Camila Queiroz, Diogo Almeida e Levi Asaf nos bastidores de 'Amor Perfeito'. Crédito: Globo/Divulgação
Nesta segunda-feira (20), começa ‘Amor Perfeito’, nova novela das seis da TV Globo. A trama é dividida em duas fases, entre 1934 e 1942, e se passa na fictícia cidade de Águas de São Jacinto, no interior de Minas Gerais. A novela é livremente inspirada na obra “Marcelino Pão e Vinho”, de José María Sánchez Silva, publicada pela primeira vez no começo dos anos 50.
Através da busca de um filho por sua mãe e de uma mãe por seu filho, esse folhetim tem em suas tramas relações que revelam faces de um amor que se esparrama nos casais apaixonados, entre parceiros de vida, na amizade, na harmonia com a natureza e na vida familiar, resgatando valores humanitários que ajudam a fortalecer a esperança de que dias melhores virão.
E os autores Duca Rachid, Júlio Fischer e Elísio Lopes Jr. falam sobre as emoções e tramas que prometem fazer da cidade fictícia de Águas de São Jacinto um lugar onde o mais sublime dos sentimentos transborda em suas variadas formas. Confira abaixo a entrevista:
Na sinopse vocês falam sobre uma trama baseada no “amor filial”, o que, de certa forma, vai atravessar todos os núcleos. Como vocês conceituam essa novela?
Duca - Nosso primeiro desejo foi mesmo falar de amor, não só do amor romântico, mas desse amor fraternal, amor entre pais e filhos. A gente tem várias histórias que falam dessa relação, principalmente porque a gente vai falar muito de mulheres nessa novela, da condição da mulher, que estava submetida a uma legislação muito patriarcal, uma sociedade muito machista, em que as mulheres ainda tinham a responsabilidade da criação dos filhos, a educação ficava a cargo das mulheres. Praticamente só elas se responsabilizavam pelos filhos. A novela parte do melodrama, do folhetim, do conto de fadas, com a história de uma mulher que é presa injustamente, porque cai em uma armadilha da madrasta. Esse é um ponto de partida para falar sobre questões como diversidade, machismo, preconceito, das relações entre mãe e filho, pai e filhos. A própria Marê se vê grávida sem o pai do filho dela, que volta e só depois vai assumir essa paternidade plena, e esse amor também, por ela. A gente tem o caso da Verônica (Ana Cecília Costa), que é a amante do prefeito Anselmo Evaristo ( Paulo Betti) e que cria o filho que teve com esse homem, Júlio (Daniel Rangel) acreditando que o pai está. Tem a Lívia (Lucy Ramos), que não pode ter filhos e adota uma criança, mesmo contra a vontade do marido. Então a gente quer falar muito dessa ausência do pai. Ausência física e afetiva.
Então podemos falar que “Marcelino Pão e Vinho” é uma das principais, se não a principal referência pra novela? Qual a relação de vocês com essa história?
Júlio - A gente aproveita esse fio de trama para criar outros núcleos, outros personagens, tratando desse mesmo tema - a relação entre pais e filhos, nas suas diferentes formas .
Duca - A primeira vez que eu fui ao cinema foi com a minha avó, uma imigrante portuguesa, analfabeta, foi para assistir ao filme ‘Marcelino Pão e Vinho’. Eu tenho uma relação muito afetiva com essa história. Devia ter uns seis ou sete anos de idade e foi muito marcante para mim. Júlio e eu fizemos essa sinopse há muitos anos, a gente escrevia juntos o 'Sítio do Picapau Amarelo'.
Júlio - Isso foi em 2003, a Duca veio com essa ideia e começamos a criar a sinopse, que ficou guardada. Recentemente, há uns dois anos, ela me perguntou o que eu achava da gente revisitar aquela sinopse. Aí começamos a retrabalhar, dar uma outra forma para aquela sinopse, agora com um olhar mais amadurecido.
Duca - E com um propósito. Eu acho que todas as novelas que eu escrevi até hoje tinham um propósito, desde “Cama de Gato” (2008), por exemplo, a gente se inspirou muito, eu e a Thelma [Guedes], na tese de Fernando Braga da Costa um psicólogo social, que falava sobre trabalhadores invisíveis. A personagem principal era uma faxineira, que nunca tinha sido vista pelo herói da trama, que era o personagem do Marcos Palmeira, e é a mulher que vai testemunhar a favor dele, quando ele é acusado de um crime, vai salvar a vida dele. Fizemos uma novela, ‘Cordel Encantado’ (2011), em que o propósito era falar do Nordeste “ heráldico”, mostra a riqueza da cultura popular nordestina. Depois 'Órfãos da Terra’ (2019), que trata do tema do refúgio, e 'Joia Rara’, (2013) que fala de budismo. Agora o nosso propósito é dar luz para a essa excelência negra que sempre existiu no Brasil, e que ficou escondida.
Amor Perfeito é escrita por Júlio Fisher, Duca Rachid e Elisio Lopes Jr. Crédito: PAULO BELOTE/TV GLOBO
Vocês já destacaram que a Marê (Camila Queiroz) não será uma mocinha e sim uma heroína romântica. Podem falar mais sobre as nuances da personagem?
Júlio - A mocinha geralmente sofre e fica à mercê de um vilão, de uma vilã. A nossa Marê, por ser uma heroína, se posiciona, se coloca. Desde o primeiríssimo capítulo, ela já se coloca contra o pai, não se submete. Ela tem a iniciativa de estudar na capital, no primeiro curso de Administração e Finanças, que foi aberto em 1934 por Getúlio Vargas, e ela é a única mulher da turma. Ela se coloca depois contra o pai, que não admite o relacionamento dela com o Orlando, por ser um homem negro. E depois ela não vai apenas reagindo ao mal que lhe é feito, mas ela vai plantando o destino dela. É nesse sentido que é uma heroína.
Duca - Ela, por exemplo, quer proteger o filho e foge da cadeia. Ela tem atitudes bem corajosas, ousadas.
Júlio - Ela é capaz de se colocar frontalmente contra as forças que querem derrubá-la. Vai atrás de justiça. Não se submete passivamente ao mal que lhe fazem.
A vilã Gilda Rubião será interpretada por Mariana Ximenes. Crédito: PAULO BELOTE/TV GLOBO
O que o público pode esperar dos antagonistas da novela? Que tipo de vilões serão Gilda (Mariana Ximenes) e Gaspar (Thiago Lacerda)? Qual o limite da maldade deles?
Júlio - A Gilda (Mariana Ximenes) é uma vilã com nuances, sim, tem uma profundidade. É uma vilã muito perversa, mas no decorrer da novela a gente vai percebendo que essa maldade nasce de uma dor profunda, então a gente vai entendendo a raiz desse mal. Não é um estereótipo da maldade pura e simples. Embora a nossa história tenha uma referência de contos de fadas, ela não é uma bruxa, ela é mais que apenas a personificação do mal. A gente vai mergulhando aos poucos na dor dela, e descobrindo o que está na origem desse mal. No decorrer da novela a gente vai mostrando as fragilidades dela, a carência de amor, a infância miserável que ela teve. O Gaspar (Thiago Lacerda) também tem um arco dramático. No começo, ele é manipulado durante um bom tempo, porque ele tem uma moral “ elástica”, que herdou do pai, e uma fixação pela Gilda. Depois, ele vai dar uma virada e vai ganhar um objetivo próprio maior, e vamos vê-lo como que sendo disputado pelo bem e o mal que habitam nele (como em todos nós, aliás). A nossa intenção é explorar essas nuances, tanto do Gaspar como da Gilda, às últimas consequências. Humanizar, humanizar, humanizar.
Duca - Porque ninguém é totalmente mau, nem totalmente bom. Assim como o nosso herói, Orlando (Diogo Almeida), que começa pisando na bola.
Falem um pouco sobre nosso protagonista, o pequeno Marcelino (Levi Asaf)? Como vai ser abordada a relação dele com Cristo (Jorge Florêncio)?
Duca - Nesse ponto, a gente está sendo bastante fiel ao livro. Na verdade, a grande busca desse personagem, na nossa história, isso não é do livro, é pela mãe. Tudo que ele quer do Cristo (Jorge Florêncio) é saber onde está a mãe dele, e a fé dele é tão grande que em nenhum momento ele acredita que não vai encontrar a mãe. Uma hora ele desconfia que a mãe está morta, mas ele continua insistindo. O contato com Cristo faz parte da busca dele. Agora, a maneira como ele encontra o Cristo e como eles se relacionam, é bem fiel ao livro. Sobre o nosso protagonista, foi um verdadeiro achado o Levi. Fomos ao teatro, fomos vê-lo atuando na peça “O Pequeno Príncipe” e ficamos encantados com ele.
Em ‘Amor Perfeito’ teremos um núcleo cômico ou isso vai passear por diversos personagens?
Júlio - A irmandade não cumpre, estritamente, a função do núcleo cômico. Temos vários outros personagens que fazem esse papel. Um exemplo é o pessoal do armazém, a Ione (Carol Badra), a fofoqueira oficial e seu atormentado marido, o Ademar (Gustavo Arthidoro). São cômicos, mas também têm seus dramas.
Elisio - A Ione (Carol Badra) acaba indo para o lirismo também, isso responde um pouco da questão da brasilidade. A gente é um povo que tropeça e ri de si mesmo, levanta e vai. Esse humor está espalhado na novela, uma hora você está rindo, outra hora chorando, aí você se emociona e você se aborrece. Não vejo o humor num lugar só. Até os vilões têm cenas engraçadas.
O que vocês destacariam como diferencial dessa novela?
Duca - Acho que o grande diferencial da novela é a tentativa de apresentar personagens negros, inspirados em pessoas e histórias que sofreram apagamento.
Júlio - A gente começa pelo fato de que o nosso Marcelino (Levi Asaf), na nossa versão, é um menino negro. Isso já norteia todo o desenvolvimento da história. Esteticamente, também, a gente está obedecendo a referências históricas. É uma cidade ficcional, sim, mas não é uma cidade fantasiosa. É uma cidade que bebe muito da realidade que a gente absorveu em pesquisa. Tão referências quase absolutamente desconhecidas da nossa chamada elite intelectual. Então é muito importante enfatizar essa questão de que não é um universo fantasioso que nós estamos colocando na novela, mas é um universo que existiu historicamente, mas que ficou à margem dos livros de história. Assim como, até há bem pouco tempo, o currículo escolar omitia quase completamente a importância da herança africana na formação da cultura brasileira.
Elisio - A gente tem um desejo, sempre que está escrevendo, de que a novela seja brasileira. É uma história universal que trata de fé, trata de amor de mãe e filho, mas ela está sempre contada no Brasil e num dos “ brasis" que não foi muito visto, principalmente nessa época e nesse tempo. Trazer essa história para esse universo de um Brasil de época, que ainda não é tão conhecido pelo espectador, gera, inclusive, uma inversão de expectativa de alguma forma. Você espera ver as pessoas num enquadramento, numa forma, e elas vão vir com outras cores, com outras formas, com sotaque, contando essa história de um jeito que ainda não é tão comum.
*Com informações da assessoria da TV Globo
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