Preciso te contar uma coisa e espero que o assunto fique apenas entre nós. Melhor que vinagre de maçã, a acidez da fofoca é capaz de salvar o tempero de qualquer comida mais ou menos.
Em visita a Montevidéu, por exemplo, lembro de ter sofrido para ruminar (com os ouvidos) um pedaço ressecado de chorizo numa das inúmeras catástrofes reconhecidas como restaurante turístico – mas tudo em razão de uma boa fofoca sobre certa fulana que eu nunca vi (mas já fiquei com vontade de conhecer).
Tal como a comida, a fofoca remexe na boca do povo em todas as culturas e talvez tenha sido uma das primeiras grandes mídias do ser humano depois que aprendeu a fazer café. Um bom barista de fofocas precisa reconhecer a diferença entre degustar um “eu fiquei sabendo” daquele “você não sabe da maior”. Como talvez ainda nenhum fofoqueiro acadêmico tenha se metido a besta, coube a mim a tarefa crônica de explicar esse disse me disse.
A fofoca se diferencia em três grandes grupos de mexericos: no primeiro, temos a fofoca-mandioca, divulgadora de um discurso subterrâneo que precisa ser descascado; essas são as que apresentam melhor estrutura linguística, daquelas que não deixam dúvidas de que estamos anestesiando nossa hipocrisia sobre o imaginário alheio e, entre sussurros, risos e batatas fritas, fofocamos.
Nesse telefone sem fio, o uso da primeira pessoa evoca uma terceira que não será revelada em frases como “ouvi dizer”, “fiquei sabendo”, “dizem que” e “falaram por aí”. Daqui a pouco (me disseram) falante e ouvinte trocam os turnos da enunciação e mais outra rodada é pedida no bar do Lúcio (que, aliás, deixa baixo, soube que foi visto no Morro do Moreno tomando água de coco com uma mulher que não era a Fernanda).
A segunda qualidade de futricagem, a fofoca-milho, participa de muitos pratos à brasileira e, versátil, cai bem a inúmeras ocasiões – por isso é a que particularmente mais me atrai: aquela que serve como ponto de partida para expressarmos o que pensamos que o outro deveria fazer com sua própria vida.
Muitas vezes esse outro ainda nem sabe que a gente existe, embora tenhamos decidido, numa rápida talagada de vinho entre enxeridos, que a cozinheira deveria terminar logo com o dono do restaurante pra ficar de uma vez com a garçonete freelancer dos sábados. Nessa qualidade de fofoca, eu tenho para mim, os tópicos relacionados à vida sexual são os que mais importam.
Na terceira versão de fuxicos está o tipo mais cruel de todas as fofocas – a ultraprocessada: aquela em que o autor manipula os elementos da história para produzir algum tipo ardiloso de vantagem sobre si. Durante a encenação de caras e bocas, a tensão toma conta... ninguém arrisca, nem petisca, muito menos mastiga alguma coisa com prazer legítimo.
O estômago de quem escuta é capaz de capturar o amargor, a amargura e as artificialidades das narrativas. É comum aparecerem injúrias e difamações - mas aí, para mim, a conversa azeda e já fica indigesta. A mesma coisa acontece quando fofocas já finalizadas ressurgem de propósito para gerar algum constrangimento e o garçom trazer a conta.
Da próxima vez que isso acontecer com você, sugiro que volte a falar de sexo e peça uma pizza de quatro queijos. Aliás, devo dizer que uma marguerita com pesto harmoniza muito bem com fofocas sobre gente caloteira e falida, enquanto a de calabresa acebolada é mais apropriada para quem quer falar de algum story curtido pela ex (daquele seu conhecido - se é que você me entende).
Pizza marguerita. Crédito: Freepik
Qualquer um pode ser o assunto servido à mesa: a antropofagia da maledicência não perdoa ninguém. Para não deixar o assunto passar do ponto ou a fofoca perder o sabor, tô estudando harmonizações com bolos de diferentes sabores e prometo publicar em breve.
Fofoca à mineira pede broa – mas aí eles chamam o boato de prosa. Enquanto não fermento o futrico, é melhor deixar esse assunto morrer... já não estará mais aqui quem falou, ok?
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