-las.
A garota fica em choque, mas sai feliz com as garrafas, até que Bell a persegue, intimida e, antes do que parece ser um ataque, diz para que ela não se preocupe, porque ele só deve matá-la dentro de alguns anos.
Para complicar ainda mais a trama, ele deixa uma marca em Kirby, a única de suas vítimas a sobreviver. A personagem de Moss vê, a cada episódio, sua realidade ser alterada de forma totalmente aleatória, como efeito colateral do ataque que sofreu.
Um dia ela é loira e, no outro, acorda morena, por exemplo. Ou então descobre ao voltar para casa que é casada com o homem que, até ontem, não era nada além de um crush inalcançável do trabalho. O público deve se sentir tão confuso quanto a protagonista, incapaz de entender o porquê dessas mudanças até o fim da série.
"Iluminadas" é uma inusitada mistura de gêneros, que transita entre o suspense, o drama e a ficção científica. Por isso, Moss se lembra que era difícil vender a ideia a alguma produtora, simplesmente porque era impossível "pôr a série numa caixa, definir que tipo de história é essa". Quando o Apple TV+ concordou em tê-la em sua plataforma e que Leonardo DiCaprio apareceu querendo produzi-la, ela escalou Michelle MacLaren para ajudá-la na direção.
À frente de uma coleção eclética e bastante premiada de séries, ela canalizou o que aprendeu trabalhando em "Game of Thrones", "Breaking Bad", "The Walking Dead", "Arquivo X", "Modern Family" e "The Morning Show" para guiar "Iluminadas".
Narrada de forma voyeurista, a série agora pretende convencer o espectador a mergulhar nessa mistura louca de gêneros, por meio de uma trama que não tem nada de convencional, mas tem muito o que dizer.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta