Beethoven está esperando para fazer a cirurgia, saiba como ajudá-lo a ter mais qualidade de vida. Crédito: Divulgação
Recentemente, o Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) recebeu uma denúncia de maus-tratos a cães da raça border collies por parte de um criador clandestino localizado em Cariacica. Diante disso, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investiga maus-tratos a animais no Espírito Santo, presidida pela deputada Janete de Sá, na Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales), foi até o local fazer a fiscalização e resgatou quatro filhotes (três fêmeas e um macho).
Como os filhotes são da raça Border Collie foi solicitada ajuda de quatro amigas que possuem cães dessa raça para abrigá-los. “Nós aceitamos porque embora não sejamos protetoras, temos um grande amor pelos animais e os filhotes precisavam, naquele momento, de um lar temporário, principalmente para receber os tratamentos necessários antes de serem disponibilizados para adoção”, explica a empresária Siegrid Blauth Ximenes, proprietária de uma creche para pets.
Os quatro filhotes foram abrigados nessa creche, onde chegaram com uma forte dermatite, muitos carrapatos, pulgas, ácaros e vermes e ficaram inicialmente isolados. “Logo no dia seguinte, todos foram levados ao médico-veterinário e fizeram vários exames e começaram com as medicações. As fêmeas não demoraram para serem adotadas, mas o Beethoven, o macho, começamos a observar que tinha uma certa dificuldade de enxergar, sempre batia a cabecinha nos obstáculos, principalmente os laterais; desequilibrava facilmente e quando a gente jogava uma bolinha ao seu lado, ele não percebia”, conta a empresária Thais Pereira, .
As amigas se juntaram e abrigaram os quatro border collies. Crédito: Divulgação
Diagnóstico que foi confirmado quando Beethoven foi a um médico-veterinário, especializado em oftalmologia. Ele não enxerga as laterais, só vê vultos em linha reta. Mas nenhum dos exames realizados justificava esse grau de cegueira e, assim, foi solicitada uma tomografia, que identificou uma hidrocefalia congênita. Ele nasceu com uma quantidade alta de líquido na cabeça que comprime o nervo óptico, possibilita crises convulsivas, risco de perder a capacidade de andar, de continência urinária e até um AVC.
“A única solução é a cirurgia. Ele tem risco de morte? Claro, tanto realizando-a ou não. E apesar de termos conseguido o procedimento com um desconto considerável, ele ainda é caro para nós quatro. Por isso, reunimos vários parceiros que nos disponibilizaram uma série de brindes e montamos três rifas (R$ 10 ou R$ 15, cada), mas, infelizmente, ainda não conseguimos arrecadar nem 30% do total (R$ 7 mil)”, explica a enfermeira Georgea Zambon Fafá. .
Ela ressalta que Beethoven é um filhote muito feliz, dócil, brincalhão, merece essa chance de fazer a cirurgia. Precisamos tentar, porque se tudo der certo, e vai dar, estaremos proporcionando a ele a qualidade de vida que merece, já que esses problemas serão reduzidos substancialmente. Talvez ele tenha que tomar um remédio para o resto da vida, certamente sim, mas poderá ser adotado, ganhar uma família, e ser aquele companheiro de alguém que esteja disposto a cuidar e a amar”, garante Georgea.
Por isso, explica Siegrid, as quatro amigas estão pedindo a colaboração da sociedade, para que comprem pelo menos uma rifa, e se não for possível, que apenas compartilhem essa informação para o máximo de pessoas possíveis. Saiba maia sobre a rifa no perfil do instagram. “Assim a gente vai conseguir o valor necessário para realizar a cirurgia de Beethoven dando a ele uma oportunidade de viver bem por muitos e muitos anos”, conclui.
Qual é a doença de Beethoven
O médico-veterinário, cirurgião ortopédico e neurocirurgião, Fabricio Pagani, explica que a hidrocefalia pode ser congênita ou adquirida. “Quando estamos falando de filhotes, de forma geral, ela é congênita, e quando se trata de um paciente mais idoso, geralmente é adquirida”.
“Mas pode acontecer também do animal ter hidrocefalia congênita, mas o tutor só vai perceber a doença na fase adulta ou até em um idoso. Essa compressão do sistema nervoso central causa sintomas que muitas vezes o tutor não consegue perceber, até porque o cão tem uma capacidade gigantesca de adaptação às suas limitações e ao seu meio, eles são seres que vieram ao mundo para serem felizes e transmitir esse amor aos humanos. Então, eles podem cumprir essa missão mesmo com a lesão de vários neurônios. Portanto, eles sentem, mas não nos ‘contam’. E se eles perceberem que ao ´contar’ alguma coisa deixará o tutor triste, que isso chega de forma negativa, ‘pensam’: ‘eu não vou contar, não quero ver meu dono triste’. E por isso, as doenças podem acabar ficando silenciosas, e somente havendo a percepção quando por exemplo sintomas como os ataques epiléticos aparecem”.
No encéfalo, assim como em qualquer área do corpo, ele ressalta, é produzido líquido filtrado do sangue, neste caso o liquor, que pode ser considerado para fácil entendimento como “xixi do encéfalo”.
"Quando ele se acumula em áreas chamadas cisternas no encéfalo, aumenta a pressão e comprime o sistema nervoso, causando complicações desde dor até lesões neurológicas, simples ou graves, como convulsões ou cegueira, entre outras. Alguns casos são tratáveis com medicações e outras precisam de cirurgia"
Fabricio Pagani
Mas por que ainda existem canis e gatis clandestinos?
Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2017, estabeleceu que “não estão sujeitas a registro perante o respectivo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV) nem à contratação de profissionais nele inscritos como responsáveis técnicos e as pessoas jurídicas que explorem as atividades de comercialização de animais vivos e venda de medicamentos veterinários, pois não são atividades reservadas à atuação privativa do médico-veterinário”.
A presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Espírito Santo (CRMV-ES), Virginia Emerich, explica que essa decisão retira a obrigatoriedade do registro e a contratação de um profissional habilitado para quem presta esse tipo de serviço.
“Embora os empreendedores nesse ramo de atuação possam registrar e contratar médicos-veterinários e zootecnistas de forma espontânea, eles têm dispensado seguir esse trâmite tão importante e, assim, essas atividades seguem sem supervisão e responsabilidade técnica profissional, no tocante às práticas realizadas nesses estabelecimentos quanto ao manejo, às regras sanitárias e à garantia do bem-estar dos animais comercializados, bem como no controle da venda e no uso de medicamentos controlados”, garante Virginia.
Para a presidente do CRMV-ES, o registro e a anotação de responsabilidade técnica é a única maneira viável desses estabelecimentos serem monitorados de fato pela fiscalização. “A presença de um profissional habilitado (médico-veterinário e zootecnistas) visa garantir que o local adote as medidas necessárias quanto ao manejo, às regras sanitárias e os aspectos relacionados ao bem-estar dos animais comercializados”.
"É necessário lembrar que em alguns desses estabelecimentos os animais são vendidos e que os empreendedores precisam garantir ao cliente que ele está adquirindo um animal sadio (livre de doenças e zoonoses) e com emissão de atestado sanitário e vacinal. Além disso, a presença e a orientação profissional ajuda a coibir também a venda indiscriminada"
Virginia Emerich
Virginia garante que com a decisão proferida pelo STJ, muitos estabelecimentos têm se utilizado dessa jurisprudência para se afastar do registro e da contratação de um profissional habilitado, de modo que qualquer movimento do CRMV-ES em relação a essa exigência pode ser visto como arbitrário.
“O registro e a presença de profissional habilitado no local visa assegurar que o estabelecimento seja monitorado pela fiscalização e em caso de não conformidades deflagradas, ou por meio de denúncias e práticas irregulares, sejam devidamente responsabilizados. Não se trata de um ato meramente documental, e não se resume a uma questão só de garantia da saúde e do bem-estar dos animais (no caso de comercialização), mas também da saúde pública, no tocante ao controle e prevenção de zoonoses (doenças que podem ser transmitidas do animal para o ser humano). Temos conhecimento que alguns estados da federação possuem legislação estadual que obriga esses estabelecimentos a se registrarem no CRMV com anotação de responsabilidade técnica permitindo, assim, uma fiscalização na prestação dos serviços. Sem um dispositivo legal e empreendimentos sem registros junto ao CRMV, no nosso caso do Espírito Santo, não podemos fiscalizar esses locais e, mais do que isso, responsabilizar as práticas deflagradas de irregularidades e maus-tratos em animais”, conclui.
E por que não temos uma lei estadual?
O médico-veterinário do Centro de Especialidades em Saúde Animal (C.E.S.A), Marcus Campos Braum, sempre viu com muita preocupação essa decisão do STJ.
“Em estabelecimentos que comercializam animais vivos, sem dúvida se faz necessário um manejo sanitário para garantir a vida do animal e o único profissional garantido por lei que está habilitado para realizá-lo é o médico-veterinário. Além disso, nesses locais são comercializados medicamentos controlados que só podem ser vendidos com receitas criadas no site do Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA)”, alerta.
"Ainda temos o banho e tosa, onde com frequência vemos acidentes acontecerem por despreparo da equipe e sem o devido treinamento. Recentemente, tivemos um paciente da raça buldogue francês que chegou com quadro de hipertermia durante o processo de secagem no banho, simplesmente o ambiente estava muito quente e o secador ajudou a piorar o aquecimento do cão"
Marcus Campos Braum
Por isso, ele ressalta, a importância da exigência do registro no CRMV desses estabelecimentos. “E mesmo diante da decisão do STJ, poderíamos ter uma lei estadual, a exemplo do Rio de Janeiro, que conseguiu junto aos seus deputados a exigência do registro de todo estabelecimento que comercialize animais e medicamentos controlados. Sem essa lei o CRMV fica bem limitado em suas fiscalizações”.
Marcus Braum lembra que na época em que era presidente do CRMV-ES (2018-2021) ele e sua equipe solicitaram um Projeto de Lei à Assembleia Legislativa do Espírito Santo (Ales) nesse sentido. “Mas logo veio a pandemia, o que dificultou muito as coisas. Sem contar também a falta de vontade por parte dos legisladores. Por não ser uma ‘lei eleitoreira’, muitos a enxergam como uma fonte de perda de votos nas urnas”, esclarece.
A importância do melhoramento genético
A proprietária do Canil Sonho sem Fronteiras, criadora de cães da raça Border Collie, Claudia Marques de Souza Lima, explica que antes de decidir fazer uma compra de um animal de raça, é necessário pesquisar bem sobre o local e de preferência ir até lá para conhecê-lo pessoalmente, caso seja permitido, uma vez que não são todos os canis que aceitam visitas.
Além disso, o interessado em adquirir um filhote de canil de boa procedência, deve solicitar fotos e exames das matrizes, se a cadela descansa um cio entre os partos (que é o correto a se fazer), pergunte sobre as doenças que podem afetar aquela raça, com que idade os filhotes vão para o tutor (a indicação é somente a partir 60 dias de vida), sobre os protocolos de vacina e vermifugação e de socialização e o pedigree dos pais (peça para ver, mesmo por fotos), garantindo assim que o negócio não esteja sendo realizado em estabelecimentos clandestinos, e até mesmo nos legalizados, mas que por trás não seguem todas as regras de manejo necessárias para garantir o bem-estar geral do animal.
“Um cão ou cadela para serem reprodutores precisam, antes de mais nada, fazer alguns exames para atestar a sua saúde e garantir que não são afetados por nenhuma doença genética, que poderá acometer seus filhotes, que serão vendidos. “Há casos de cães de enorme riqueza genética que podem ser portadores ou afetados por algum tipo de doença ou anomalia. Nesses casos, o animal não deve ser excluído da reprodução e sim manuseado corretamente de modo que só seja usado com pares 100% livres do que o animal em questão seja portador/afetado”, garante.
O criador sério, ressalta Claudia, trabalha sempre o melhoramento genético usando cães saudáveis como reprodutores. “Assim, dificilmente, pode ocorrer o que está acontecendo com o Beethoven, provavelmente a sua condição veio de uma anomalia dos pais”.
Ela explica, ainda, que os border collies não podem ter mais do que 50% do corpo coberto de branco. “São mais de 21 cores, mas um cão mistura, a olho nú, no máximo três cores. Um border collie com uma ou duas orelhas brancas, muito provavelmente poderá carregar problemas de surdez que poderá ser parcial ou até mesmo total. Por isso, o melhoramento genético é imprescindível”.
No canil, Claudia só libera o filhote com o Pedigree Pet ou Pedigree Azul, concedido pela Confederação Brasileira de Cinofilia (CBKC), após 60 dias e com o protocolo vacinal inicial completo até chegar em sua nova casa.
"Nesse período, vamos realizando um protocolo de socialização. Por exemplo, essa raça é muito sensível a barulhos, então realizamos ‘exercícios’ com os filhotes que consistem em colocar sons que os incomodariam associados a algo positivo, que lhes traga prazer, dando ração, por exemplo"
Claudia Marques de Souza Lima
A criadora de border collies lembra a importância de ter um médico-veterinário que responda pelo canil. “Aqui, temos a Ana Carolina Bonella. Isso é uma premissa de todo canil, mas, infelizmente não são todos que trabalham assim. Eu não acho necessário um profissional full time no canil, não há demanda para isso, mas, há que se ter um que esteja disponível em qualquer eventualidade”, garante.
Além disso, Claudia afirma que o tutor precisa, antes de assinar o contrato, responder um questionário com várias perguntas. O objetivo é conhecer os seus costumes (dia a dia, rotinas, componentes da família), ajudando, assim, na chegada e adaptação do filhote à nova família e ver se esse tutor está apto para receber esse animal. “E caso tudo dê certo, continuamos prestando assessoria, sempre que o tutor desejar ou necessitar”, ressalta.
Confira os principais exames que devem ser feitos, antes de colocar um animal em reprodução:
- Exames radiográficos
- Displasia coxo-femural e de joelhos e cotovelos
- Exames radiográficos feitos após sedação do animal.
- Exames genéticos (saliva do animal colhida por SWAB)
- AOD - Surdez do border collie adulto
- CEA – Anomalia do olho do collie.
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