O paladar infantil cresceu e já virou um rapaz com certo medo de se tornar aquele tiozão chato para comer. Crédito: Shutterstock
Dia desses meu paladar e meu bom senso resolveram puxar conversa com o bom gosto de uma criança no auge dos oito anos.
Rodeados por papos chatos de adultos numa mesa de self-service, ela comia uma pratada de tucunaré ao molho, arroz e banana frita com salada de tomates. Entre mastigadas, o curumim disse gostar da combinação refrescante porque, afinal, estávamos sob sensação térmica de 40 graus na divisa do Mato Grosso com o Tocantins - em pleno domingo de um agosto tão seco quanto rosquinhas de orégano servidas em reuniões pedagógicas.
Voltei no tempo e percebi que, antes mesmo de ser infantil, o meu paladar demorou um bocado para nascer. Foi gestado pela industrialização e amamentado (literalmente) com muito açúcar, muita gordura, cores vivas, personagens animados, propagandas questionáveis, glutamato monossódico, brindes diversos e uma rodela de plástico imitando hóstia que eu carinhosamente apelidava de Tazo.
Alimentado por uma lógica criada por adultos, essa criatura de Frankenstein - o paladar infantil - já veio ao mundo fadado à síndrome de Peter Pan. Passou anos se divertindo entre a casa de doces de João e Maria e a cesta com açúcares de uma Chapeuzinho Vermelho que queria bagunçar com as taxas de glicose de sua avó.
Perigosa mesmo, diziam-me, era certa fruta que fez engasgar Branca de Neve, além de também expulsar Eva e Adão de um lugar entendido como paradisíaco.
Não é curioso que no tempo em que eu era neném, não tinha talco, mamãe passou açúcar em mim e depois veio me dizer que tirar doce de criança é mais fácil do que responder por que confeitarias e creches têm quase os mesmos nomes estampados no muro? Poderia o “sonho de mel” ser, na verdade, uma “doce ilusão”?
O paladar infantil cresceu e é um rapaz com certo medo de se tornar aquele tiozão chato para comer.
Não dá para ser doce o tempo todo, sob o risco, inclusive, de melar o pique: a infância precisa ser um espaço honesto para experimentar sabores.
O paladar por vezes amarga com o triste estereótipo de que crianças devem ser saudáveis à base de menus kids propostos pelo tédio de uma vida adulta perfumada por aromatizantes sintéticos que se dizem idênticos aos naturais… Ansiolítico acompanha?
Este vídeo pode te interessar
Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.
Se você notou alguma informação incorreta em nosso conteúdo, clique no botão e nos avise, para que possamos corrigi-la o mais rápido o possível