Administrador / [email protected]
Publicado em 6 de setembro de 2024 às 10:30
A voracidade das sequências de legado em Hollywood avança e era inevitável chegar a outro produto do imaginário popular oitentista como "Os Fantasmas se Divertem", lançado em 1988. O longa-metragem foi o segundo da então iniciática carreira de Tim Burton, sob exíguo orçamento de US$ 15 milhões, hoje uns US$ 40 milhões, em um "teste" para a Warner decidir se chamava o diretor ao grande projeto de "Batman" no ano seguinte.
Já "Os Fantasmas Ainda se Divertem" custou mais que o dobro, teve campanha de marketing agressiva e valeu-se de publicidade nostálgica na volta de Catherine O'Hara, Winona Ryder e Michael Keaton. A grife de ser filme de Burton poderia ser enumerada, mas o realizador vem de uma maré ruim há mais de década, ele mesmo admitindo uma crise depois de fazer "Dumbo" para a Disney em 2019.
O interesse por "Os Fantasmas Ainda se Divertem" sustenta-se pelo que o primeiro filme significa a um público cada vez mais ávido por rememorações. Burton sabe disso e não gasta tempo em expor o que aconteceu no período entre uma trama e outra. Rapidamente o enredo se atualiza, o que em certa medida é ótimo a quem não viu ou mal se lembra do longa de 1988.
A nostalgia está mais no elenco e na repetição de determinadas situações sob outras circunstâncias. Momento simbólico é o funeral de um dos vários personagens do primeiro filme, recém-falecido neste novo. Enquanto o caixão desce à terra, ouve-se uma versão melancólica de "The Banana Boat Song", retirada de uma das cenas mais famosas de "Os Fantasmas se Divertem". O filme enterra rapidamente essa lembrança e tenta ser o construtor de outras memórias a partir de uma matriz anterior que, se não é ignorada, também não é emulada gratuitamente.
Só que o roteiro de Alfred Gough e Miles Millar inflaciona o filme de quantidade insustentável de situações, que mais parecem subnúcleos de alguma vindoura série de TV. Isso soa até lógico se considerar que a dupla é criadora do seriado "Wandinha", sucesso na Netflix em 2022 com alguns episódios dirigidos por Burton. Gough e Millar importam do formato a estrutura multipartida, na qual engrenagens dramáticas em pontos diversos são acionadas na primeira hora e depois juntadas e resolvidas uma a uma no clímax.
Eles trazem também Jenna Ortega, atriz principal de "Wandinha" que, em "Os Fantasmas Ainda se Divertem", faz Astrid, a jovem da vez que representa uma geração feminina mais questionadora e autônoma. Ela é filha de Lydia, papel de Winona Ryder, agora adulta traumatizada pelo dom de ver pessoas mortas, e neta de Delia, artista plástica de grife cheia de manias interpretada por OHara. O trio familiar se choca com a volta do frenético Beetlejuice, o bioexorcista reinvocado de sua repartição no além-mundo para desespero de todos ao redor.
Keaton reencena o melhor e mais caótico personagem de sua carreira, agora com o dobro de presença em tela se comparado a 1988. Seu Beetlejuice é a essência do fantasma bagunceiro e amoral e boa parte da graça está em suas interações e delírios, que ganham de Burton encantadores estímulos visuais.
Novos personagens de potencial interessante, como a "noiva-cadáver" de Monica Belucci ou o investigador-ator de Willem Dafoe, têm momentos praticamente desvinculados do enredo central, assim como outros que, se garantem o humor espirituoso herdado do original, recebem pouca atenção do próprio filme.
A tentativa de "Os Fantasmas Ainda se Divertem" parece a de não ficar refém de memórias afetivas, mas os desvios entram e saem tão difusamente que resta só ficar olhando o visual de trem-fantasma na mescla de efeitos digitais e bonecos animatrônicos sempre charmosos.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta