Publicado em 29 de dezembro de 2021 às 15:04
Muita coisa pode ser dita sobre Mauricio de Sousa. Mas uma é inegável, mesmo para aqueles que torcem o nariz para o cartunista, o criador da Turma da Mônica é um caso único no Brasil e um exemplo raro de artista no mundo. Ninguém por estas bandas conseguiu manter uma obra tão relevante, tão conhecida e tão lucrativa por tanto tempo.
Como virou modinha falar sobre choque entre gerações, e tecer teorias a partir do embate "cringe" entre elas, a "Turma da Mônica" talvez seja o único ponto pacificador entre a geração X, os millennials, a geração Z e uma molecada ainda mais nova, já chamada por aí de geração alfa. Bidu, por exemplo, é o elo possível entre uma pessoa de 70 anos, que viu o cachorro azul nascer em 1959, e uma criança que tem oito ou dez anos hoje em dia. Sansão é o Santo Graal tupiniquim. Mônica deveria receber o Nobel da Paz. Só que Mauricio de Sousa não aproveita nada disso no cinema.
Em "Turma da Mônica: Lições", segundo filme em que os famosos personagens são interpretados por atores de carne e osso, mais uma vez é perdida a oportunidade de produzir um longa que converse com todas as idades. Com estreia marcada para esta quinta, dia 30, a produção dirigida por Daniel Rezende opta por não arriscar e prefere jogar dentro da zona de segurança, colocando todas as fichas no público infantil.
O curioso é que a história é baseada em uma graphic novel da Mauricio de Sousa Produções, justamente o projeto lançado há cerca de dez anos para tentar reter os fãs mais crescidinhos dos personagens. As obras que trazem esse selo, entre elas a homônima "Lições", apresentam uma trama mais profunda e convidam diferentes quadrinistas para recriarem a estética de Mônica e companhia, com traços mais maduros e bem distantes das formas arredondadas e fofinhas que ficaram famosas nos gibis.
O filme, porém, não usa esse potencial intergeracional. Os fãs mais velhos irão ao cinema por pura nostalgia ou apenas para acompanhar os filhos, netos, sobrinhos e afilhados. Em "Lições", Mônica, Cascão, Cebolinha e Magali resolvem fugir da escola. Pegos depois de uma tentativa frustrada de pular o muro, os quatro são forçados pelos pais a se separarem. Enquanto Mônica troca de colégio, os outros três amigos ganham atividades extracurriculares durante o contraturno das aulas - Cebolinha vai para a fonoaudióloga, Cascão faz aulas de natação e Magali começa uma oficina de culinária.
Mas como este texto é uma crítica do filme que existe, e não um tratado sobre o longa que poderia ter sido feito, "Turma da Mônica: Lições" cumpre bem o que se propõe a fazer.
Bebendo na fonte dos romances de formação, a produção é mais uma dessas histórias sobre o crescimento e os ritos de passagem entre a infância e a adolescência. E faz isso de maneira mais natural do que o filme o anterior, "Turma da Mônica: Laços", lançado em 2019.
Os quatro atores principais estão ainda mais à vontade nos papéis de Mônica, Cebolinha, Magali e Cascão. O universo dos quadrinhos aparece mais claro nas telas, com conflitos menos artificiais. Parece também ter sido dissipada uma certa ansiedade ou responsabilidade que existiam em cima dos ombros do elenco e do diretor ao darem vida a uma obra tão consolidada.
O filme escancara um caminho a ser seguido pela franquia no cinema, até porque expande a quantidade de personagens que surgem em cena, entre eles, Tina, Rolo, Marina, Do Contra, Nimbus, Franjinha, Humberto e Mingau. Nesse sentido, é uma pena que a pandemia de Covid-19 tenha atrasado o cronograma de estreia a ponto de os atores mirins terem crescido nesse meio-tempo e, muito provavelmente, não conseguirem mais interpretar seus papéis em futuros lançamentos.
"Lições" pode dar início a um modelo brasileiro parecido com o multiverso da Marvel, mas não deixa de ser um arroz com feijão. Até aqui, a franquia da "Turma da Mônica" nos cinemas não saiu da superfície, mesmo com potencial de criar histórias com diferentes camadas narrativas, capazes de agradar avós, pais e filhos simultaneamente. É o que fazem, por exemplo, as animações da Pixar ou a própria Marvel com o oscarizado "Homem-Aranha no Aranhaverso".
Mas é inegável também que Mauricio de Sousa sabe fazer um arroz com feijão bem-feito. Melhor do que muitos que vemos por aí.
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