O paladar infantil cresceu e já virou um rapaz

Publicado em 14/08/2024 às 10h00
Atualizado em 14/08/2024 às 11h18
O paladar infantil cresceu e já virou um rapaz

O paladar infantil cresceu e já virou um rapaz com certo medo de se tornar aquele tiozão chato para comer. Crédito: Shutterstock

Dia desses meu paladar e meu bom senso resolveram puxar conversa com o bom gosto de uma criança no auge dos oito anos.

Rodeados por papos chatos de adultos numa mesa de self-service, ela comia uma pratada de tucunaré ao molho, arroz e banana frita com salada de tomates. Entre mastigadas, o curumim disse gostar da combinação refrescante porque, afinal, estávamos sob sensação térmica de 40 graus na divisa do Mato Grosso com o Tocantins - em pleno domingo de um agosto tão seco quanto rosquinhas de orégano servidas em reuniões pedagógicas.

Voltei no tempo e percebi que, antes mesmo de ser infantil, o meu paladar demorou um bocado para nascer. Foi gestado pela industrialização e amamentado (literalmente) com muito açúcar, muita gordura, cores vivas, personagens animados, propagandas questionáveis, glutamato monossódico, brindes diversos e uma rodela de plástico imitando hóstia que eu carinhosamente apelidava de Tazo.

Alimentado por uma lógica criada por adultos, essa criatura de Frankenstein - o paladar infantil - já veio ao mundo fadado à síndrome de Peter Pan. Passou anos se divertindo entre a casa de doces de João e Maria e a cesta com açúcares de uma Chapeuzinho Vermelho que queria bagunçar com as taxas de glicose de sua avó.

Perigosa mesmo, diziam-me, era certa fruta que fez engasgar Branca de Neve, além de também expulsar Eva e Adão de um lugar entendido como paradisíaco.

Não é curioso que no tempo em que eu era neném, não tinha talco, mamãe passou açúcar em mim e depois veio me dizer que tirar doce de criança é mais fácil do que responder por que confeitarias e creches têm quase os mesmos nomes estampados no muro? Poderia o “sonho de mel” ser, na verdade, uma “doce ilusão”?

O paladar infantil cresceu e é um rapaz com certo medo de se tornar aquele tiozão chato para comer.

Não dá para ser doce o tempo todo, sob o risco, inclusive, de melar o pique: a infância precisa ser um espaço honesto para experimentar sabores.

O paladar por vezes amarga com o triste estereótipo de que crianças devem ser saudáveis à base de menus kids propostos pelo tédio de uma vida adulta perfumada por aromatizantes sintéticos que se dizem idênticos aos naturais… Ansiolítico acompanha?

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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