• Rachel Martins

    Uma jornalista que ama os animais, assim é Rachel Martins. Não é a toa que ela adotou duas gatinhas, a Frida e a Chloé, que são as verdadeiras donas da casa. Escreve semanalmente sobre os benefícios que uma relação como essa é capaz de proporcionar

Como trazer as bases do empreendedorismo para dentro das Ongs da causa animal

Publicado em 14/02/2023 às 07h00
A fisioterapeuta Vanessa Coelho Souza é voluntária do projeto das tampinhas e colocou seu estabelecimento como ponto de coleta.

A fisioterapeuta Vanessa Coelho Souza é voluntária do prjeto das tampinhas e colocou seu estabelecimento como ponto de coleta. . Crédito: Divulgação

Existem muitas Organizações Não Governamentais (ONGs) voltadas à causa animal trabalhando duro pelos animais abandonados. E não é uma tarefa nada fácil. Segundo um estudo do Instituto Pet Brasil, realizado junto a 400 Ongs de todo o país que trabalham no acolhimento de bichos, o país possui 185 mil animais abandonados ou resgatados após maus-tratos sob a tutela de Ongs.

E, infelizmente, está claro que essa grande demanda é muito mais assistida por essas Ongs ou protetores informais do que por programas de empresas privadas ou pelo Poder Público, que não recolhe animais em situação de rua, apenas em casos muito específicos. E enquanto a questão se arrasta morosamente, essas Ongs e protetores vão se desdobrando para oferecer dignidade a esses animais abandonados nas ruas e sujeitos a todos os tipos de maus-tratos por parte de seres humanos sem coração.

Para quem ama os animais, é difícil encontrar um abandonado na rua ou sujeito a maus-tratos e ficar indiferente, o que leva, muitas vezes, a um número tão grande de resgatados que essas pessoas acabam chegando a uma situação bem complicada, já que o recurso para mantê-los vem na grande maioria das vezes de doações provenientes da sociedade que de alguma forma se compadece e engaja com a situação. Um dilema que, infelizmente, também tem afetado emocionalmente quem trabalha diretamente com a causa, levando-os ao comprometimento da saúde mental.

Empreendedorismo voluntário

Por isso, quando uma ONG consegue, digamos, construir um projeto que não dependa de recursos de empresas ou Poder Público e parte para as bases do empreendimento para criar possibilidades de angariar recursos para seus animais resgatados das ruas, é importante entender onde está a chave desse “empreendedorismo social e voluntário”

A Ong Pra Mia é um grande exemplo de empreendedorismo voltado para a causa animal. A economista e fundadora da Ong, Huandra Seibel, explica que em 2016 começou ajudando alguns animais que apareciam na rua onde morava, mas efetivamente começou a resgatá-los em 2017, quando conheceu o cãozinho que hoje se chama Hope. “Hope é o nosso mascotinho, um exemplo de superação e transformação”, conta.

A economista e criadora do Projeto de Tampinhas da ONG Pra Mia dá dicas de como levar as bases do empreendedorismo para dentro das Ongs voltadas à causa animal

Huandra Seibel, da ONG Pra Mia, dá dicas de como levar as bases do empreendedorismo para dentro das Ongs voltadas à causa animal. Crédito: Divulgação Patricia Nitz

Na verdade, ressalta Huandra, ela nunca planejou fundar uma ONG. “Mas estar morando em Viana, em uma época onde não tínhamos programas e políticas públicas na região voltados para a causa animal, me deixou sem escolhas diante dos inúmeros casos de animais abandonados e doentes que surgiam em meu caminho. Os custos dos resgates foram se mostrando volumosos e eu comecei a perceber que precisava desenvolver práticas empreendedoras para ajudá-los de maneira mais abrangente. Hoje, é bem evidente para mim que o empreendedorismo social é o melhor caminho”, garante.

Sustentabilidade e causa animal

Huandra Seibel explica que sempre teve o sonho de colocar um bazar, unindo sustentabilidade e causa animal. Primeiro, ela procurou um lugar fixo para se estabelecer e, após apresentar a proposta para alguns locais, surgiu a possibilidade de sua abertura em um espaço no Shopping na Praia da Costa, onde está até hoje. “Trabalhamos com doações de roupas, livros, entre outros, que são colocados à venda e cujos valores arrecadados são totalmente revertidos para ajudar os animais resgatados”.

"Mas na pandemia ele ficou fechado, foi quase um ano tendo que pensar em novas alternativas. Eu já tinha visto em outros Estados o projeto de tampinhas plásticas e sabia que aqui no Espírito Santo quase não tínhamos iniciativas similares sendo promovidas. Também havia lido em alguma matéria que o consumo de embalagens plásticas estava crescendo com o isolamento. Então, vi que aquela era a oportunidade de implantar o Projeto de Tampinhas Pra Mia e contribuir para a castração de animais, o que considero primordial para evitar o aumento populacional dos mesmos. Atualmente, já estamos com mais de 200 pontos de recebimento de tampinhas, distribuídos pela Grande Vitória (o link está na bio do nosso instagram: @ongpramia)”.

Huandra Seibel explica, ainda, que em relação ao projeto das tampinhas, desde que iniciou, já foram arrecadadas, precisamente, até o momento, 34.634,50 quilos de tampas plásticas e 1.486,75 quilos de lacres de alumínio. “E com a venda desses materiais castramos 170 animais resgatados das ruas”.

Vamos a matemática: 1 quilo de tampinha é vendido por R$ 1,70. Cada castração de fêmea adulta cadela sai em média por R$ 500. Dividindo, então, R$ 500 por R$ 1,70 chega-se a quantos quilos de tampinhas é necessário para realizar o procedimento, neste caso 300 quilos de tampinhas. Já para a castração de uma gata fêmea, são 150 quilos de tampinhas.

“Percebe-se, então, que são muitos quilos de tampinha para realizar uma única castração, por isso a ajuda e a conscientização de toda a sociedade neste importante gesto de solidariedade, juntando tampinhas, é tão importante, lembrando que além disso todos estarão contribuindo também com o meio ambiente e um mundo melhor para as novas gerações”.

Desafio é a adoção responsável

Mas é importante dizer, alerta Huandra Seibel, que o recurso obtido nunca é suficiente, afinal são milhares de animais precisando de ajuda no Espírito Santo. “Diariamente, recebemos dezenas de pedidos de socorro e nem sempre podemos ajudar a todos. A experiência me ensinou a não perder o foco do compromisso com os animais que já assumimos porque não temos recurso financeiro para ajudar a todos, nem de longe. Mas, com certeza, conseguir levantar recursos para dar aos poucos que ajudamos o mínimo de dignidade é, sem dúvidas, algo de grande valor”.

Mas para ela, o maior desafio hoje é conseguir adoção responsável. “Por mais que cuidemos de um animal, mantê-lo em uma baia não é o ideal. O número de adoções tem caído bastante nos últimos tempos e costumo dizer que sem adoções não conseguimos ajudar novos animais. O final feliz de um animal resgatado só acontece quando ele ganha uma família”.

Mas sem dúvida, explica a fundadora da Ong Pra Mia, a partir do momento que ela e sua rede de apoio (são muitos voluntários) começaram a exercer o empreendedorismo dentro da Ong, muitas coisas mudaram, como, por exemplo, o planejamento financeiro. “É bom salientar, também, que os recursos vêm de rifas e cotas de padrinhos e madrinhas dos animais. Nós nunca recebemos recurso público e recursos de empresas”, afirma.

Paixão à primeira vista

A fisioterapeuta Vanessa Coelho Souza Lima conheceu o Projeto de Tampinha Pra Mia através do Brownie na Estrada. “Eles postaram uma foto mostrando as tampinhas que haviam juntado no estabelecimento, que é ponto de coleta. Logo me identifiquei e entrei no Instagram da Ong Pra Mia pra entender melhor. Me apaixonei de cara, afinal une duas coisas que amo, cuidar do meio ambiente e animais”, ressalta.

A fisioterapeuta Vanessa Coelho Souza é voluntária do projeto das tampinhas e colocou seu estabelecimento como ponto de coleta.

A fisioterapeuta Vanessa Coelho Souza é voluntária do prjeto das tampinhas e colocou seu estabelecimento como ponto de coleta. . Crédito: Divulgação

Ela conta que logo em seguida se ofereceu para ser voluntária da Ong e começou sendo responsável por recolher tampinhas em um dos pontos, separar e levar para o Bazar. Até que um mês depois teve a ideia de tornar o seu estabelecimento Proneutra Pilates em um ponto de coleta e fazer o trabalho completo (receber, separar e entregar).

“Mas pela correria do trabalho eu não estava dando conta de separar as tampinhas, então meu pai e minha mãe entraram em ação completando essa corrente do bem. Recebo na clínica muita quantidade por semana, levo pra casa, meus pais separam tudo por cores (fazem o trabalho pesado) e depois eu levo para Ong poder fazer a venda”.

A própria Vanessa resgatou duas cachorrinhas, Bella e Amora, que foram castradas pela Ong Pra Mia através do recurso das tampinhas. “Hoje, elas moram no hotel 4 Patas na Barra do Jucu, um lugar maravilhoso, mas, obviamente, estamos em busca de adoções responsáveis. Acredito que o que mais está dificultando a adoção seja a cor da pelagem e por ser uma adoção conjunta, pois elas são bem grudadas”, lembra.

Proteção do meio ambiente

Já a profissional de Educação Física infantil, Verena Matos Gomes, explica que sua mãe sempre a ensinou a praticar o reciclagem de tudo que fosse possível. “Ajudar a natureza e os animais sempre foi um desejo no meu coração. Até que um dia alguém postou no instagram uma foto com tampinhas e marcou a Ong. Me apaixonei por tudo, pelas ideias, pelos animais, pelas tampinhas, pela ideia de arrecadar recursos sem pedir dinheiro, pela simplicidade e honestidade da Pra Mia e decidi participar juntando as tampinhas que encontrava na rua e levando até um ponto de coleta. Porém, logo depois, senti que precisava fazer mais, então me tornei uma voluntária que coleta nos pontos e separa as tampinhas e ainda coloca a família e os amigos para fazer o mesmo. É muito gratificante saber que estou contribuindo com minha cidade mais limpa e com os animais que vivem em vulnerabilidade”.

A profissional de Educação Física, Verena Matos Gomes, é voluntária e busca as tampinhas nos pontos de coleta.

A profissional de Educação Física, Verena Matos Gomes, é voluntária e busca as tampinhas nos pontos de coleta. . Crédito: Divulgação

Verena lembra que um dia encontrou uma vizinha dizendo que havia resgatado dois gatinhos, um tinha sido adotado, mas o outro teria que voltar para a rua. “Me desesperei, era um filhotinho. Eu já tinha dois em casa e tive que convencer meu esposo a dar lar temporário para ele, mas foi amor à primeira vista e já faz um ano que Floquinho está com a gente. Ele amassa pão todos os dias em mim. Dorme comigo. E fica atrás de mim o tempo todo. Assim como meus outros gatos. Ele foi castrado pelo projeto "Pra Mia”.

Para ela, a descoberta do projeto de tampinhas mudou o seu jeito de enxergar a vida. “Estar disposto a ajudar um ser vivo é algo que vem de dentro, não tem como impor. E nele eu me sinto realizada com a vida. Um trabalho honesto, onde as pessoas dedicam tempo e esforços e tem como recompensa os animais sendo assistidos, tratados e amados. Por outro lado, está a preservação da natureza, dos rios, dos lagos, das praias que não estão recebendo essas toneladas de plásticos, que através do projeto recebem um destino adequado. Só posso agradecer e dizer obrigada por esta ideia genial que Deus colocou na cabeça da Huandra. Estou imensamente feliz em participar de tudo isso”, garante.

Confira dicas para empreender em sua Ong voltada à causa animal

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  1. Não faça mais do que pode. Infelizmente, a dura verdade é que temos muitas protetores de animais acometidos de enfermidades por assumirem mais animais do que o seu emocional e o seu bolso podem suportar (ainda sonho com políticas públicas voltadas para ajudar psicológica e financeiramente essas mulheres, pois é triste ver a realidade de vida de muitas delas).

  2. É importante ter o controle de todas as entradas e saídas e o saldo final (procurando sempre mantê-lo positivo). Guardar todos os recibos e notas fiscais e dar transparência aos atos é uma prática muito positiva e essencial também.

  3. Sobre a criação de projetos autossustentáveis, para saírem do papel, é necessário construir uma boa rede de apoio. Ninguém faz nada sozinho e com o tempo eu entendi que precisava descentralizar os trabalhos para avançar. E não é necessário pensar em nada muito inovador - se a gente olhar ao nosso redor não fica tão difícil conseguir reconhecer formas de ajudar os animais de maneira sustentável e, quem sabe até, ajudando o meio ambiente também.
Fonte: Huandra Seibel

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de HZ.

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