Merenda é o que chamo de palavra usada afetivamente para se referir à comida de escola. Crédito: Shutterstock
É difícil falar de comida afetiva sem considerar o lugar onde ela nos afeta. Comidas de aeroporto, por exemplo, acompanham preços nas alturas em lanchonetes cujos salgados estão tão abatidos quanto passageiro em voo promocional de longa conexão.
As comidas de igreja, por outro lado, são capazes de abençoar os encontros dominicais porque nem só de pão vive o homem - às vezes convém misturar com purê de batata e galinha refogada para compartilhar uma torta enorme entre os ungidos pelo pecado da gula.
Nesse boletim de afetos para o estômago, não podemos ignorar as matérias que pontuam para avaliar as comidas de escola; todo mundo que passou por essas provas tem resultados dignos de nota entre as mesas do recreio.
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O nome “cantina”, embora no Brasil tenha se articulado a um tipo peculiar de cozinha regado à tarantela, para mim tem mais a ver com a possível origem “quintana”, do latim vulgar, ao se referir a um “pequeno centro de abastecimentos”.
Não é à toa que as cantinas escolares funcionam como uma espécie de estágio para as estufas de aeroporto, em que somos também abastecidos com memórias de salgados, bolos, biscoitos, chocolates, sorvetes, balas de todos os tipos e uma eventual salada de frutas - porque nem só de ultraprocessados e piadas ambíguas pode viver a quinta série.
Quem nunca precisou socializar as compras da cantina com os amigos da escola e quase ficou sem degustar as próprias escolhas que atire a primeira bala a ser disputada em galinha-gorda.
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Atualmente recusada pelos habitantes da estratosfera acadêmica, “merenda” é o que chamo de palavra usada afetivamente para se referir à comida oferecida na escola durante intervalos em que são temperados os momentos de diversão iniciados já na fila do refeitório.
O cardápio do dia, as louças da escola, o cheiro da cozinha, o ritual do passa-prato, as tias da merenda, a conversa com os amigos à mesa... Impossível não se deixar afetar por essa atmosfera que rompe com o tempo e nos lança pra frente de um pedaço de bolo com suco rosa (aparentemente de goiaba) ou de uma cumbuca de arroz vermelho com frango desfiado.
Comida de escola é uma espécie de misto quente de descanso recreativo e mastigação: quer melhor?
Seja na Escolinha do Professor Raimundo ou na do professor Linguiça, digo, Girafales, o que importa é que a comida é uma marcante personagem desse elenco de memórias criadas pela boca.
Se o educandário é um espaço de afetações duradouras, precisamos conversar sobre o que nele mastigamos – sem deixar de refletir que professoras e cozinheiras, em comum, alimentam muitas gerações e vivem com salários tão pequenos quanto o do personagem de Chico Anysio. A propósito, Seu Boneco quer saber: que horas é a merenda?
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