Beiju produzido no território quilombola de Linharinho, em Conceição da Barra. Crédito: Fernando Madeira
Novembro, mês da Consciência Negra, é um momento crucial para refletir sobre a rica e complexa história do povo negro no Brasil. Uma das formas mais palatáveis e inspiradoras de celebrar essa herança é através da culinária.
A cozinha afro-brasileira, marcada por sabores intensos, ingredientes exóticos e técnicas milenares, é muito mais do que um conjunto de receitas: é um patrimônio cultural, um reflexo da resistência, da criatividade e da identidade de um povo. Rica em sabores, aromas e histórias, é um reflexo da ancestralidade africana em nosso país. Essa culinária, que transcende o mero ato de alimentar-se, é um patrimônio cultural que se mantém vivo em nosso cotidiano, sobretudo nas comunidades quilombolas.
Câmara Cascudo e Gilberto Freyre, dois grandes nomes da intelectualidade brasileira, dedicaram-se a pensar a formação da identidade nacional, incluindo a fundamental contribuição da cultura afro-brasileira. Em suas obras, eles destacaram a cozinha como um espelho da história, da cultura e da identidade de um povo. A culinária afro-brasileira, com seus ingredientes, técnicas e rituais, é um capítulo fundamental dessa narrativa.
Nas comunidades quilombolas, a cozinha não é apenas um espaço de preparo de alimentos, mas um local de transmissão de saberes, de fortalecimento dos laços comunitários e de resistência cultural.
Partindo do princípio da importância das mulheres quilombolas na construção de suas trajetórias como protagonistas de sua própria vivência, foi dado outro olhar ao fogão. Ele se torna, nas mãos empoderadas das mulheres, fonte de economia criativa e de produção de saberes culinários, a partir da sua relação com a ancestralidade que lhes acompanham, fazem parte da construção matriarcal presente na memória das griôs do quilombo.
A culinária, as toadas expressas nas rodas de jongo, os festejos de santo e capoeiras, entre outros elementos, despertam reflexões sobre a invisibilidade da narrativa construída a partir de uma realidade à qual os sujeitos são pertencentes. Para além, denunciam que a história oficial camufla a realidade do povo brasileiro, pois carrega a ideologia dominante sobre os corpos negros.
As práticas educativas que permeiam as camadas sociais são fonte de resistência e ao mesmo tempo consistem no ensinar e no aprender. São elementos que nos instigam a refletir sobre os saberes presentes no quilombo, que desmistificam o olhar dominante da educação na visão de apenas existir um caminho ou um lado a ser seguido.
Os movimentos sociais reforçam que a linguagem é diversa e é combinada de diferença, pois o canto, as letras e as danças populares nas relações que permeiam o grupo, valorizam os corpos que não são mostrados na construção do currículo formal.
As mulheres quilombolas são as principais guardiãs dos saberes culinários ancestrais. Elas transmitem de geração em geração receitas, técnicas e conhecimentos sobre os ingredientes, estabelecendo uma conexão profunda com a terra e com a natureza. Ao preparar os alimentos, elas evocam a memória de suas ancestrais e fortalecem os laços comunitários.
A cozinha quilombola é marcada pela simplicidade e pela utilização de ingredientes locais e sazonais. A mandioca, o milho, o feijão, a banana e diversos outros alimentos são a base da alimentação dessas comunidades. Os pratos preparados artesanalmente são muito mais do que um conjunto de receitas, fazem parte de um sistema alimentar que se relaciona com a natureza, com a espiritualidade e com a organização social das comunidades. Os alimentos não são apenas fontes de nutrientes, mas também carregam significados simbólicos e afetivos.
Ao valorizar a cozinha afro-brasileira, em especial a praticada nas comunidades quilombolas, estamos reconhecendo a importância da cultura negra na formação da identidade nacional. Estamos também contribuindo para a preservação da biodiversidade, para a promoção da saúde e para o fortalecimento das comunidades tradicionais.
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É fundamental quebrar os estereótipos e promover a valorização dessa gastronomia em todos os espaços. Ao incluir a cozinha afro-brasileira nos livros didáticos, nos programas de turismo e nas políticas públicas, estamos garantindo que as futuras gerações conheçam e valorizem essa rica herança cultural.
Em suma, a cozinha afro-brasileira é muito mais do que um conjunto de receitas. É um patrimônio cultural que nos conecta com nossas raízes africanas e nos permite celebrar a diversidade do povo brasileiro. Ao resgatar e valorizar essa gastronomia, estamos resgatando um capítulo fundamental da cultura brasileira.
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