Telemedicina para pets ou televeterinária traz seis modalidades aprovadas. Crédito: Shutterstock
A telemedicina já é uma realidade para nós, humanos, e é bem utilizada por grande parte da população brasileira. Mas, agora, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) regulamentou o seu uso (Lei nº 1.465/2022) para os animais de estimação o que, certamente, vai contribuir para a melhoria da saúde dos pets, diminuindo a burocracia e as idas desnecessárias, muitas vezes, às clínicas especializadas.
Para o advogado, especialista em Direito Médico e em Direito Médico Veterinário, Filipe Conceição Corrêa, a “televeterinária”, como gosta de denominá-la, já era utilizada na prática há muitos anos pelos profissionais em suas várias modalidades, embora muitas vezes sem saber.
“Isso se dava, por exemplo, pela simples utilização do celular nos atendimentos aos tutores dos animais. Com a regulamentação, foi oportunizada, além de sua legalização, o conhecimento sobre as modalidades e as formas de aplicabilidade, possibilitando um controle maior dos órgãos sobre a sua prática. Se ela já ocorria, mesmo proibida, nada mais justo do que trazer maior segurança ética-profissional e legal para toda a sociedade, a fim de fiscalizar o cometimento de possíveis excessos pelos profissionais e puni-los como uma forma de desestimular desvirtuamentos”, explica.
O advogado ressalta que esta Resolução é um marco histórico para a classe profissional, mas que em relação ao atendimento, é necessário frisar que a "televeterinária" é um meio e não um fim, ou seja, ela é uma possibilidade concedida aos médicos-veterinários e não uma obrigação.
“Ao utilizá-la, o profissional deverá contar com o consentimento e a autorização do tutor do animal, além de formalizá-los junto ao prontuário do animal. Trata-se de uma via de mão dupla. A própria Resolução do CFMV estabelece critérios de atendimentos específicos para cada uma das seis modalidades aprovadas. Por isso, é muito importante estar atento às determinações técnicas a fim de evitar o cometimento de excessos e possíveis responsabilizações ético-profissionais. Enfim, a ética, a transparência e o profissionalismo devem sempre prosperar”, alerta.
Filipe Corrêa lembra que a telemedicina para humanos está autorizada no Brasil pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) desde 2002. De lá pra cá, são mais de 20 anos de erros, acertos e aprendizados com as Resoluções que trataram de suas modalidades regulamentadas.
“Fato é que a ‘televeterinária’ não precisou passar por esse processo de construção, partindo do zero, haja vista que muito do que se tem na Resolução aprovada pelo CFMV decorreu do que deu certo na telemedicina humana. Já partimos de um ponto muito privilegiado. Acredito que daqui para frente serão realizados apenas ajustes no intuito de torná-la uma realidade cada vez mais conhecida, segura e democrática para os tutores de animais”.
O advogado explica que são seis modalidades aprovadas na “televeterinária”: a teleconsulta, a teleinterconsulta; a televigilância; a teletriagem; a teleorientação e o telediagnóstico.
Segundo ele, o objetivo é oferecer ao profissional e ao tutor uma forma de contato mais célere e proporcionar uma resposta mais rápida aos tratamentos das moléstias contraídas pelos animais. Mas essa facilidade ao tutor, deve gerar um aumento dos honorários dos serviços prestados pelos médicos-veterinários, haja vista que a necessidade de seu acesso, e consequente seu acionamento, será maior, inclusive em dias e horários da semana que o consultório ou a clínica veterinária não estarão em funcionamento.
"Sabemos que o deslocamento do animal também gera custos, contudo podem ocorrer situações que mesmo valendo-se da ‘televeterinária’, ele precisará ocorrer. De qualquer forma, os tutores passam a contar com um canal de acesso privilegiado aos profissionais para tirar suas dúvidas. E o melhor, de credibilidade. É importante frisar que todas as informações trocadas por quaisquer das modalidades deverão ser arquivadas no prontuário do animal, seja físico ou eletrônico, bem como devem ser fornecidas sempre que solicitadas pelo tutor, o que resulta em maior segurança para ambas as partes"
Filipe Corrêa, advogado
Filipe Corrêa acredita que o número de atendimentos deve aumentar bastante com a aprovação da “televeterinária”, principalmente pela facilidade de acesso do tutor ao profissional. “Mas quem possui capacidade técnica e total responsabilidade para saber se é viável a realização de consulta/atendimento presencial ou remota é o médico-veterinário”, garante.
COMODIDADE E CELERIDADE NO ATENDIMENTO
Thiago Batista, diretor da startup capixaba Lifepet, que oferece planos de saúde para cães e gatos e trabalha com a telemedicina para animais, explica que, com a crise econômica, muitos donos de pets deixaram de dar a atenção necessária aos animais e passaram a visitar menos o médico-veterinário.
“Segundo pesquisa encomendada pela Comissão de Animais de Companhia (Comac) e Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Saúde Animal (Sindan), com 732 médicos-veterinários de cães e gatos, 37% observaram um orçamento limitado dos cuidadores; 23% identificaram diminuição no número de consultas/internações e 11% uma queda nos cuidados com os animais de modo geral. Então, diante desses dados, a telemedicina para os animais já mostra a sua força. Com toda a tecnologia disponível, do plano mais básico ao mais completo, é possível fazer uso desse serviço e ter mais comodidade para cuidar do pet”.
A médica-veterinária oncologista Fernanda Ming corrobora com a opinião do diretor da startup. “A telemedicina para animais oferece comodidade aos tutores, principalmente nos casos de consultas de rotina ou pediátrica onde ele tem muitas dúvidas de como cuidar do seu filhotinho, bem como prescrição de dietas, vermifugação e antiparasitários. A relação médico-veterinário/animal/responsável sempre existiu, os tutores sempre buscam por orientações, seja por por telefone ou whatsapp, a diferença é que agora isso passa a ser de forma legalizada”, ressalta.
Ela explica que funciona mais ou menos assim: a teletriagem tem como finalidade identificar e classificar a situação do paciente com base na queixa do tutor, com indicação de uma teleconsulta ou de um atendimento presencial imediato ou agendado, a critério do médico-veterinário. Já a teleorientação oferece suporte aos tutores para tirar dúvidas sobre os tratamentos e informar sobre as medidas de prevenção e promoção da saúde. Existe também o telemonitoramento, indicado para aqueles pacientes com doenças crônicas, que já realizaram consulta presencial previamente, e necessitam de acompanhamento periódico.
A médica-veterinária oncologista Fernanda Ming alerta que mesmo com a telemedicina, dependendo da urgência a consulta presencial é primordial. Crédito: Arquivo Pessoal
Mas Fernanda Ming alerta os tutores que em caso de urgência e emergência, ou seja, quando o paciente apresenta sintomatologia mais grave ou risco de vida, deve ir imediatamente até a clínica. “Em comparativo com a medicina humana, seria nos momentos em que nós nos dirigimos até um atendimento de emergência, ou seja, quando aqueles sintomas diminuem a qualidade de vida impedindo de exercer as atividades diárias como comer, andar, interagir/brincar e fazer as necessidades fisiológicas”
SALVANDO VIDAS
A autônoma Maria de Lurdes das Candeias, tutora do cachorro Raul, já realizou duas consultas virtuais. “Uma foi de extrema importância. Eu estava no interior com meu pet quando ele começou apresentar uns inchaços estranhos, já fizemos contato com nosso plano de saúde e conseguimos uma consulta. A médica que nos atendeu deu toda a orientação até que chegássemos a um consultório o mais rápido possível, foi muito atenciosa e nos manteve calmos diante da situação. Depois, a outra consulta foi para orientações básicas de cuidados”
A autônoma Maria de Lurdes das Candeias, tutora do cachorro Raul, já realizou duas consultas virtuais e graças a uma delas seu pet foi salvo. Crédito: Arquivo pessoal
Na sua opinião, a telemedicina para animais, pelo menos no seu caso, foi o que salvou a vida de seu pet. “Acho que sua utilidade aumenta mais ainda quando estamos lugares restritos ou com acesso restrito, ou às vezes nenhum, a um médico-veterinário, e até uma clínica. Acredito, também, que essa modalidade possa facilitar a vida de tutores de animais que tenham dificuldades de sair de casa em caso de pets menos sociáveis. Muito bom saber que hoje existe essa opção para nós tutores”.
PARA QUEM QUISER ENTENDER MELHOR A "TELEVETERINÁRIA"
O advogado Filipe Conceição Corrêa acaba de lançar o livro de sua autoria, “Televeterinária: a telemedicina e a relativização do Código de Ética Médica Veterinária”. A obra foi objeto de um estudo iniciado em 2020, para fins de trabalho de conclusão de curso da sua pós-graduação em Direito Médico.
“Na época estava no auge da pandemia e muito se falava sobre a telemedicina, mas havia muita especulação e informações baseadas em mitos que direcionavam de forma errônea o conhecimento sobre o instituto, bem como resultava em um desvirtuamento de sua finalidade. Naquela época, eu já defendia a telemedicina para humanos e a ideia inicial era possibilitar ao CFMV uma base teórica e técnica para viabilizá-la na medicina veterinária. Em 2021 com a aprovação do meu TCC, direcionei o estudo para a criação da obra bibliográfica, que necessitou passar por duas atualizações no caminho. A primeira em relação à medicina humana diante da edição pelo CFM da Resolução nº 2.314/2022 (que passou a tratar da telemedicina com ajustes mais técnicos e mais recentes). E a segunda pela própria edição pelo CFMV da Resolução nº 1.465/2022 (que regulamentou a ‘televeterinária’)”, explica.
Segundo o advogado, o objetivo maior do livro é proporcionar ao leitor um conhecimento histórico sobre a evolução da telemedicina no seguimento humano, para somente depois analisar de forma mais técnica seu direcionamento para a medicina veterinária e seus institutos com o fim de complementar com o tecnicismo próprio trazido pela nova Resolução do CFMV, justamente para afastar mitos e informações levianas e equivocadas que ainda se sustentam.
“Nossa maior pretensão é disseminar conhecimento no sentido de informar a sociedade que a 'televeterinária' é uma realidade entre nós e que só traz segurança. Devemos convocar a sociedade civil, as instituições de saúde animal, da medicina veterinária e do Direito para discutirmos mais sobre essa nova modalidade de atendimento aos animais, procurando aprimorá-la cada vez mais para a presente e as futuras gerações”, conclui.
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