Polenta cremosa. Crédito: Shutterstock
O ano de 2024 marca os 150 anos da imigração italiana em grande escala para o Brasil. Não é por acaso que as comemorações começam pelo Espírito Santo.
Na verdade, graças a um documento datado de 28 de outubro de 1874, localizado no Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, foi possível comprovar a colonização de Santa Teresa por imigrantes italianos, naquele ano.
Com base nesse e em outros documentos, Santa Teresa foi reconhecida oficialmente como a primeira cidade italiana do Brasil, pela Lei Federal 13.617, de 11 de janeiro de 2017.
O referido documento é um ofício encaminhado ao Presidente da Província do Espírito Santo, Manoel Ribeiro Coitinho Mascarenhas, redigido pela diretoria da colônia de Santa Leopoldina, em nome de Francesco Merlo, que era possuidor de um lote agrícola à margem da estrada de Santa Thereza, no Núcleo de Timbuhy, da citada colônia.
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A saga dos Merlo, assim como de tantos outros oriundos de uma Itália ainda em guerra e vivenciando o processo de unificação, resultou de um ambiente que havia tornado a vida dos camponeses e pequenos proprietários muito difícil.
Foi nesse contexto que meu tetravô, Francesco Merlo, embarcou com sua mulher, Dalila Capelletti, ambos com 26 anos, trazendo seus quatro filhos pequenos. Desembarcaram em Vitória em 17 de fevereiro de 1874, do navio La Sofia, com destino às terras de Pietro Tabachi, na Colônia Nova de Trento, no atual município de Aracruz.
As coisas não funcionaram muito bem por lá e Francesco, que não me parece ter sido uma pessoa tão tranquila quanto eu, promoveu um motim básico… que nos leva ao tal ofício já citado.
Fazer América não foi nada fácil para os diversos imigrantes que desembarcaram pelos portos brasileiros. O clima tropical, animais exóticos, indígenas pouco amistosos, falta de estradas, assistência básica… são algumas das dificuldades que precisaram ser enfrentadas.
A casa, por mais simples que fosse, era o centro organizador da vida familiar. Na hora do nascimento, se transformava em maternidade, e em seguida em creche; na hora da doença, era enfermaria; com a velhice assumia o encargo de asilo; na hora da morte, servia de capela funerária.
A casa era também o lugar sagrado das principais refeições. Por isso, a mesa sempre representou um momento especial de reunião familiar, era a vitória duramente conquistada sobre a fome, que tanto pairou sobre esses homens e mulheres.
Câmara Cascudo em seu clássico livro História da Alimentação no Brasil (1967) comenta que as panelas italianas resistiram muito às adaptações locais. O milho, apesar de originalmente americano, já era consumido na península itálica na segunda metade do século 16.
A polenta se manteve como prato cotidiano, em qualquer das refeições. Era ela que dava sustância. Assim como a horta no quintal, as galinhas e suínos, formavam a base da dieta. O trigo, apesar de caro, também não podia faltar, fosse para o pão, os biscoitos, a taiadela…e é interessante observar que essa dieta foi se reinventando apesar das novas opções e produtos da atualidade.
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Dentre minhas memórias mais saborosas da infância está a raspa de polenta de minha avó, dona Ana Zanetti, a braveza em pessoa. Mas aquele tacho de polenta era mágico… lembro de disputar com meus primos quem pegava o maior pedaço. O barulho crocante ainda vem a minha mente só de escrever a respeito.
Vovô Eugênio Merlo, pedreiro por toda vida, parecia um monge perto da italiana alta, magra e de voz firme. Aliás, nessa época, lá nos idos dos anos 1980, meus tios ainda jovens, foram pescar um dia na região de Peixe Verde, encontraram um calanguinho diferente e resolveram levar para casa.
Era um filhote de jacaré… criado pela vovó Ana como animal de estimação. Não tem como não rir ao lembrar da velha gritando para as noras e filhas que moravam por perto: “manda os bofes, o jacaré está com fome!” Nem no quintal a gente entrava sem autorização dela, vai que o bicho estava com fome mesmo!
Assim, na beira do brejo que ficava no pé do morro em Cariacica onde cresci, esteve sempre a casa Merlo. Cheia de aromas e sabores que guardo com carinho. O desejo nunca realizado de comer as empadinhas feitas com banha de porco na época do natal, pois fui criada adventista e estava fora de questão cair em tentação… o pé de jambo que deixava o quintal rosa na floração, o poço, os pés de inhame… e sempre, independente do cardápio, a soberana polenta! Um viva a imigração italiana no Espírito Santo!
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