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Publicado em 3 de novembro de 2021 às 16:04
Com dois anos de atraso em relação a sua produção original - após sofrer imposições (ou seriam sanções?) por parte da Ancine, alegando, entre outros pontos, problemas nas prestações de contas da produtora O2 -, "Marighella", polêmico filme de estreia de Wagner Moura na direção, finalmente chega às salas de exibição do Estado nesta quinta-feira (4), após sessões de pré-estreias.
Livremente baseado na obra homônima de Mário Magalhães, o drama resgata o período final da vida do baiano Carlos Marighella (1911-1969), ex-deputado do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e um dos fundadores da Ação Libertadora Nacional (ALN), grupo da luta armada que enfrentou a ditadura militar e encarou de frente os "anos de chumbo" em busca de democracia e liberdade de expressão.
A trama é pólvora pura, se analisarmos a atual situação política do Brasil, um país polarizado e com "ferozes" embates entre esquerda e direita, especialmente nas redes sociais. O filme, claro, acalorou ainda mais essa guerra declarada.
Apostando em um naturalismo cru, com fotografia opressora e ritmo frenético, que remete a "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles, e "Ação Entre Amigos", de Beto Brant, Wagner Moura, com inegável coragem, faz do projeto uma espécie de "Ópera do Caos", com violência quase gráfica, mas nunca gratuita. É impossível esquecer o vigoroso plano sequencia inicial, ao som de "Monólogo ao Pé do Ouvido", de Chico Science e Nação Zumbi.
"Marighella" é tecnicamente impecável e acerta ao discutir os conceitos de liberdade e opressão, possuindo o mérito de resgatar os horrores da ditadura militar e expor a necessidade de que tempos sombrios como esses fiquem no passado. Urgente seria a palavra que melhor define a fita, especialmente se refletirmos os constantes ataques que a democracia e a cultura vem recebendo das esferas federais.
Entre personagens bem construídos e elenco bem dirigido, podemos destacar a entrega (e força física e mental) de Seu Jorge no papel do personagem título, além da assombrosa participação de Bruno Gagliasso, na melhor atuação da carreira, em persona inspirada no delegado Sérgio Fleury, do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), considerado um dos mais violentos "soldados" do regime militar e um dos responsáveis pela captura de Marighella. Curiosamente, o filme estreia no dia que marca os 52 anos de morte do guerrilheiro comunista, em 4 de novembro de 1969.
Em entrevista a "HZ", Wagner Moura falou abertamente sobre os ataques que o projeto vem recebendo de grupos bolsonaristas, que acusam o filme, entre outros pontos, de "louvação ao regime comunista". Além disso, o diretor reafirmou a opinião sobre o atraso no lançamento do longa-metragem - aplaudido no Festival de Berlim, em 2019 -, concluindo que o Governo Federal tentou censurá-lo, a fim de proibir sua estreia.
"Não tenho a menor dúvida que o filme passou por um processo de censura por parte do Governo Federal e segue sendo atacado diariamente. Quando filmei 'Tropa de Elite', o projeto passou por muitas discussões, mas tivemos um embate 'muito bom', pois estávamos em um processo democrático. Acho interessante que 'Marighella' gere discussões, que a direita diga isso ou aquilo. O que acho inadmissível é ter um Governo Federal inviabilizando a existência de um filme. O que está acontecendo com 'Marighella' diz muito mais sobre o estado das coisas no Brasil de hoje do que o que filme que pretende mostrar", aponta, relatando que membros do Governo Federal fazem ataques diários a "Marighella" nas redes sociais, sem assisti-lo.
"Os caras foram no site IMDB (portal que reúne informações sobre o cinema mundial) para dar nota baixa e atacar o filme. Uma atitude clássica do regime fascista que estamos vivendo, que representa a interdição do diálogo e do debate". Em tempo: após constatar os ataques dos haters, o site - pertencente ao grupo Amazon - modificou a forma de avaliação dos usuários.
Entre outros assuntos do bate-papo, Wagner Moura abordou as Eleições Presidenciais de 2022. "Não há a menor forma de Bolsonaro ser reeleito. Desde a constituição de 1988, o Brasil já vinha caminhando e vendo que precisava deixar para trás seu passado racista, autoritário, escravocrata e golpista. Esse ideal camuflou um Brasil profundo, esse 'furúnculo' de onde Bolsonaro saiu. A maioria da população já viu que não é esse o Brasil que a gente quer. Tem os 20% que vão para as ruas pedir a volta da ditadura e o fim do Supremo (Tribunal Federal), mas essa gente é uma minoria", destaca.
Após passar pelos cinemas, "Marighella" deve ganhar uma versão em minissérie, com quatro capítulos, a ser exibida pela Rede Globo. A ideia é que a transmissão aconteça cerca de um ano após a estreia no cinema, em novembro de 2022.
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