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Publicado em 6 de janeiro de 2024 às 15:25
Globo de Ouro chega à sua 81ª edição e tenta fazer as pazes com o mercado, que por sua vez vai passar por um teste durante a cerimônia ao reunir em público debaixo do mesmo teto os figurões de Hollywood e os atores e roteiristas que entraram em greve no ano passado, gerando uma paralisação que escancarou as crises da indústria cinematográfica e em que o racha é mais profundo que bilheterias fracas.
O Globo de Ouro quer uma nova chance. Marcado para a noite deste domingo, a partir das dez do horário de Brasília, aquele que já foi um dos mais conceituados prêmios do cinema e da televisão agora implora para não cair no esquecimento, depois de acumular polêmicas envolvendo compra de votos, suborno, tráfico de influência, racismo, clubismo e falta de transparência.
Toda a crise levou ao fim da Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood, que entregava o troféu desde 1944. Os direitos agora estão nas mãos das produtoras Dick Clark Productions e Eldridge Industries. Mas, a julgar pela lista de convidados e pela expectativa em torno da cerimônia desta noite, as acusações podem ter ficado no passado.
Para quem quiser acompanhar este que será o primeiro grande encontro público da indústria após as greves de atores e roteiristas, que geraram animosidade no meio, haverá exibição no Brasil no canal pago TNT e na plataforma de streaming HBO Max, ao vivo do hotel Beverly Hilton, em Los Angeles.
Com oito indicações, "Oppenheimer" é um dos queridinhos desta 81ª edição. A biografia da bomba atômica, dirigida por Christopher Nolan, disputa os prêmios de filme de drama, direção, ator de drama, com Cillian Murphy, atriz coadjuvante, com Emily Blunt, ator coadjuvante, com Robert Downey Jr., roteiro, trilha sonora e melhor realização cinematográfica e de bilheteria —categoria dedicada a quem foi bem na arrecadação, mas com algum critério.
Na corrida de melhor filme de drama, aparecem ainda "Assassinos da Lua das Flores", de Martin Scorsese, "Maestro", de Bradley Cooper, "Vidas Passadas", de Celine Song, "Zona de Interesse", de Jonathan Glazer, e "Anatomia de uma Queda", vencedor da Palma de Ouro, de Justine Triet.
Em comédia, "Barbie", de Greta Gerwig, é o favorito com nove indicações, turbinadas pela aparição tríplice na categoria de melhor canção original —para "What Was I Made For?", de Billie Eilish, "Dance the Night", de Dua Lipa, e "I’m Just Ken", entoada por Ryan Gosling.
Além delas, concorre ainda a filme de comédia ou musical, direção, atriz de comédia ou musical, com Margot Robbie, ator coadjuvante, com Gosling, roteiro e melhor realização cinematográfica e de bilheteria.
Tentando arrancar o troféu de melhor filme de comédia ou musical da boneca loira estão "Air: A História por Trás do Logo", de Ben Affleck, "American Fiction", de Cord Jefferson, "Os Rejeitados", de Alexander Payne, "Segredos de um Escândalo", de Todd Haynes, e "Pobres Criaturas", de Yorgos Lanthimos.
É sintomático de uma Hollywood com seus principais estúdios em crise e de cinemas ainda abalados pelo streaming e pela pandemia que os dois favoritos deste Globo de Ouro —e, provavelmente, do Oscar— sejam duas das maiores bilheterias do ano que se encerrou.
O único capaz de fazer sombra a eles, até agora, parece ser "Assassinos da Lua das Flores", que carrega a grife Scorsese. Na premiação do ano passado, outro medalhão do cinema americano, Steven Spielberg, ficou com o troféu de filme de drama, para "Os Fabelmans", mas saiu de mãos vazias do Oscar, que preferiu abraçar o frescor e a popularidade de "Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo", poucas semanas depois.
No caso de "Barbie" e "Oppenheimer", Gerwig e Nolan têm o amparo das bilheterias e também da crítica, uma combinação difícil e que nomes importantes da indústria podem ver como digna de láureas, num desejo nostálgico de volta a um passado mais glorioso para o cinema.
Impulsionados pelo fenômeno "Barbenheimer", em que o cor-de-rosa hiperbólico se chocou com o preto e branco sóbrio, os longas monopolizaram as conversas cinéfilas e, com isso, arrecadaram US$ 1,4 bilhão e US$ 952 milhões nas bilheterias, ou R$ 6,8 bilhões e R$ 4,6 bilhões. Eles foram o primeiro e o terceiro filme de maior arrecadação de 2023.
O Globo de Ouro vem agora como que para coroar o esforço. "Oppenheimer" tem todo o jeito de agradar às premiações, mas "Barbie" poderia ser facilmente ignorado não fosse seu impacto na cultura pop. É uma comédia afetada, que por tabela faz propaganda de um brinquedo.
Não é material de Oscar, terreno fértil para dramas familiares, filmes de guerra, biografias e histórias densas. Mas levou gente às salas de cinema, e isso é prioritário numa indústria que viu seu estúdio, o Warner, e também a Disney, comemorarem seus aniversários de cem anos em meio ao ostracismo em 2023.
Em parte, também devido às greves de atores e roteiristas que monopolizaram manchetes. Históricas, as paralisações foram sintomáticas de uma indústria que luta para se adequar aos novos tempos, em que falar de tecnologia, transparência e dinheiro é como mexer num vespeiro.
Não deixa de ser engraçado pensar que os figurões da indústria, com seus salários milionários postos sob escrutínio em meio às campanhas salariais de atores e roteiristas, agora vão beber champanhe com essas mesmas categorias no luxuoso salão do hotel Beverly Hilton nesta noite.
E, se os vencedores deste Globo de Ouro se repetirem no Oscar, depois de um 2023 que previu quase nada corretamente, os produtores que assumiram o prêmio poderão respirar aliviados. A premiação estará restabelecida como termômetro da temporada, numa leitura superficial, porém significativa.
O título foi tirado dela, antes de qualquer intriga, pelas excentricidades que sempre cercaram o evento e, com o tempo, se avolumaram de maneira constrangedora. Em paralelo a isso, o público e a crítica passaram a prestar mais atenção aos troféus dos sindicatos de Hollywood, como o PGA, dos produtores, e o SAG, dos atores, mais certeiros.
O Globo de Ouro ainda tenta se firmar como termômetro para o Emmy, por mais confusa que seja sua relação com a maior láurea da TV americana —uma questão de calendário, já que um acontece no começo do ano, e o outro, em setembro, com janelas de lançamentos distintas.
Nesta cerimônia, as obviedades de sempre se repetem. "Succession" foi a mais citada entre as indicações televisivas, com nove, e é provável que saia ganhando quase tudo. Indicada a melhor série dramática, a temporada final do imbróglio familiar da HBO concorre ainda a atriz de drama, com Sarah Snook, ator de drama, com Brian Cox, Kieran Culkin e Jeremy Strong, atriz coadjuvante, com J. Smith-Cameron, e ator coadjuvante, com Matthew Macfadyen, Alan Ruck e Alexander Skarsgård.
Quem disputa o prêmio a tapa é a também derradeira temporada de "The Crown", da Netflix, "A Diplomata", do mesmo serviço, "The Morning Show", do Apple TV+, "1923", do Paramount+, e "The Last of Us", outra da HBO que foi queridinha em 2023.
Em comédia, concorrem "O Urso", "Only Murders in the Building" e "Abbott Elementary", do Star+, "Ted Lasso", do Apple TV+, "Na Mira do Júri", da Amazon, e "Barry", da HBO. Aqui, a corrida é mais incerta do que em drama, bem como em minissérie, série antológica ou filme para a TV.
Na categoria aparecem "Treta" e "Toda Luz que Não Podemos Ver", da Netflix, "Uma Questão de Química", do Apple TV+, "Daisy Jones & The Six", da Amazon, "Companheiros de Viagem", do Paramount+, e "Fargo", produzida pela FX.
Para além das láureas da vitória, as escolhas em cada uma das categorias serão essenciais para testar o comprometimento do Globo de Ouro com a seriedade e a lisura, principalmente depois de o seu quadro de votantes ter sido ampliado de 90 para cerca de 300 jornalistas, de diferentes países, incluindo o Brasil.
No ano passado, quando seu grande retorno ocorreu, ainda era cedo para medir quão eficazes foram as medidas tomadas após o estouro de uma porção de escândalos em torno da Associação de Imprensa Estrangeira. Em 2024, o futuro do Globo de Ouro, para o bem ou para o mal, deve ficar um pouco mais claro.
Agora de volta a um domingo, apesar da péssima audiência do ano passado, e com gente como Michelle Yeoh e Angela Bassett, a premiação ensaia um retorno à primavera.
Foi preciso se desculpar publicamente e adotar medidas duras para combater sua falta de transparência, três anos depois de o jornal americano Los Angeles Times publicar uma reportagem expondo o que seriam tentativas de compra de votos e outras políticas pouco ortodoxas.
Até novas categorias foram criadas para tentar manter o prêmio relevante —a de melhor realização cinematográfica e de bilheteria, que premia filmes que arrecadaram ao menos US$ 150 milhões, e a de stand-up.
Dessa forma, frases como "com o vencedor do Globo de Ouro" voltam a florescer nos trailers de filmes e séries, enquanto a associação ao prêmio deixa de ser motivo de vergonha para se tornar, novamente, uma conquista e tanto. É como se, ao mudar, nada tivesse realmente mudado.
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