Jolizinho, da a atendente-geral Ana Sheila dos Reis Borges, teve esporotricose, fez o tratamento e hoje é um dos xodós da casa. Crédito: Acervo pessoal
A esporotricose é uma micose profunda causada por fungos do gênero Sporothix, encontrados na matéria orgânica, como solo e plantas, e que pode afetar o homem e os animais, principalmente os gatos. Segundo a médica-veterinária, mestre em ciência animal com ênfase em esporotricose felina, Neriana Rosetti Intra, atualmente a doença é vista como um problema sério de saúde pública, pois é transmitida do animal para o ser humano, e tem aumentado de maneira significativa em todos os municípios do Brasil.
"Antigamente, o fungo acometia pessoas de zonas rurais, que lidavam diretamente com a terra e as plantas, por isso era chamada de 'doença do jardineiro'. Porém, com o tempo, passou a assumir outro perfil, principalmente nas regiões metropolitanas, apresentando seu caráter zoonótico, com a presença do gato na transmissão. Mas é extremamente importante lembrar que os felinos são vítimas, não causadores da enfermidade, eles são apenas os hospedeiros do fungo", explica.
Para ela, o aumento descontrolado da ocorrência de casos de esporotricose nos municípios está diretamente relacionado com a falta de planejamento de políticas públicas eficazes para conter o seu avanço; à deficiência nos programas de educação em saúde e posse responsável; à impossibilidade da manutenção de animais domésticos dentro das casa de seus tutores, permitindo que os mesmos tenham livre acesso ao ambiente externo, aumentando, assim, o risco de contaminação, tornando-os fontes de infecção para outros animais e humanos; ao abandono de animais doentes em vias públicas e à morte sem destinação apropriada dos animais que está diretamente relacionada com a falha do saneamento básico, da coleta de lixo e da urbanização das regiões.
A médica-veterinária Neriana Rosetti Intra alerta que a doença é transmitida do animal para o ser humano e tem aumentado muito no Brasil . Crédito: Arquivo Pessoal
Segundo Neriana Rosetti Intra, a esporotricose pode ser transmitida por meio de arranhões, mordidas e contato direto com a lesão. "Por isso, é importante que o diagnóstico seja feito rapidamente e que o animal doente receba o tratamento adequado. Eles nunca devem ser abandonados, pois essa atitude aumenta a disseminação da doença. “Caso suspeite que seu animal está com esporotricose, procure um médico-veterinário para receber orientações sobre como cuidar dele sem correr o risco de ser também contaminado", alerta.
Ela reforça, também, que a esporotricose tem tratamento. "Por isso, o animal com suspeita da doença não deve ser abandonado, maltratado ou eutanasiado. Com o tratamento adequado e informações corretas sobre os cuidados necessários, é possível promover a sua cura. Nos gatos, as manifestações clínicas são variadas. Os sinais mais observados são as lesões ulceradas na pele, ou seja, feridas profundas, geralmente com pus, que não cicatrizam e costumam evoluir rapidamente. O tratamento normalmente é longo e deve ser prescrito e acompanhado sempre por um médico-veterinário", conclui.
DOENÇA TEM CURA
A atendente-geral Ana Sheila dos Reis Borges, 38 anos, mora no bairro Resistência, em Vitória, e já tratou de vários felinos acometidos pela doença. O primeiro foi o Jolizinho, com um grau bem avançado de esporotricose nasal, já com os olhinhos bem para fora. "Primeiro, abri um pedido no 156 e, depois, o Centro de Vigilância em Saúde Ambiental (CVSA), de Vitória, entrou em contato agendando uma consulta, onde foi realizado um exame e a doença foi comprovada. Quando isso acontece, a gente já sai de lá com a medicação para um mês de tratamento, mas eles dão a medicação principal gratuitamente até a cura do gatinho. Mas às vezes são necessárias outras e é preciso arcar com os custos", explica.
Após os primeiros 30 dias, segundo ela, já deu para perceber uma melhora substancial no Jolizinho. "O CVSA acompanha o animal até o final e quando ele está curado, também é castrado gratuitamente. Mas o tratamento é doloroso e longo, o animal fica totalmente isolado, as medicações devem ser administradas nas horas certas, o tutor precisa se proteger bem para não pegar o fungo e todo o material utilizado necessita ser descartado da forma correta para que não haja a contaminação", ressalta.
Como ela tinha outros felinos, sabia que todo cuidado era pouco para que esses animais não fossem contaminados. "É um trabalho muito grande, mas quando vemos o gatinho curado e seu olhar de gratidão, não tem preço. E eu, graças a Deus, pude contar com uma rede de apoio de muitas pessoas, algumas nem conheço pessoalmente, que fizeram doações para ajudar no tratamento, até porque estou desempregada. A esporotricose tem cura, basta seguir todas as recomendações do médico-veterinário, não deixar de ir às consultas mensais no CVSA, alimentá-los muito bem, enfrentar o preconceito das pessoas (eu e meu filho também pegamos o fungo), e dar muito amor ao animal", conclui.
TRATAMENTO LONGO
A costureira Rosemary Thome Magro, proprietária do Abrigo Patas e Pelos, em Vila Velha, também já tratou de vários felinos com esporotricose. Um deles é o Bolota, que está em tratamento faz uns dois meses. "Hoje, aqui no município, já temos o auxílio da prefeitura, através do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ), que oferece a consulta com o médico-veterinário, a coleta do material e a medicação e o acompanhamento até a cura", explica.
O tempo de tratamento, explica, depende muito do local onde o fungo se instala. "O Bolota deu sorte, porque a esporotricose dele se concentrou só na patinha, a cicatrização está sendo bem mais rápida. Mas é importante lembrar que a doença pode se espalhar por outros lugares. Dentro do nariz é bem sofrido para o bichinho, que não consegue respirar direito. Foi o caso da Mia, a mãe já tinha a doença e assim que ela nasceu já apresentou os sintomas, mas logo recebeu o tratamento, está curada, tem sete meses e está pronta para a adoção", ressalta.
A costureira Rosemary Thome Magro já tratou de vários felinos com esporotricose. O Bolota é um deles, mas ficou tão grudado com ela que não vai mais para a adoção. Crédito: Acervo pessoal
A proprietária do Abrigo Patas e Pelos também faz um alerta: "A esporotricose é altamente contagiosa, eu mesma peguei, por isso todo o cuidado é necessário na hora do manuseio com o animal. E, infelizmente, a doença está se espalhando muito por conta dos animais abandonados, um grande número deles já está com esporotricose, acabam não recebendo tratamento e morrem nas ruas. A prefeitura não resgata esses animais e nem sempre a gente consegue porque muitos são ariscos. É muito triste essa situação", relata.
O QUE DIZEM AS PREFEITURAS DA GRANDE VITÓRIA
- Prefeitura Municipal de Cariacica
A Secretaria Municipal de Saúde (Semus) informa que em 2023, 12 gatos foram diagnosticados com a doença.
Em caso de suspeita da doença em humanos, é preciso procurar uma das unidades de saúde do município, para que seja feito o diagnóstico e encaminhamento para um serviço de referência. Lá o paciente será medicado e terá o acompanhamento dos sintomas feito por um profissional.
A avaliação de esporotricose em animais pode ser solicitada à Unidade de Vigilância em Zoonoses (UVZ) por meio do telefone (27) 3354-7032, de segunda a sexta, das 8 às 17 horas, por meio da Ouvidoria 162 ou pela internet.
Uma veterinária da UVZ avalia o animal e indica os medicamentos e tratamentos que os tutores devem administrar, que não são oferecidos gratuitamente, mas são acompanhados na evolução da doença. Também não promovem o recolhimento rotineiro de animais errantes, tampouco realizam eutanásia dos mesmos, em conformidade com a Lei Federal 14.228/2021, que dispõe sobre a realização de eutanásia por órgãos de controle de zoonoses, canis públicos e estabelecimentos congêneres, uma vez que a doença tem tratamento.
- Prefeitura Municipal da Serra
O município conta com o Programa Municipal de Controle da Esporotricose Animal. Após a confirmação da doença no animal, o tutor recebe informações a respeito da profilaxia, tratamento, cuidados e principais medidas de transmissão. Além disso, recebe a medicação para o tratamento do animal que dura, em média, seis meses e acompanhamento da equipe de médicos-veterinários com os quais podem sanar eventuais dúvidas. Somente os animais que possuem tutores são abrangidos pelo programa, estão sendo estudadas medidas que permitam a expansão para animais sem tutores.
Os animais que apresentem avançado e grave estado de saúde são recolhidos ou resgatados pelo programa A.R.C.A, vinculado à Secretaria de Meio Ambiente, setor de bem-estar animal, e submetidos a tratamento com um médico-veterinário pela empresa contratada e, posteriormente, curados, são postos para a adoção.
Já foram realizadas em 2023, 50 visitas técnicas de médicos-veterinários, que resultaram em 258 animais atendidos, assim como foram distribuídas 6,3 mil cápsulas de medicação para os tutores realizarem o tratamento de esporotricose em seus animais.
Com relação às ações de Educação em Saúde, o setor tem elaborado materiais informativos impressos e audiovisuais que serão em um futuro próximo adicionados nas palestras realizadas (Educação em Saúde) em suas campanhas e trabalhos de geração de conscientização de crianças e adolescentes em escolas.
- Prefeitura Municipal de Viana
Segundo informações, em 2023, 20 animais foram atendidos no município com esporotricose. A Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA) informa que quando um animal apresenta lesões compatíveis com a doença, a Zoonoses, por meio da Gerência de Vigilância Ambiental, deve ser acionada para fazer a investigação e confirmar ou descartar o caso. O telefone é (27) 99815-7562.
Os animais positivos são registrados e acompanhados pelo período de tratamento. Os tutores são orientados e instruídos sobre como tratar e recebem informações sobre a doença e como manter o animal em isolamento. Em caso de contaminação em humanos, recebem a atenção em saúde, com avaliação médica, medicação e acompanhamento por todo tratamento.
Os animais diagnosticados só conseguem ser atendidos caso tenha o tutor ou alguém que se responsabilize e consiga manter o mesmo em um local isolado que permita ser avaliado e tratado.
Em casos de felinos em situação de rua diagnosticados com esporotricose, o caso é atendido pelo programa É o Bicho!, que visa, principalmente, oferecer a castração gratuita de cães e gatos de moradores do município. Além disso, faz o resgate de animais em situação de sofrimento das ruas e os encaminha para tratamento na Clínica Rancho Bela Vista, na Serra. Após recuperação, todos ficam disponíveis para adoção em feiras realizadas pontualmente. Telefone: (27) 99822-4116.
Médicos-veterinários e agentes de endemias realizam trabalho preventivo, levando informações sobre esta e outras doenças aos munícipes, além de palestras e ações realizadas em escolas e unidades de saúde.
- Prefeitura Municipal de Vila Velha
A Secretaria de Saúde de Vila Velha, por meio da Unidade de Vigilância em Zoonoses (UVZ), informa que possui o Programa de Esporotricose Animal. O programa é responsável por realizar o diagnóstico e o tratamento de animais suspeitos da doença.
Qualquer morador que identificar um animal com feridas e lesões na pele, pode informar através do 162 ou no site da prefeitura. A busca ativa, identificação, tratamento e orientação dos tutores (caso haja) são realizados mediante à comunicação via Ouvidoria.
No atendimento é realizado o diagnóstico para a confirmação da doença e o resultado sai na hora. Em caso positivo, é oferecido acompanhamento de médico- veterinário até a cura clínica do animal. Os animais de rua não são recolhidos para tratamento na UVZ, é necessário que uma pessoa se responsabilize realizando o manejo e a medicação, seguindo o mesmo protocolo preconizado para animais com tutores através do Programa.
- Prefeitura Municipal de Vitória
Possui o Programa de Esporotricose Animal, responsável por promover o tratamento de animais suspeitos da doença. O munícipe deve agendar o primeiro atendimento pelo canal 156. Na consulta, é realizado o diagnóstico para a confirmação da doença. Caso seja positivo, todas as orientações quanto à enfermidade, manejo e tratamento é repassada para o tutor ou responsável, além do acompanhamento do médico-veterinário até a cura clínica do animal e a dispensação da medicação para o tratamento, seguindo alguns critérios.
Os animais de rua não são recolhidos para tratamento dentro do Centro de Vigilância em Saúde Ambiental (CVSA). É necessário que uma pessoa se responsabilize por esse animal para dar início ao tratamento do mesmo através do Programa.
A conscientização da população acontece diariamente nos atendimentos e, em alguns casos, a Equipe de Educação em Saúde realiza a abordagem sobre a doença junto à população. Em 2023, em janeiro foram realizados 111 atendimentos, em fevereiro 107 e 92 em março.
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