Com quem fica o pet em caso de separação de seus tutores?

Publicado em 01/11/2022 às 07h00
Casal com cachorro

Em caso de separação, é necessário, antes de mais nada, focar no bem-estar do animal. Crédito: Shutterstock

Os advogados Mariza Danielle Alves de Melo e Rafael Dutra Pereira eram namorados e resolveram adotar a Charlotte, uma whippet, raça originária do Reino Unido, de uma protetora da causa animal.

“Essa protetora, que acabou virando uma grande amiga, estava no Pet Park do Shopping Vila Velha com a Charlotte e o Theodoro, dois irmãos resgatados, ambos estavam para adoção. Foi amor à primeira vista. Depois de muita conversa, a gente decidiu ficar com a fêmea”.

A cachorrinha Charlotte foi adotada pelo casal Mariza e Rafael, mas quando se separaram os dois optaram pela guarda compartilhada

A cachorrinha Charlotte foi adotada pelo casal Mariza e Rafael, mas quando se separaram os dois optaram pela guarda compartilhada. Crédito: Divulgação

Mariza explica que a princípio o termo de adoção saiu em seu nome. “Na época, eu e Rafael morávamos cada um em suas casas, pois éramos namorados. E já tínhamos nossos próprios cães, então a Charlotte seria a primeira cadela em comum. Depois da adoção, ela foi morar comigo. Passado um tempo, fomos morar juntos e, consequentemente, levamos nossos outros pets também".

Ela conta que na época da adoção, Charlotte tinha sete meses. “Mas pouco depois, eu e Rafael decidimos nos separar, quando ela tinha cerca de dois anos. Uma separação é sempre dolorosa e para nós, em especial, foi mais difícil, pois tínhamos os nossos pets”, lembra.

Mariza Danielle Alves com Charlotte

Mariza Danielle Alves com Charlotte. Crédito: Divulgação

Apesar da dor da separação, Mariza explica que os dois decidiram que os cães, que já eram de cada um antes da união, voltariam a ser de responsabilidade individual. “Já a Charlotte seria diferente, pois ela era muito ligada a ambos e nenhum dos dois queria abrir mão dela. Então, decidimos que ela seria dos dois. Como fui morar com os meus pais, preferi que ela ficasse com o Rafael até eu conseguir um imóvel para poder levar todos os meus cães. A sorte é que morávamos perto, então nos encontrávamos todo final de semana”.

Mariza e Rafael já estão separados há quatro anos. Ela conta, ainda, que no começo foi mais difícil, pois ambos usavam a Charlotte como um meio para atingir o outro quando havia discussões corriqueiras. "Mas hoje somos melhores amigos. Temos total liberdade para pegá -la quando cada um quiser. Ela é extremamente mimada”, garante.

Segundo ela, a guarda compartilhada é sempre a melhor opção, tanto para o casal, quanto para o animal. “Hoje, a gente se fala o tempo todo, trocamos fotos e vídeos e curiosidades da Charlotte. Mas confesso que o pai mima muito mais ela do que eu. Eu sou a mãe mais brava. Ele é o pai babão. E a rotina também muda conforme a casa. A Charlotte inclusive tem uma rede social que mostra tudo isso. É @charlotte_faladeira”.

 Rafael Dutra Pereira com Charlotte

Rafael Dutra Pereira com Charlotte. Crédito: Divulgação

Mariza sugere que no caso de separação de casais que possuem pets, é necessário, antes de mais nada, focar no bem-estar do animal. “Ambos precisam abrir mão de seus egos e divergências para proteger o pet e a si próprios. Por exemplo, se o casal não consegue de jeito nenhum manter um bom relacionamento, mas ambos amam o cachorro ou o gato, o melhor seria abrir uma conta conjunta e cada um colocar um valor mensal para poder custear as necessidades do animal, evitando ao máximo a comunicação. Em segundo, precisa decidir quem tem a melhor condição de tempo e espaço para poder ficar fisicamente com o pet. Quanto à visitação acredito que não deve ser uma obrigação. E se nada der certo, a dica é procurar um advogado ou advogada experiente na área de Direito Animal e/ou de Família (com foco em família multiespécie) para ajuizar uma ação que contemple a guarda do animal”, explica.

Casos aumentam cada vez mais

Para a advogada Evelyne Paludo, cada vez mais o judiciário está se deparando com ações de regulamentação de guarda, pensão alimentícia e direito de convivência para os animais membros da família, além dos humanos. “É bom lembrar que essas mesmas situações, quando decididas amigavelmente pelo ex-casal, também estão sendo registradas por documento particular – acordos – firmados para dirimir eventuais dúvidas ou problemas futuros sobre o assunto”, explica.

Evelyne Paludo explica que a lei não considera os animais como “bens materiais”. “Ocorre, na verdade, uma leitura do Código Civil de 2002 com a interpretação dada pelo Código Civil de 1916. Entretanto, a Constituição Federal (CF) de 1988 deixou claro que os animais não são bens quando os protegeu da crueldade humana no artigo 225, parágrafo 1, inciso VII. A CF é a lei maior, e todas as leis inferiores – incluindo o Código Civil – devem ser interpretadas de acordo com ela. Animais são sujeitos de direitos, pois possuem o direito à integridade física e psíquica outorgado pela CF. Por isso, o poder judiciário, em caso de conflito entre o ex-casal sobre os animais membros da família, vai deliberar sobre a ‘guarda’ deles, e não sobre a posse ou propriedade”, ressalta.

A advogada, lembra, ainda, que assim como as crianças humanas membros da família, os animais são vulneráveis e dependentes dos seus tutores humanos. Portanto, é tratado nos casos de separação conjugal, sobre a definição da guarda, da pensão para possibilitar a vida digna do animal, e também o direito de convivência tendo em vista que há laço afetivo entre o pet e os tutores.

“Não existe uma lei específica que obrigue o pagamento de pensão a animais de estimação, todavia, há no ordenamento jurídico brasileiro, lei que obriga o pensionamento de vulneráveis por seus guardiães, e podem – devem – ser aplicadas por analogia tendo em vista os deveres atinentes ao tutor. O exercício de localização do dever é fácil: se um dos cônjuges não quiser mais saber do filho humano, não deixa de ter responsabilidade sobre a manutenção da vida digna deste, e isso é pacífico tanto para a sociedade, quanto para o judiciário. Assim, também deve ser em relação ao dever do tutor com o seu animal membro da família em caso de dissolução da sociedade conjugal”, garante.

Evelyne Paludo, ressalta, também, que quando há consenso entre o ex-casal sobre a guarda, a pensão e o direito de convivência dos tutores com o animal, é possível documentar por instrumento particular. “Entretanto, nem sempre isso é possível e, por vezes, é necessário buscar o judiciário. A guarda deve ser sempre pelo prisma do melhor para o animal, e não para os humanos envolvidos, pois é ele o vulnerável e pelo viés de proteção do vulnerável precisa ser tomada a decisão, assim como se busca sempre o melhor interesse da criança quando se trata de guarda de humanos”.

"Normalmente as negociações consensuais acabam não sendo documentadas, e isso gera a possibilidade de qualquer das partes ‘mudar de ideia’ com o passar do tempo. Por isso, ainda que exista um acordo entre as partes, recomendo sempre que não seja apenas verbal. Documentar o acordo é uma forma de mantê-lo firme e, inclusive, de comprová-lo junto ao poder judiciário caso seja necessário judicializar a situação posteriormente"

"Normalmente as negociações consensuais acabam não sendo documentadas, e isso gera a possibilidade de qualquer das partes ‘mudar de ideia’ com o passar do tempo. Por isso, ainda que exista um acordo entre as partes, recomendo sempre que não seja apenas verbal. Documentar o acordo é uma forma de mantê-lo firme e, inclusive, de comprová-lo junto ao poder judiciário caso seja necessário judicializar a situação posteriormente"

Evelyne Paludo

Ela explica também que por desconhecer qualquer Projeto de Lei específico sobre regulamentação de guarda de animais em tramitação, nos casos que envolvem ex-casais com pets, utiliza-se o Estatuto da Criança e do Adolescente, por analogia, além de legislações estaduais e municipais que versam sobre o dever dos tutores e direitos dos tutelados. “Mas todas essas questões devem ser analisadas pelo mesmo enfoque que analisaríamos se estivéssemos tratando da separação de um casal com filhos humanos. Os laços afetivos existem. O sofrimento pelo distanciamento também existirá. E cabe aos adultos desta relação afetiva promoverem o cuidado e a assistência – inclusive emocional – ao vulnerável envolvido”.

Este é um conteúdo de responsabilidade do anunciante.

A Gazeta integra o

Saiba mais
Pets
Viu algum erro?

Se você notou alguma informação incorreta em nosso conteúdo, clique no botão e nos avise, para que possamos corrigi-la o mais rápido o possível