Publicado em 16 de junho de 2022 às 07:00
Um dos maiores clássicos de Hollywood, independente do gênero, está fazendo 50 anos em 2022. "Garganta Profunda", fita erótica que acabou se tornando ícone da cultura pop, foi restaurada, com direito a relançamento em Nova York.
O filho do realizador da produção, Gerard Damiano Jr. e a irmã, Christar Damiano, conversaram com a Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood (que fazem parte da votação do Globo de Ouro), para relembrar a polêmica trajetória do longa-metragem.
O ano de 1972 foi marcante tanto para o Brasil quanto para os Estados Unidos. Por aqui, no difícil período da ditadura militar, o general Ernesto Geisel era presidente. Nas rádios, "Fio Maravilha", interpretada por Maria Alcina, "Ilu Ayê", na voz de Clara Nunes, e "Como Vai Você", com Roberto Carlos, estavam entre as músicas mais tocadas. O país parou as 20h para ver o capítulo final de "O Homem Que Deve Morrer" e a estreia de "Selva de Pedra", um dos maiores sucessos de Janete Clair.
Nos Estados Unidos, Nixon era eleito presidente. Também, há 50 anos, o filme "Garganta Profunda" estreava num cinema em Nova Iorque, abrindo o que muitos consideram uma "nova era na revolução sexual". Ao mesmo tempo, vários processos foram abertos em diversos estados contra a exibição do filme nos cinemas.
As filmagens da produção em Miami levaram apenas seis dias. Com duração de 61 minutos, o filme teve um orçamento de US$ 25 mil dólares. A arrecadação, de aproximadamente US$ 50 milhões dólares nas bilheterias, o coloca na galeria de um dos filmes mais lucrativos da história do cinema.
Pessoas da alta sociedade de Manhattan entravam na fila para comprar entrada no cinema World Theater, com filas que rodavam quarteirões. De repente, ver o filme estava na moda. O fenômeno ficou conhecido como "pornô chic".
O título do filme virou uma referência na cultura popular. O jornal "Washington Post" escolheu o nome para a fonte na série de reportagens sobre o escândalo de espionagem política, conhecido como Watergate, que levou o presidente Nixon a renunciar à Casa Branca.
Um ano depois da estreia, "Garganta Profunda" era condenado por obscenidade, em um julgamento (que durou dez dias) em um tribunal criminal em Manhattan, sem a presença de um jurado. Na sentença, o juiz Joel J. Tyler descreveu o filme como "uma Sodoma e Gomorra enlouquecida diante do fogo". O cinema foi condenado a pagar US$ 100 mil dólares, o equivalente a aproximadamente US$ 500 mil reais em valores atuais.
Outros processos foram abertos pelo governo norte-americano em vários estados, mas o cineasta Gerard Damiano- diretor e criador do projeto - e a estrela Linda Lovelace receberam imunidade em troca de colaboração para prestar depoimento. O ator Harry Reems, que atua ao lado da estrela em várias cenas, teve sua condenação anulada. Reems largou a indústria de filmes adultos, entrou para igreja e se tornou corretor de imóveis, antes de falecer aos 65 anos, em 2013.
Linda Boreman tinha apenas 23 anos quando adotou o nome artístico Linda Lovelace para estrelar o filme, na mira de um revólver, segundo ela mesma. Em entrevista, contou, anos depois, que não queria fazer o filme. A ameaça fora feita por seu marido na época, Chuck Trayner.
Segundo a atriz, ela não foi a estrela do filme, mas sim "uma vítima". O ex-marido, hoje criador de cavalos em Las Vegas, nega as acusações. Linda se casou novamente e tornou-se uma ativista contra a pornografia, antes de morrer, aos 53 anos, em um acidente de carro, em 2002.
O cineasta Gerard Damiano faleceu aos 80 anos, em 2008. O filho, Damiano Jr., explica porque "Garganta Profunta" se tornou um ícone na cultura popular.
"O filme assumiu significados diferentes para muitas pessoas e tornou-se parte da história. Ainda é considerado o longa-metragem mais lucrativo de todos os tempos. Algumas das controvérsias que levantou estão ainda em debate, pois mudou a forma como as pessoas viam as leis sobre obscenidade e liberdade de expressão. Há muitas coisas sobre "Garganta Profunda", e a sua repercussão, que ainda ressoam muito hoje", acredita.
"A virada puritana que os Estados Unidos tomaram desde aquela época seria uma surpresa para nosso pai, que pensou que estávamos evoluindo além disso em 1974 e que poderíamos abandonar esses modos de censura ultrapassados e hipócritas", destaca Damiano Jr..
O filho do realizador acredita que "Garganta Profunda", 50 anos depois, tem o importante papel de reabrir esse mesmo diálogo (pela liberdade de expressão) que foi levantado em 1972. "Uma das coisas importantes sobre o filme é que fez as pessoas falarem sobre sexo e sexualidade, e, mais especificamente, sobre a sexualidade da mulher. Embora tendo um enredo risível e, segundo muitas pessoas, absurdo. Mas a verdade é que em 1972, e talvez ainda hoje, muitos homens não conheciam bem o sexo oposto", pontua.
"Ter um filme que apresentou isso como parte do enredo fez as pessoas falarem, e então transcendeu o próprio cinema. As mulheres, em grande número, foram aos cinemas ver um filme adulto, onde tradicionalmente não iam, especialmente sozinhas. Cinquenta anos depois, é importante revisitar alguns desses debates", complementa.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta