Colin Farrell e Amy Ryan na série "Sugar", do Apple TV+. Crédito: Divulgação/Apple TV+
Há duas décadas Fernando Meirelles faz cinema em Los Angeles, e há duas décadas ele se sente um gringo na cidade das estrelas. Mesmo depois de dirigir filmes americanos como "Dois Papas" e "O Jardineiro Fiel", o carioca conta que nunca vai se sentir inteiramente parte daquele universo de velhas dinastias e grandes estúdios.
Justamente por isso, sua visão de estrangeiro deu outros ares à primeira série internacional que dirige, "Sugar", que chegou nesta semana ao Apple TV+. "Eu não sou parte dessa realidade coisa nenhuma. Eu tenho uma visão de fora, e precisei conhecer Los Angeles para poder mostrá-la na série", diz o cineasta em entrevista por vídeo.
É que "Sugar" mergulha no submundo de Hollywood e põe seus personagens para interpretar figurões da indústria - que, os produtores alertam, não são versões de pessoas reais. No drama policial, um megaprodutor já com a idade avançada está em busca da neta, a única parte da família sanguessuga e problemática - como muitas hipermidiáticas do meio - que ainda lhe importa.
Mas no centro da trama está, na verdade, um detetive particular. Obcecado por cinema, ele não esconde a empolgação quando o caso do megaprodutor, responsável por clássicos do passado que formaram sua cinefilia, cai em suas mãos.
Colin Farrell, como o protagonista Henry Sugar, parece um homem perdido no tempo. Ele compra seus ternos na rua de alfaiataria londrina Savile Row, dirige um Cadillac azul real e empunha um revólver usado pela lenda da velha Hollywood Glenn Ford a única maneira de pôr uma arma na mão do detetive, que as detesta.
Assim, "Sugar" parece, também, uma série de época. Leva tempo até o espectador se acostumar com o fato de a ação acontecer no presente. São smartphones e tablets - claro, da Apple - que rompem com o verniz de filme noir que Meirelles e o diretor de fotografia César Charlone, seu colaborador em "Cidade de Deus" e em outros projetos, queriam imprimir.
"Esse personagem é como um antropólogo, que tenta entender a humanidade por meio do cinema, especificamente o cinema noir. Ele se sente como os personagens", diz Meirelles, que por não ser grande conhecedor do gênero passava as noites, durante o desenvolvimento do projeto, assistindo a seus principais filmes.
Popular nos anos 1940 e 1950, o filme noir se firmou como o mais popular subgênero do cinema policial à época, sob a influência dramatúrgica e estética do expressionismo alemão. Assim, visualmente, seus personagens eram delineados por sombras fortes e um jogo de chiaroscuro que contribuíam para o mistério inerente, algo que Meirelles e Charlone tentaram mimetizar.
Os mocinhos dúbios e cheios de falhas de outrora, também, se fizeram presentes num Henry Sugar que trabalha num campo brutal, embora só apele para a violência quando estritamente necessário. Classudo, ele tem um cavalheirismo, uma bondade à moda antiga, diz o produtor Simon Kinberg, de filmes como "Logan" e "Perdido em Marte", e que queria balancear o lado sisudo e frio de detetive.
É uma dualidade que se vê, também, na Hollywood que Sugar reverencia e aquela que encontra, ao adentrar neste mundo em busca da neta do megaprodutor, vivido por James Cromwell. "Falamos sobre gerações dessa indústria, da era clássica dos anos 1940 e 1950, com o seu glamour e magia, aos dias de hoje, rendida a vícios e ao aspecto comercial", afirma Kinberg.
Assim, trechos de filmes vintage atropelam as cenas sem aviso prévio, como se convidassem o espectador para dentro da mente de Henry Sugar. Gravações de uma Los Angeles antiga, também, se embaralham com os calçadões hoje maltratados, numa trama que guarda um mistério que, para Meirelles, é muito mais sobre o protagonista do que sobre o caso que ele investiga".
SUGAR
- Streaming: Apple TV+
- Classificação: 16 anos
- Elenco: Colin Farrell, Amy Ryan e James Cromwell
- Produção: EUA, 2024
- Criação: Mark Protosevich
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