• Rachel Martins

    Uma jornalista que ama os animais, assim é Rachel Martins. Não é a toa que ela adotou duas gatinhas, a Frida e a Chloé, que são as verdadeiras donas da casa. Escreve semanalmente sobre os benefícios que uma relação como essa é capaz de proporcionar

Belinha: conheça a cachorrinha que conquistou a população de Afonso Cláudio

Publicado em 25/07/2023 às 19h14
Belinha

Belinha é um animal comunitário. Crédito: Divulgação

Quem mora em Afonso Cláudio com certeza já ouviu falar da cachorrinha Sem Raça Definida (SRD) conhecida como Belinha. Ela é o que chamamos de um animal comunitário, que não é de ninguém, mas é de todo mundo, o que significa que recebe cuidados de toda a comunidade e não tem uma família específica como tutora.

A funcionária pública Andressa Martins de Oliveira explica que em 2018 deu início no município ao projeto Focinhos Carentes, com o objetivo de contribuir com a castração de animais em situação de rua.

“O surgimento de Belinha foi praticamente na mesma época do nascimento do projeto. No final de 2017, visualizei ela nas ruas e estava prenha. Resgatei e levei para minha casa, mas ela não aceitou de jeito nenhum ficar presa, chorava muito querendo sair, até que com o coração partido a deixei sair para o mundo, ela não ia jamais se adaptar”, lembra.

Embora Belinha sempre estivesse na memória de Andressa de Oliveira, ela demorou um pouco para ser vista novamente e nesse meio tempo o projeto foi crescendo e reunindo vários voluntários na cidade.

“Todos nós doamos mensalmente R$ 10 e o montante é revertido para a castração de um animal em situação de rua, conforme a urgência. Além disso, também damos lar temporário. O custo é alto, porque tem ainda a ração, as vacinas e algumas doenças que aparecem eventualmente nos animais”, explica a funcionária pública.

Até que um dia, Andressa de Oliveira encontrou um rapaz da cidade querendo doar um filhotinho e descobriu que a mãe era Belinha, que já estava na segunda cria. “Os filhotinhos nasceram no terraço da casa dele. Mas para minha surpresa, pouco tempo depois, Belinha saiu desse bairro e apareceu no centro de Afonso Cláudio”.

Até então, eles ainda não tinham castrado nenhum animal, e Belinha foi a primeira a ser contemplada pelas doações dos voluntários, em março de 2018. “Eu a levei novamente para a minha casa, onde ela fez o pré e o pós-operatório. E não foi nada fácil, ela só queria ir para a rua. Após a recuperação e vacinas, um senhor quis muito adotá-la e a levou para o sítio, mas não adiantou, Belinha caminhou uns bons quilômetros e voltou para o centro da cidade e nunca mais saiu”.

Belinha: sensação em Afonso Cláudio

Belinha, Patrimônio Municipal de Afonso Cláudio
Belinha, Patrimônio Municipal de Afonso Cláudio. Divulgação
Belinha no Ministério Público de Afonso Cláudio
Belinha no Ministério Público de Afonso Cláudio. Divulgação
No Quartel de Afonso Cláudio
No Quartel de Afonso Cláudio. Divulgação
Belinha no Ensaio dos Desbravadores
Belinha no Ensaio dos Desbravadores. Divulgação
Belinha no casamento
Belinha no casamento. Divulgação
A funcionária pública Andressa Martins de Oliveira e Belinha
A funcionária pública Andressa Martins de Oliveira e Belinha. Divulgação
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha . Divulgação
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha
A fotógrafa Leticia Kuster com Belinha

Hoje, explica, ela escolhe alguns locais para ficar. “Frequenta praticamente todos os lugares do centro da cidade, onde sempre é muito bem-vinda, deita no tapete dos estabelecimentos e em épocas muito quentes gosta de ficar próxima ao ar-condicionado. Às vezes, ela fica tão quietinha que os lojistas não percebem a sua presença, fecham o local no final do expediente e ela acaba dormindo lá dentro e só é descoberta no dia seguinte.”, conta, rindo.

O sucesso foi tanto que Belinha acabou, claro, ganhando um instagram (@belinha_afc). “Os moradores enviam fotos dela pra mim em várias situações e eu vou postando. Ela adora andar de carro e sempre está pegando alguma carona. Ela tem entre 8 e 10 anos agora e, além de alimentação e água que proporcional a ela,, também visita o médico-veterinário para receber as vacinas obrigatórias anuais e quando necessário em outras eventualidades”.

Andressa de Oliveira explica que, no geral, ela é muito bem aceita pela comunidade. “Só uma vez durante uma festa tradicional apareceu machucada, mas não sabemos o que houve. Nessas épocas, agora, a gente sempre prefere deixá-la ‘presa’ em algum local que já esteja dentro de sua rotina para protegê-la. Hoje, com certeza, ela é um Patrimônio Municipal, nunca tivemos nenhuma reclamação dela em relação a qualquer tipo de agressividade”, garante.

Quanto à questão do abandono de animais, ela ressalta que em Afonso Cláudio isso também é um problema. “Mas as pessoas precisam entender que é impossível para o Poder Público dar conta da castração de todos. Na verdade, a grande questão está em quem abandona, é essa conscientização que é importante realizar junto à comunidade. Além, claro, de fazer com que a população entenda que maltratar animais é crime”, alerta.

Com o projeto Focinhos Carentes, os voluntários já conseguiram, só com doações próprias, castrar mais de 100 animais em situação de rua. “Recentemente, conseguimos um repasse da Prefeitura Municipal para o projeto e esse valor tem ajudado bastante para continuarmos com nosso trabalho. Não é fácil, já cheguei a dar lar temporário para 20 cães ao mesmo tempo aqui em casa, todos foram castrados e vacinados, alguns foram adotados, outros não, principalmente os adultos e idosos”.

ANIMAIS COMUNITÁRIOS

O médico-veterinário Fabricio Pagani explica que quando se fala de animais comunitários é necessário levar em conta algumas considerações importantes.

“Precisamos pensar que em uma sociedade independente, seja ela de humanos, de cães, entre outras, existem hierarquias, além de regras sociais, documentadas ou sentidas. E nesse caso, muitas vezes, instintos primitivos acabam norteando ações. E o que faz com que os humanos respeitem melhor isso é exatamente o entendimento moral, religioso e até legislativo, ajudando a suprimi-los, mas mesmo assim existem as milhares de exceções, como bem sabemos e vemos diariamente. E esse entendimento, obviamente, não acontece com os animais”, explica.

Fabricio Pagani ressalta, então, que os cães, quando em grupos, sempre estão estudando a sua hierarquia. Quem é que manda aqui? E aí vão valer aquelas regras, aqueles instintos mais primitivos. E daí, eles começam a se testar e, sim, por meio de violência. Então, é por meio da força, que eles impõem esses limites. Mesmo que não cheguem as vias de fato, aquela imposição será sempre mantida. E aí quando há uma fraqueza de um dos lados, o que subjuga impõe ao outro o subjugo. Eles estão sempre medindo isso, essa linha de poder”. E tem, também, a questão do território, onde essa liderança é determinada

"É muito frequente um cão doméstico ser bravo dentro de casa e manso na rua. E por que isso acontece? Porque dentro de casa, ele ‘pensa’, esse território é meu, eu tenho que defendê-lo e ninguém entra, sai ou age. Mas na rua, ele está solto, aquele território não é dele, ele não determina os espaços, por esse motivo muitas vezes é manso. Ele não ataca"

"É muito frequente um cão doméstico ser bravo dentro de casa e manso na rua. E por que isso acontece? Porque dentro de casa, ele ‘pensa’, esse território é meu, eu tenho que defendê-lo e ninguém entra, sai ou age. Mas na rua, ele está solto, aquele território não é dele, ele não determina os espaços, por esse motivo muitas vezes é manso. Ele não ataca"

Fabricio Pagani

Mas onde ele quer chegar com essa explicação? Que cães comunitários que passaram algum tempo fora da residência podem tomar conta daquele espaço como se fosse deles e qualquer um que invadi-lo, sejam outros cães ou humanos, serão atacados. E quando esse ataque é formado por uma matilha, é o alfa que decide e todos o seguem mesmo que não tenham esse impulso à princípio.

“Isso é muito frequente em canis. Então tem que tomar cuidado para não romantizar toda a questão”, alerta.

Esses animais, segundo ele, que agora tomam conta de uma região, os cães comunitários, o fazem porque certamente alguém permitiu que eles ficassem e começou a cuidar deles, dando alimento e água e muitas vezes também abrigo concedendo-lhes os três A’s básicos necessários à vida.

“Mas essa boa ação, às vezes, pode não ser a melhor saída pelo que já relatei acima. A Universidade Federal do Espírito Santo é um exemplo, tivemos vários relatos de ataques de cães a estudantes. É muito fácil, as pessoas vão até lá, distribuem comida e água mantendo-os no local e agora esses cães dominam a região e impedem, inclusive, que as pessoas, que não sejam as próprias que estão cuidando, utilizem aquele espaço. É preciso pensar, ainda, que nem todo mundo gosta de animais”, garante.

Mas, obviamente, existem exceções. Se a sociedade no local, se todos os vizinhos concordam, há uma possibilidade real de convívio bacana com esses animais, nesse caso com certeza é válida essa ação. Para mim, inclusive, esses animais estarão ali melhor cuidados, às vezes, do que em determinados abrigos”.

Fabricio Pagani leva a uma reflexão: “O cão é sociável, ele gosta de viver em matilha, em sociedade, de brincar, de carinho, de alimento, quer comida e água, ele precisa disso biologicamente e muitas vezes ele não tem dentro daquele lar. Por isso, se ele tiver oportunidade, vai fugir para a rua. Ali, ele vai saber buscar melhor o que lhe faz feliz”.

Além disso, alerta o médico-veterinário, é importante entender que quando o ser humano está cuidando desse animal, mesmo que seja em situação de rua, ele se torna automaticamente seu responsável legal.

“Então, se esse animal fica doente, se é atropelado, morde alguém, causa algum dano ao indivíduo, a comunidade que o acolheu é responsável por isso. Claro, cada caso é um caso, mas não dá para simplesmente romantizar a questão. A posse responsável também vale para os cães comunitários”, conclui.

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Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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