Martinuzzo, com uma edição histórica da centenária obra de Afonso Cláudio e seu novo livro, destacando o pioneirismo de “Insurreição do Queimado”, escrito em 1884 . Crédito: Divulgação
O clássico da literatura capixaba “Insurreição do Queimado”, prestes a entrar no 140º ano de sua escrita por Afonso Cláudio, pode ser considerado o primeiro livro-reportagem feito no Brasil.
Para marcar esse aniversário e registrar a pesquisa de que resulta essa descoberta, o professor titular da Ufes José Antonio Martinuzzo escreveu um livro que será lançado dia 31 de outubro no Auditório do Centro de Artes, no campus da Universidade em Goiabeiras, a partir das 10h.
Os exemplares de “Insurreição do Queimado – 140 anos do pioneirismo de Afonso Cláudio no livro-reportagem nacional” serão distribuídos gratuitamente aos presentes, que também poderão participar de roda de conversa sobre livro-reportagem.
Martinuzzo também doará 250 exemplares para a Biblioteca Pública do Espírito Santo distribuir a toda a rede estadual de bibliotecas e a seus projetos de difusão da leitura.
Tradicionalmente, segundo bibliografia específica, considera-se “Os Sertões, de Euclides da Cunha, lançado em 1902, como o pioneiro do gênero do Brasil.
Esse segmento é sucesso no país, incluindo best-sellers como “Escravidão”, trilogia de Laurentino Gomes; “Rota 66 – A história da polícia que mata”, de Caco Barcellos; “Holocausto brasileiro”, de Daniela Arbex; e “Estação Carandiru”, de Drauzio Varella.
A “insurreição” do Queimado
Sumariamente, a “insurreição” ocorrida na localidade de Queimado, atualmente município da Serra, foi uma revolta efetivada por cerca de 200 escravizados, brutalmente sufocada pelas forças imperiais em dois dias.
A rebelião eclodiu em 19 de março de 1849, mediante a frustrada alforria prometida pelo frei Gregório de Bene em troca da construção da Igreja de São José, inaugurada nessa data, após quase quatro anos de obras.
Perseguições, assassinatos, torturas, condenações à morte e a suplícios públicos, entre outras trágicas imputações aos envolvidos, marcaram o desfecho da insurreição.
As lideranças foram ferozmente perseguidas. Dos condenados à morte, Chico Prego e João da Viúva Monteiro foram executados em praça pública na Serra e no Queimado, respectivamente.
De fuga em fuga, conforme conta Afonso Cláudio, “Domingos (Corcunda) e João (Pequeno), Elisiário e seu irmão João morreram no isolamento das montanhas vitimados simultaneamente pela tuberculose e anemia”.
“Carlos logrou sobreviver aos companheiros”, registra Afonso Cláudio, que teve o mais jovem dos líderes revolucionários como umas das suas fontes para escrever sua narrativa, inédita a seu tempo, que só mais tarde viria a ser conceituada: o livro-reportagem.
Afonso Cláudio
“Insurreição do Queimado – Episódio da História da Província do Espírito Santo”, um dos livros mais importantes da historiografia capixaba, revela o caráter vanguardista de seu autor, Afonso Cláudio de Freitas Rosa, que escreveu o livro aos 25 anos de idade, em plena vigência do escravismo.
Também autor de clássicos nas áreas de direito, folclore, literatura, ciências sociais, Afonso Cláudio foi jornalista, advogado, magistrado, escritor e professor. Com a Proclamação da República, tornou-se o primeiro presidente do Estado do Espírito Santo – aos 30 anos. Também foi desembargador (1891-1920) e presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo. Na Academia Espírito-Santense de Letras, foi o primeiro ocupante da Cadeira Número 1, sendo patrono da Cadeira Número 27.
Nascido em 02 de agosto de 1859, na Fazenda Mangaraí, no então município de Porto de Cachoeiro de Santa Leopoldina, Afonso Cláudio foi batizado, em 09 de outubro de 1859, exatamente na Igreja de São José do Queimado, templo cuja construção está no epicentro da revolta que retrata em seu livro inaugural.
Trechos do livro-reportagem de Afonso Cláudio
Na Serra, “depois de feita a última unção religiosa, Prego de mãos atadas galgou os degraus da escada, seguido do carrasco; em seguida o executor passou-lhe a corda ao pescoço, tendo antes ligado à trave o instrumento mortífero, impeliu o rebelde para o espaço e arrimado à corda cavalgou no pescoço do negro, apoiando nas mãos ligadas os pés para fazer maior pressão. Alguns momentos depois era a corda cortada e atirado no chão o corpo; como, porém, ainda não tivessem cessado as agonias, o executor lançou mão de um madeiro que se achava ao lado da forca e esmagou as partes, o crânio, os braços e as pernas do justiçado”.
“Após a tirania da lei, a selvageria do homem; é assim que se opera a fusão do juiz no aguazil. A manhã conservava-se clara; o sol derramava uma luz abrasadora. Estava feita a missão da justiça: a autoridade sentia-se restituída à amplitude de seu poderio arbitrário. Às janelas abertas desde o começo da execução, mantinham-se em agradável compostura velhos e moços. [...] O acompanhamento mortuário parecia triste pela célere terminação da cena. Quantos não sentiam desejos de pedir ‘bis’”.
“João da Viúva Monteiro recebia na povoação do Queimado igual prêmio à sua audácia. [...] Nada faltou ao cerimonial mortuário; apenas a multidão foi menos numerosa e os espectadores mais humanos. João sofreu os flagelos da carne e do espírito; triturado, ralado, quase desconjunto, viu na forca o termo das mortificações. Quando o carrasco o impeliu, fez ecoar um ‘ah!’ tão profundo e íntimo que parecia uma saudação à morte, porque o restituía à liberdade do túmulo”.
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